terça-feira, 17 de junho de 2025

Demolindo o milênio literal com base no Salmo 110, o texto favorito do Novo Testamento

O texto mais citado não é Apocalipse 20 — é Salmo 110

Vamos começar lembrando um fato desconcertante (para quem se importa com Bíblia): o texto mais citado no Novo Testamento inteiro não é Apocalipse 20 — onde o tal “milênio” aparece em termos altamente simbólicos —, mas sim o glorioso Salmo 110:

"Disse o Senhor ao meu Senhor: Assenta-te à minha direita até que eu ponha os teus inimigos por estrado dos teus pés.” (Sl 110.1)

Ora, que coincidência conveniente para os pós-apóstolos milenistas ignorarem: o versículo mais citado no Novo Testamento ensina que Jesus, desde sua ascensão, está REINANDO. Ele não se levanta até que todos os inimigos sejam colocados sob seus pés.

Inclusive o último deles — a morte (1Co 15.26).

Salmo 110, Atos 2, Hebreus 1, 10, 1 Coríntios 15 — todos dizem a mesma coisa:

O Reino de Cristo já começou. E termina quando a morte for vencida.

Paulo escreve em 1 Coríntios 15.24-26:

“Depois virá o fim, quando ele entregar o Reino a Deus, o Pai, quando houver destruído todo principado, bem como toda potestade e poder. Pois é necessário que ele reine até que tenha posto todos os inimigos debaixo dos seus pés. O último inimigo a ser destruído é a morte.”

Vejamos:

Ordem dos eventos Segundo Paulo, inspirado por Deus

Jesus reina agora Desde sua ascensão (cf. Sl 110; At 2.33-36)

Reina até destruir os inimigos Incluindo a morte (último inimigo)

Depois entrega o Reino ao Pai Porque missão cumprida

Mas o pré-milenista, em sua glória analógica, nos quer convencer que Jesus desce para reinar na terra APÓS a ressurreição, num tipo de burocracia escatológica celestial onde o Salvador reina, depois entrega, mas depois volta a reinar só mais um pouquinho, no milênio... porque, sei lá, Deus gosta de enredos confusos?

O argumento do lago de fogo não salva o pré-milenismo — ele o enterra

Imagine a cena: confrontado com o fato de que a morte é vencida na ressurreição, o pré-milenista sai pela tangente:

"Não, veja bem, Paulo diz que o último inimigo é vencido, mas isso acontece quando a morte é lançada no lago de fogo em Apocalipse 20.14. Então ainda tem um espacinho pra milênio depois da ressurreição!"

Ah, claro, como não pensamos nisso? Jesus fica sentado esperando até a morte ser lançada no lago de fogo, e só então Ele se levanta. Isso quer dizer que Ele não desce antes disso.

Ou seja:

👉 Se a morte é vencida na ressurreição, então não há reino milenar depois.

👉 Se a morte é vencida no lago de fogo, então Cristo não pode descer antes disso.

Em ambos os casos, não tem milênio terrestre nenhum com Jesus pisando em Jerusalém como prefeito glorificado.


O trono é no céu, não em Jerusalém

A citação de Salmo 110 em Atos 2.33-36 deixa isso claro:

“Exaltado, pois, à destra de Deus, tendo recebido do Pai a promessa do Espírito Santo, derramou isto que vedes e ouvis. Porque Davi não subiu aos céus, mas ele próprio declara: ‘Disse o Senhor ao meu Senhor: Assenta-te à minha direita.’ [...] Portanto, saiba com certeza toda a casa de Israel que a esse Jesus, que vós crucificastes, Deus o fez Senhor e Cristo.”

Jesus já reina, e o trono não está em Jerusalém com bandeirinhas israelenses e ministério de turismo pronto para o “milênio”.


Como diz Herman Bavinck:

"A exaltação de Cristo à destra de Deus é o cumprimento da promessa de um reino. A ideia de um reino terreno posterior é, portanto, uma regressão, não um avanço.”


O pré-milenismo é uma sandália da humildade teológica… só que do tamanho errado

Ele reduz o reinado glorioso do Senhor a um tipo de governo geopolítico com templo, sacrifício de animais (em certos modelos), peregrinações e, provavelmente, passaporte de vacinação do Anticristo. É como tentar enfiar o universo dentro de uma tenda do tabernáculo.


Como escreveu Augustus Strong, mesmo no século XIX:

"A ideia de um reino terreno é tão inferior ao reino espiritual presente de Cristo, que seria um retrocesso na teologia cristã aceitar isso como cumprimento.”


Teólogos que zombam — com classe


John Owen:

“A noção de um reino terreno futuro de Cristo ignora a glória do evangelho presente e a eficácia de sua obra completa.”


Anthony Hoekema:

“Apocalipse 20 deve ser lido à luz de todo o Novo Testamento, e não o contrário. O reinado de Cristo já está em andamento, e o ‘milênio’ é simbólico do período entre a primeira e segunda vinda.”


G.K. Beale:

“A interpretação literal de Apocalipse 20 gera contradições com textos explícitos como 1 Coríntios 15 e Salmo 110. Qualquer sistema que colida com tais fundamentos doutrinários deve ser rejeitado.”

Conclusão lógica: O trono é eterno, o milênio literal é efêmero (e não bíblico)


A partir de Salmo 110 e 1Co 15:

1. Jesus só se levanta do trono quando a morte for vencida.

2. A morte é vencida na ressurreição física m ou no lago de fogo.

3. Em qualquer dos casos, não há espaço cronológico para um milênio literal após isso.


Sobre o Reino:

1. Jesus reina agora, desde sua ascensão.

2. Ele reina até destruir todos os inimigos.

3. Depois entrega o Reino ao Pai.

4. Um reinado futuro terreno seria depois da entrega — o que é impossível.

5. Logo, o reinado milenar literal contradiz o próprio esquema paulino.


 Epílogo 

Vamos ser honestos: defender um milênio literal exige a mesma destreza teológica que interpretar Apocalipse com jornal na mão e mapa de Israel na outra. É um caso clássico de inverter a regra de ouro da exegese:

Em vez de “interpretar os textos obscuros à luz dos claros”, o pré-milenismo faz o oposto:

Ele interpreta todo o Novo Testamento à luz de seis versículos apocalípticos simbólicos.

Isso é o equivalente exegético a tentar montar um quebra-cabeça de 1.000 peças começando por uma peça borrada.



A PIADA DO MILÊNIO: UMA DEMOLIÇÃO PRESUPOSICIONALISTA DO PRÉ-MILENISMO E FUTURISMO




Introdução: A Grande Ilusão de um Reino Futuro

Vivemos numa época em que a Igreja precisa urgentemente de uma teologia robusta, enraizada nas Escrituras e no progresso real da revelação — e não em fantasias dignas de roteiros hollywoodianos. Entre os maiores engodos que assolam a mente evangélica moderna está o pré-milenismo futurista — esse conto de fadas escatológico que insiste em enfiar um “reino” terreno entre a Segunda Vinda de Cristo e a eternidade, como se o Senhor tivesse esquecido alguma etapa no seu plano eterno e agora fosse improvisar um "reinado literal de mil anos em Jerusalém". Convenientemente, algumas visões e sub grupos dentro do pré milenismo ainda incluem: um templo reconstruído, sacrifícios restaurados (?), e um Jesus glorificado brincando de Rei de Israel enquanto os gentios assistem pela janela.

Vamos aos fatos. A teologia reformada histórica, os dados bíblicos e a lógica da revelação nos obrigam a desmontar esse castelo de areia com uma marreta exegética e presuposicional. E faremos isso com sarcasmo, porque como dizia Calvino: “A verdade de Deus merece mais reverência do que os sonhos humanos”.

1. O Novo Testamento Aplica as Promessas do Antigo Testamento à Igreja, Não a um “Israel Futuro”

Um dos pilares do futurismo é a ideia bizarra de que promessas feitas a Israel no Antigo Testamento aguardam cumprimento literal em um suposto "milênio" vindouro. Mas o Novo Testamento, em total desprezo à literalidade dispensacionalista, aplica essas promessas à Igreja agora.

Paulo declara em 2 Coríntios 1:20:

“Porque quantas são as promessas de Deus, tantas têm nele o sim; por isso também por ele é o amém, para glória de Deus, por nosso intermédio.”

Tente encontrar uma brecha para "cumprimentos duplos" nesse texto. Boa sorte. As promessas foram cumpridas em Cristo, e ponto. Isso significa que a herança de Israel pertence à Igreja porque a Igreja é o verdadeiro Israel. Como Anthony Hoekema pontua:

“O Novo Testamento não ensina um retorno a um Israel nacional, mas sua integração ao povo de Deus em Cristo.”
(The Bible and the Future, p. 196)

O pré-milenismo precisa desesperadamente de uma dicotomia entre Israel e a Igreja, mas Paulo a destrói sem misericórdia em Romanos 9:

“Não pensemos que a Palavra de Deus falhou. Porque nem todos os que são de Israel são israelitas.” (Rm 9:6)

Ou seja, as promessas continuam firmes — mas são para os eleitos, não para um etnos.

Perceba como Paulo impossibilita também a ideia do duplo cumprimento, ele responde uma pergunta implicita no texto: "Então Deus quis construir uma nação e não conseguiu? As promessas dele na Bíblia não se cumpriram?" Ele responde de maneira enfática: "E NÃO PENSEMOS que a palavra de Deus haja falhado" ou seja, nós não podemos, de maneira alguma pensar que Deus não cumpre suas promessas, e depois disso ele responde que as promessas de Deus se cumprem naqueles que Deus escolheu, esses são os verdadeiros Israelitas, o verdadeiro povo de Deus (Rm 9) esses são aqueles que Deus chamou "Dentre os judeus e também dentre os gentios" vs 24. Assim, Paulo não diz que as promessas de Deus ainda se cumprirão em um Israel étnico futuro em um Reino milenar literal, porém deixa claro que a Palavra de Deus vai ser cumprida cabalmente (Rm 9.28) ou seja, em breve Deus salvaria o remanescente de Israel (Isaías 10-22-23)

2. Não Existe “Reino Messiânico” Pós-Ressurreição. Ponto.

Se existe algo mais ridículo do que um reino de mil anos depois da ressurreição dos mortos, ainda não foi inventado. Paulo é claro como cristal em 1 Coríntios 15:

“Então virá o fim, quando ele entregar o Reino a Deus, o Pai, quando houver destruído todo principado, bem como toda potestade e poder. Pois é necessário que ele reine até que haja posto todos os inimigos debaixo dos pés. O último inimigo a ser destruído é a morte.” (1Co 15:24-26)

Note a ordem:

  • Cristo reina agora ("é necessário que ele reine até…"),
  • Ele destrói todos os inimigos,
  • O último inimigo é a morte,
  • Depois disso vem o fim, não um novo governo literal em Jerusalém.

Se a morte é o último inimigo e ela é destruída na ressurreição, então não há mais inimigos para serem derrotados depois. O que sobra para um milênio literal? Nada. A não ser que se queira chamar a eternidade de “milênio”, o que além de patético, seria heresia de calendário.

Geerhardus Vos conclui:

“Não há espaço para um reino intermediário depois da ressurreição. O fim é consumado ali.”
(Pauline Eschatology, p. 274)

3. A Conversão de Israel Acontece Sem Milênio, Sem Terceiro Templo e Sem Espetáculo

Outro pilar do futurismo é que “Israel” — essa entidade política metafísica — precisa ser restaurada com templo, terra e sacrifícios. Mas o texto bíblico é claro: a conversão futura de judeus (Rm 11:26) ocorre por meio do Evangelho, sem necessidade de aparições teofânicas, revoluções militares ou inaugurações cerimoniais em Jerusalém.

A profecia diz que eles serão enxertados novamente, mas na mesma oliveira — a Igreja.

“Eles também, se não permanecerem na incredulidade, serão enxertados; pois Deus é poderoso para os tornar a enxertar.” (Rm 11:23)

Nada de nova era judaica milenial. Não há necessidade de um espetáculo do Messias como mágico itinerante para convencer judeus modernos. A Palavra e o Espírito bastam. Jesus mesmo diz:

“Bem-aventurados os que não viram e creram.” (Jo 20:29)

Achar que judeus precisam ver Cristo glorificado reinar em carne para se converterem é simplesmente rejeitar a suficiência das Escrituras.

4. A Aliança Davídica se Cumpre em Cristo, Não em Tel Aviv

O Salmo 89 e outras profecias davídicas são interpretadas no Novo Testamento como cumpridas em Jesus Cristo e em seu reinado atual, não em algum milênio teatral no futuro.

Atos 2:30-36 destrói qualquer tentativa de adiar o trono de Davi:

“Sendo, pois, profeta, e sabendo que Deus lhe havia prometido com juramento que do fruto de seus lombos, segundo a carne, levantaria o Cristo, para o assentar no seu trono… Deus o ressuscitou… exaltado, pois, pela destra de Deus…”

A ressurreição é a entronização de Cristo no trono de Davi. Herman Ridderbos diz:

“O reino de Deus está agora presente porque Cristo reina agora. O trono de Davi é celestial.”
(The Coming of the Kingdom, p. 143)

Você quer mais prova? Hebreus 1 diz que Jesus já está “assentado à direita da Majestade nas alturas”. Não há lugar para tronos alternativos.

5. Futurismo: Um Roteiro de Ficção Científica com Citações Bíblicas Fora de Contexto

O futurismo em si é uma aberração teológica importada dos delírios de John Nelson Darby, alimentada pelo dispensacionalismo americano e comercializada por best-sellers como "Deixados para Trás", que substituíram a exegese por fanfic apocalíptica.

John Murray despreza isso elegantemente:

“A expectativa de um reino terreno vindouro contradiz a consumação escatológica bíblica.”
(Collected Writings, vol. 2, p. 383)

A ideia de que Cristo veio, morreu, ressuscitou, ascendeu, reina à direita de Deus… mas ainda precisa reinar na Terra por mil anos antes de finalmente entregar o Reino — é simplesmente um insulto à lógica bíblica e à suficiência de sua obra.

Conclusão: O Maior Problema Não é o Milênio. O Problema É o Dispensacionalismo

Vamos encerrar com honestidade brutal: o tal “problema do milênio” não é o maior problema para o cristianismo. Nunca foi. Nunca será. O problema é, sempre foi, e sempre será… o dispensacionalista. É ele quem não suporta a ideia de um Deus que cumpre Suas promessas como Ele quer, quando quer, para quem quiser — mesmo que isso signifique dissolver as fronteiras étnicas, geográficas e geopolíticas em Cristo.

Portanto, zombem do milênio literal. Escarneçam da ideia de que Jesus depois de ter se humilhado e sido glorificado, vai se levantar do seu trono antes que se cumpram as promessas de Deus "até que sejam colocados todos os inimigos debaixo de seus pés" (Sl 110, 1 Co 15), ou então da ideia ridícula com um templo carnal e sistema levítico reciclado. E quando alguém vier defender essa palhaçada, ofereça a ele a Bíblia aberta em 1 Coríntios 15. Ou um mapa de Jerusalém. Ambos servem para mostrar o quanto ele está perdido.


segunda-feira, 16 de junho de 2025

Israel vs Irã: A Guerra que Pode Mudar o Mundo — e o Que a Bíblia Diz Sobre Isso

Israel vs Irã: A Guerra que Pode Mudar o Mundo — e o Que a Bíblia Diz Sobre Isso




Introdução: O Mundo em Alerta

Enquanto os olhos do mundo se voltam para o Oriente Médio, Israel e Irã se enfrentam numa escalada de tensão que ameaça desestabilizar a geopolítica global. Mísseis cruzam os céus, alianças se firmam nos bastidores, e milhões se perguntam: Estamos às portas da Terceira Guerra Mundial?


Mas para quem crê nas Escrituras, a pergunta mais importante é:

Essa guerra cumpre alguma profecia bíblica? Estaríamos no princípio das dores profetizado por Jesus?


Contexto: Por que Israel e Irã estão em guerra?

Israel e Irã são inimigos ideológicos e estratégicos há décadas.

Israel é uma democracia ocidentalizada no coração do mundo islâmico.

Irã é uma república teocrática xiita que sonha em "varrer Israel do mapa".


A tensão aumentou por:

Programas nucleares iranianos

Apoio do Irã a grupos como o Hezbollah e Hamas

Bombardeios israelenses preventivos na Síria e no Líbano

Ataques coordenados por milícias pró-Irã

Em 2025, isso tudo explodiu num conflito direto, com consequências que ninguém consegue prever completamente.


Profecia Bíblica e a Guerra

Muitos cristãos pensam imediatamente em textos como:

Mateus 24:6-7

“E ouvireis falar de guerras e rumores de guerras... Porquanto se levantará nação contra nação...”


Jesus não disse que cada guerra seria um sinal direto do fim, mas que elas seriam parte do cenário geral do fim dos tempos.


Ezequiel 38–39: A Guerra de Gogue e Magogue

Alguns associam Irã (antiga Pérsia) com os povos aliados de Gogue no ataque a Israel.

Embora a interpretação futurista veja isso como ainda por vir, há quem defenda um cumprimento parcial já no período pós-exílio ou até na Era da Igreja, como argumentam alguns reformados.


Apocalipse 16:12-16 – Armagedom

A ideia de uma guerra final envolvendo Israel também encontra eco em Apocalipse, mas não devemos cair no erro de usar qualquer manchete como se fosse cumprimento automático da profecia.

A Escritura vem primeiro; os eventos vêm depois.


O Perigo da Escatologia Sensacionalista

É tentador transformar cada conflito em cumprimento imediato da profecia. Isso alimenta canais, vende livros, e dá cliques. Mas também pode enganar muitos.

Não é hora de histeria. É hora de vigilância.


Como disse Jesus:

“Vede que não vos assusteis.” (Mt 24:6)


O Papel do Cristão em Tempos de Guerra

1. Informar-se com discernimento

Busque fontes confiáveis, não apenas teorias conspiratórias.


2. Orar pela paz (1Tm 2:1-2)

Sim, a Bíblia profetiza conflitos, mas nunca proíbe a oração por paz.


3. Evangelizar com ousadia

A guerra assusta, mas também desperta perguntas espirituais.

Use essa ocasião para apontar para Cristo, o Príncipe da Paz.


Conclusão: A Guerra é Real. A Esperança é Maior

Israel e Irã podem estar em guerra.

As nações podem tremer.

Mas o trono de Deus permanece firme (Salmo 103:19).

A Bíblia não nos foi dada para adivinhar datas, mas para anunciar verdades eternas. E a maior delas é:

“O Senhor reina; tremam os povos.” (Salmo 99:1)



domingo, 15 de junho de 2025

O Abandono Conjugal

 O Abandono Conjugal e o Direito ao Divórcio no Cristianismo Bíblico

Análise Ética, Exegética e Pastoral

“Deus nos chamou à paz.” (1 Coríntios 7:15)

Introdução

A Bíblia permite o divórcio em certos casos excepcionais, como a infidelidade sexual (porneía) e o abandono. Este estudo foca especificamente na natureza do abandono conjugal, buscando compreender, a partir da Escritura, da teologia reformada e de exemplos práticos, quando um cristão está biblicamente livre para se divorciar por abandono — mesmo quando o cônjuge não sai fisicamente de casa, mas rompe o pacto por outras formas funcionais de deserção.

1. O abandono em 1 Coríntios 7:15

Paulo reconhece que o casamento pode ser rompido legitimamente quando o cônjuge descrente se aparta (chōrizetai, no grego), ou seja, se separa, rompe o convívio conjugal.

Silogismo 1:

P1: A Escritura permite o divórcio quando há abandono real do vínculo conjugal.

P2: Abandono real pode ocorrer por separação física ou qualquer forma de cessação intencional das obrigações conjugais.

C: Portanto, o divórcio é lícito quando há abandono real, seja físico ou funcional.

2. O ato de expulsar o cônjuge de casa

Se uma pessoa expulsa o cônjuge de casa, ela é, de fato, quem o abandona, ainda que permaneça no lar.

Exemplo hipotético:

Joana e Pedro vivem juntos, mas Joana, por desdém e hostilidade constante, expulsa Pedro de casa, muda a fechadura e diz: “Nunca mais apareça aqui”. Nesse caso, ela é a parte abandonadora.

Wayne Grudem: “O abandono não exige necessariamente uma partida física. Pode ser caracterizado por qualquer ação que impossibilite a vida conjugal de maneira legítima e contínua.”¹

Silogismo 2:

P1: Quem impede o cônjuge de cumprir o pacto conjugal rompe o pacto.

P2: Expulsar o cônjuge de casa impede esse cumprimento.

C: Portanto, quem expulsa o cônjuge de casa comete abandono.

3. A recusa contínua de intimidade sexual

A recusa sistemática e deliberada de relações sexuais, sem justificativa bíblica, é uma violação direta do dever conjugal.

Exemplo hipotético:

Carlos e Letícia são casados há 6 anos. Letícia decide, sem causa médica ou teológica, que não manterá mais relações com Carlos, e isso perdura por anos. Nesse caso, ela abandonou um dos fundamentos do casamento.

John Frame: “A recusa em cumprir deveres conjugais básicos pode configurar abandono funcional, mesmo que o cônjuge ainda durma na cama ao lado.”²

Silogismo 3:

P1: O casamento implica deveres mútuos essenciais, incluindo a intimidade.

P2: A recusa contínua e impenitente de tais deveres destrói a essência do casamento.

C: Portanto, tal recusa constitui abandono.

4. Outras formas de abandono funcional

Além da expulsão e da recusa sexual, há formas graves de abandono funcional, como:

- Violência física ou emocional recorrente

- Negligência material grave e contínua

- Infidelidade persistente e não arrependida

- Separação emocional completa e deliberada

Jay Adams: “Se o pacto conjugal é rompido pela recusa contínua de viver como cônjuge, o divórcio pode ser legítimo.”³

Silogismo 4:

P1: Um casamento sem convivência verdadeira é um casamento só no nome.

P2: A Escritura permite que o vínculo seja desfeito quando o casamento é de fato destruído.

C: Portanto, a presença física não é garantia de um casamento válido.

5. A liberdade do cônjuge fiel

“... não está sujeito à servidão.” (1Co 7:15) — Isso significa que o crente não está preso ao vínculo, e está livre para casar-se novamente.

Exemplo prático:

Ana é cristã. Seu marido, Renato, abandona a fé, recusa o convívio, não a toca por 3 anos, não provê, e a expulsa emocionalmente de sua vida. Mesmo vivendo na mesma casa, ele abandonou Ana de fato. Segundo a Escritura e os teólogos reformados, Ana está livre.

Conclusão

A doutrina bíblica do abandono conjugal não se restringe ao ato físico de ir embora, mas abrange todas as formas em que o pacto matrimonial é quebrado de maneira intencional, contínua e destrutiva. O cristão não está condenado a uma vida de escravidão e agonia quando o outro cônjuge destrói o casamento.

“Deus nos chamou à paz.” (1Co 7:15)


Notas de rodapé

1. 1. Wayne Grudem, *Christian Ethics: An Introduction to Biblical Moral Reasoning*, Crossway, 2018, p. 939-943.

2. 2. John Frame, *The Doctrine of the Christian Life*, P&R Publishing, 2008, p. 810.

3. 3. Jay E. Adams, *Marriage, Divorce, and Remarriage in the Bible*, Zondervan, 1980, p. 82-90.


quarta-feira, 11 de junho de 2025

Quatro erros de interpretações Pré milenistas/futuristas




 1. Interpretar o Antigo Testamento sem a luz do Novo Testamento

 Erro:

Os futuristas e dispensacionalistas frequentemente interpretam profecias do Antigo Testamento (como Isaías, Ezequiel, Daniel, etc.) como se fossem independentes do Novo Testamento. Eles tomam literalmente promessas sobre a terra, o templo, o sacrifício e o reino terreno de Davi, ignorando que o Novo Testamento reinterpreta essas promessas de forma cristocêntrica e espiritual.


Exemplo:

A promessa da terra a Abraão (Gn 17) é aplicada universalmente a todos os crentes em Romanos 4:13 — "herdeiro do mundo".

A promessa do templo é cumprida em Cristo (Jo 2:19-21), na Igreja (Ef 2:21-22) e não em um terceiro templo literal em Jerusalém.

Regra reformada:

"O Novo Testamento é a chave para interpretar o Antigo."

2. Interpretar os Profetas (como João em Apocalipse) sem a luz dos Mestres (como Paulo)

Erro:

Os futuristas tratam Apocalipse 20 (que menciona o “milênio”) como a base de toda escatologia, sem considerá-lo à luz das doutrinas claras dos apóstolos — especialmente Paulo, que expõe com precisão a ordem da ressurreição, a parúsia, e o fim dos tempos (1 Cor 15, 2 Ts 1–2, Rm 8).

Exemplo:

Em 1 Coríntios 15:23-26, Paulo diz que Cristo virá, os mortos ressuscitarão, e virá o fim – sem milênio intermediário.

Os pré-milenistas inserem um reino terreno de 1000 anos entre a volta de Cristo e o fim, algo ausente em todos os ensinos apostólicos.


 Regra reformada:

"As porções mais difíceis devem ser interpretadas pelas mais claras."

 3. Interpretar textos claros com base em textos obscuros

Erro:

Eles tomam Apocalipse 20, um texto altamente simbólico e com múltiplas imagens apocalípticas, como base para reinterpretar textos doutrinários claros e literais como 1 Coríntios 15, 1 Tessalonicenses 4, João 5:28-29, etc.

Exemplo:

João 5:28-29 fala de uma única ressurreição geral para salvos e perdidos.

Apocalipse 20 é interpretado como duas ressurreições separadas por mil anos, forçando uma dicotomia que não está nos textos doutrinários.

Regra reformada:

“Não se deve estabelecer doutrina com base em textos escuros, mas sim à luz dos textos didáticos e explícitos.”


4. Ignorar que Deus falou aos profetas por símiles, figuras de linguagem, e querer tudo literal

Erro:

Os futuristas, pré-milenistas e dispensacionalistas frequentemente interpretam todas as profecias, especialmente as apocalípticas (como as do livro de Apocalipse), de forma estritamente literal, sem reconhecer que Deus usou símiles, metáforas, símbolos e outras figuras de linguagem para comunicar verdades espirituais profundas.


Exemplo:

Em Atos 2:16-17 (citando Joel 2:28-32), Pedro explica que o que os judeus estavam vendo no Pentecostes não era algo literal, mas cumprimento de uma profecia com linguagem simbólica.

O apóstolo Paulo também adverte que a profecia nem mesmo vem por vontade humana, mas é inspirada pelo Espírito e falada por pessoas movidas por Ele (2 Pd 1:21), o que envolve revelação com formas simbólicas e espirituais.

Em Apocalipse 12:10, as imagens de dragões, bestas e anjos não são literalmente criaturas físicas, mas representam realidades espirituais e poderes demoníacos.


Regra reformada:

A Escritura deve ser interpretada conforme seu gênero literário e contexto, reconhecendo símbolos e figuras para evitar erros e heresias.”


Resumo final dos quatro erros hermenêuticos:

1. Interpretar o Antigo Testamento sem a luz do Novo Testamento.

2. Interpretar os profetas sem a luz dos mestres apostólicos, como Paulo.

3. Interpretar textos claros com base em textos obscuros e simbólicos.

4. Interpretar figuras de linguagem e símiles como literalidades estritas.


Conclusão: Os erros são hermenêuticos, não apenas escatológicos

O pré-milenismo e o dispensacionalismo invertem a hierarquia da revelação.

Eles colocam o símbolo acima do ensino, a sombra acima da substância, e a narrativa judaica acima da realidade cristológica.

Cristo já reina (Ef 1:20-22; At 2:30-36), a ressurreição é futura e única (1 Co 15), e todas as promessas são “sim” e “amém” nele (2 Co 1:20).


O Reino Antes da Ressurreição: A Impossibilidade do Pré-Milenismo à Luz de 1 Coríntios 15




A escatologia bíblica é clara ao afirmar que a vitória de Cristo sobre todos os seus inimigos ocorre antes da ressurreição dos mortos. Qualquer tentativa de posicionar um "Reino milenar terreno" após a vinda de Cristo e a ressurreição dos crentes é uma distorção grotesca do ensino paulino. O pré-milenismo, com sua insistência em um reinado futuro após a derrota do último inimigo (a morte), é lógica e exegeticamente insustentável.

1. A Ordem Escatológica de Paulo

O apóstolo Paulo declara:

“Cada um por sua ordem: Cristo as primícias, depois os que são de Cristo, na sua vinda. Depois virá o fim, quando tiver entregado o Reino a Deus, ao Pai, e quando houver aniquilado todo império, e toda potestade e força.” (1Co 15.23–24)


A sequência revelada pelo Espírito Santo é simples:

1. Cristo ressuscita.

2. Os crentes ressuscitam na sua vinda.

3. “Depois virá o fim”, quando todo poder rival é destruído e o Reino é entregue ao Pai.

Não existe uma era futura entre a ressurreição e o fim. A própria estrutura do texto elimina qualquer intervalo para um reino terreno milenar.


2. O Último Inimigo e a Trombeta Final

Paulo prossegue:

“Porque convém que [Cristo] reine até que haja posto a todos os inimigos debaixo de seus pés. Ora, o último inimigo que há de ser aniquilado é a morte.” (1Co 15.25–26)

Se a morte é destruída na ressurreição (v. 52), e é o último inimigo, então não há mais batalhas escatológicas após isso. Logo, o pré-milenismo, que postula uma era de governo terreno com ainda mais rebeliões, é falsificado pela própria lógica do texto.



"Todos seremos transformados... ante a última trombeta; porque a trombeta soará, e os mortos ressuscitarão incorruptíveis...” (1Co 15.51–52)

Apocalipse 11 nos mostra o significado dessa última trombeta:

“O sétimo anjo tocou a trombeta... os reinos do mundo vieram a ser do nosso Senhor e do seu Cristo... chegou o tempo dos mortos serem julgados... e de destruíres os que destroem a terra.” (Ap 11.15–18)

Essa é claramente a última cena da história. Nenhum novo período ou milênio é possível após essa trombeta.


3. Silogismos Contra o Pré-Milenismo


Silogismo 1:

Premissa maior: O Reino é entregue ao Pai depois que todos os inimigos são vencidos (1Co 15.24).

Premissa menor: A ressurreição ocorre quando o último inimigo (a morte) é vencido (1Co 15.26).

Conclusão: Logo, não pode haver ressurreição no início do Reino de Jesus, pois ocorre após o Reino dele.


Silogismo 2:

Premissa maior: A última trombeta marca a ressurreição e o juízo final (1Co 15.52; Ap 11.15).

Premissa menor: O pré-milenismo exige eventos após a última trombeta.

Conclusão: Logo, o pré-milenismo contradiz a Escritura e é falso.


4. Testemunho de autores Calvinistas

> “O Reino de Cristo não será suprimido por um novo caos apocalíptico. Ele dominará até que o último inimigo — a morte — seja destruído, e então não restará mais nenhum.”¹

“Cristo reinará por meio da Palavra até que o mundo seja trazido ao seu domínio. Isso não é otimismo — é Escritura.”²

“A consumacão do Reino não se dá num período posterior à ressurreição, mas com ela. A Igreja não espera um milênio: ela aguarda a glorificação.”³

“A vitória do Reino ocorrerá na história, antes da vinda de Cristo. O crescimento do Evangelho entre as nações é garantido.”⁴

“O Reino que Cristo estabeleceu crescerá como o grão de mostarda até se tornar uma grande árvore, na qual as nações acharão abrigo.”⁵

> “A história redentiva aponta não para um colapso apocalíptico, mas para uma culminação gloriosa da Igreja sobre a terra.”⁶

"O futuro pertence ao Senhor, não ao caos milenar dispensacionalista.”⁷

“Cristo é Rei agora. E a Igreja deve proclamar essa soberania com plena esperança de vitória.”⁸



Notas de rodapé:

1. John Owen, The Death of Death in the Death of Christ.

2. Vincent Cheung, Systematic Theology.

3. Charles Hodge, Systematic Theology.

4. Jonathan Edwards, A History of the Work of Redemption.

5. João Calvino, Comentário sobre Mateus 13.

6. B. B. Warfield, The Millennium and the Apocalypse.

7. R. C. Sproul, The Last Days According to Jesus.

8. Kenneth Gentry, He Shall Have Dominion.





sexta-feira, 6 de junho de 2025

Contra o Concorrentismo e o Compatibilismo: Uma Defesa Ocasionalista

 

Contra o Concorrentismo e o Compatibilismo: Uma Defesa Ocasionalista

Introdução

O debate sobre a causalidade divina e a responsabilidade humana permeia séculos da teologia cristã. A tradição reformada, por meio de autores como João Calvino, Jonathan Edwards, Gordon Clark e Vincent Cheung, sustentou uma doutrina fortemente monergista da providência: Deus é a causa imediata e exclusiva de todas as coisas — inclusive dos atos morais das criaturas. Em contraste, o Concorrentismo e o Compatibilismo — posições populares entre tomistas, molinistas reformados e alguns calvinistas inconsistentes — afirmam que Deus coopera ou concorre com a criatura, mas que esta possui uma causalidade própria em nível secundário ou subordinado.

Neste capítulo, defenderemos que tais visões são incoerentes, antibíblicas e metafisicamente absurdas, especialmente à luz do ensino de Atos 17:28, o qual será o ponto focal da crítica.

I. A Causalidade Exclusiva de Deus: Quatro Argumentos Bíblicos Fundamentais

1. As criaturas sequer são chamadas de causas em relação a Deus

Quando José fala aos seus irmãos, ele afirma:

“Não fostes vós que me enviastes para cá, e sim Deus.”¹

E:

“Vós, na verdade, intentastes o mal contra mim; porém Deus o tornou em bem.”²

As ações humanas, embora reais, não são ontologicamente causais diante de Deus. O pecado dos irmãos foi o próprio plano de Deus para exaltar José.

2. A analogia do autor e personagem

“Os teus olhos viram a minha substância ainda informe, e no teu livro foram escritos todos os meus dias, cada um deles escrito e determinado, quando nenhum deles havia ainda.”³

Deus é o Autor soberano da história. Um personagem num romance não “concorreria” com o autor para produzir as ações do enredo. Seria absurdo afirmar que um personagem “coopera” com o autor em nível causal. Assim também é com Deus.

3. Jesus sustenta todas as coisas continuamente

 “Ele é antes de todas as coisas, e nele tudo subsiste.”⁴

Isso implica o criacionismo contínuo: cada átomo, pensamento e evento moral permanece existindo apenas porque Jesus ativamente o mantém.

4. Todas as coisas são causadas em Deus, e não em paralelo com Ele

“Nele fomos também feitos herança, predestinados segundo o propósito daquele que faz todas as coisas conforme o conselho da sua vontade.”⁵

“Assim como tu não sabes qual o caminho do vento, nem como se formam os ossos no ventre da mulher grávida, assim também não sabes as obras de Deus, que faz todas as coisas.”⁶

“Nosso Deus está nos céus; faz tudo o que lhe agrada.”⁷

“Ele sustenta todas as coisas pela palavra do seu poder.”⁸

II. A Redução ao Absurdo da interpretação dos aristotélicos de Atos 17:28

 “Pois nele vivemos, nos movemos e existimos...”⁹

Os compatibilistas alegam que o trecho “nele nos movemos” significa que produzimos nossos próprios movimentos, e que Deus apenas nos capacita ou sustenta. Isso implicaria uma espécie de “concorrência” ontológica onde Deus coopera com a criatura para que ela atue de forma autônoma, embora subordinada.

No entanto, tal leitura é gramatical e logicamente insustentável. Vejamos por quê:

1. Os três verbos são paralelos

A estrutura da frase é trina:

“Nele vivemos, nos movemos e existimos.”

Se o segundo verbo, “nos movemos”, é entendido como ação autônoma capacitada por Deus, o mesmo raciocínio deveria ser aplicado aos outros dois verbos. Mas então “nele existimos” significaria que produzimos nossa própria existência, o que é absolutamente absurdo. A criatura não causa sua própria existência. A existência da criatura é derivada e sustentada a cada instante pelo Criador.

2. O argumento leva ao politeísmo funcional

Se aceitarmos que a criatura é causa de si mesma em qualquer nível real de existência, então temos duas causas ontológicas independentes no universo: Deus e a criatura. Isso é o núcleo do politeísmo: mais de uma fonte de causalidade absoluta. É o mesmo erro ontológico de Platão, Aristóteles e dos pagãos que Paulo combate em Atos 17.

III. Testemunho de Autores Reformados e Ocasionalistas

Vincent Cheung:

“Se é ‘em Deus’ que nos movemos, então o movimento é um produto do sustento e do decreto divino, não da autonomia da criatura. O texto não diz que Deus apenas ‘permite’ ou ‘habilita’, mas que tudo o que somos e fazemos é nEle.”¹⁰

Jonathan Edwards:

“O ser da criatura depende constantemente de uma causa positiva. Remova a causa, e o ser cessa.”¹¹

Se existir é depender totalmente de Deus, o mesmo vale para mover-se ou agir moralmente.

Gordon Clark:

“Sustentar é causar. Se o movimento ocorre, e Deus o sustenta, Ele o causa. Caso contrário, o movimento é autônomo — o que é impossível.”¹²

João Calvino:

“Se o movimento não procede de Deus, mas apenas depende dEle, então a criatura se move por si mesma, o que é contra a doutrina bíblica.”¹³

Robert L. Reymond:

“Atos 17:28 ensina que todas as operações ontológicas do ser criado estão continuamente dependentes de Deus. A filosofia da autonomia humana é, portanto, heresia.”¹⁴

Herman Bavinck:

“As causas segundas não agem senão na medida em que Deus age nelas e por meio delas.”¹⁵

IV. Ocasionalismo como a única alternativa coerente

Se Deus é a única causa real, então as criaturas não são agentes ontológicos independentes, mas ocasiões nas quais Deus manifesta seu decreto. Isso não nega a realidade das ações humanas, mas define corretamente sua natureza metafísica.

O Concorrentismo, ao postular uma “causa secundária” ativa e real, acrescenta um princípio causal independente à ontologia cristã, tornando-se incompatível com o monoteísmo bíblico.

Conclusão

O Concorrentismo e o Compatibilismo falham:

Biblicamente, ao ignorarem a estrutura de textos como Atos 17:28 e Efésios 1:11;

Filosoficamente, ao multiplicarem causas ontológicas sem necessidade e sem motivos racionais

Teologicamente, ao insinuarem uma autonomia da criatura que contradiz a soberania absoluta de Deus.

A única posição fiel à Escritura e à razão santificada é o Ocasionalismo calvinista: Deus é a causa exclusiva de toda existência e movimento. As criaturas não concorrem com Deus, pois não possuem em si mesmas nenhuma causalidade verdadeira.

“A vontade do homem é como um cavalo. Se Deus cavalga sobre ele, ele vai para onde Deus quer. Se o diabo cavalga sobre ele, ele vai para onde o diabo quer. Mas o homem por si mesmo não pode escolher o cavaleiro.”¹⁶

Todo movimento — físico, moral, espiritual ou intelectual — é causado por Deus, e apenas ocorrido na criatura. Esta é a doutrina bíblica, esta é a doutrina reformada, esta é a verdade.

Notas de Rodapé

1. Gênesis 45:8

2. Gênesis 50:20

3. Salmo 139:16

4. Colossenses 1:17

5. Efésios 1:11

6. Eclesiastes 11:5

7. Salmo 115:3

8. Hebreus 1:3

9. Atos 17:28

10. Vincent Cheung, The Author of Sin, 2004, p. 15.

11. Jonathan Edwards, Of Being, in The Works of Jonathan Edwards, Yale University Press, vol. 1, p. 394.

12. Gordon Clark, God and Evil: The Problem Solved, 1996, p. 34.

13. João Calvino, Institutas da Religião Cristã, III.21.5.

14. Robert L. Reymond, A New Systematic Theology of the Christian Faith, 2nd ed., Thomas Nelson, 1998, p. 350.

15. Herman Bavinck, Dogmática Reformada, vol. 2, p. 618.

16. Martinho Lutero, De Servo Arbítrio, 1525.


domingo, 25 de maio de 2025

Contra o Legalismo Reprodutivo: Uma Resposta aos Neo-Puritanos

 Contra o Legalismo Reprodutivo: Uma Resposta aos Neo-Puritanos

Os chamados neo-puritanos frequentemente atacam casais cristãos que, por sabedoria, vocação ou circunstâncias, optam por não ter filhos. Alegam que tal escolha é antibíblica ou mesmo pecaminosa. Contudo, toda tentativa de usar as Escrituras para impor um mandamento universal de procriação a todos os cristãos revela uma completa e alarmante falta de exegese bíblica. A seguir, refutamos tais alegações ponto por ponto, à luz da boa teologia e da fiel interpretação das Escrituras.

1. Gênesis 1.28: Uma bênção, não um mandamento moral universal

A frase “Sede fecundos, multiplicai-vos…” (Gn 1.28) é precedida pela expressão “E Deus os abençoou e lhes disse…”. O fato de a bênção ser expressa em forma imperativa não a torna automaticamente um mandamento moral universal. Isso é como dizer a alguém: “Sejam felizes!” — o tom pode ser imperativo, mas a intenção é declarativa, desejosa ou profética. Trata-se de um anúncio abençoador da parte de Deus, não de um preceito normativo para todos os tempos. A procriação, nesse contexto, é uma dádiva concedida, não uma obrigação imposta.

2. Animais também receberam essa “ordem”

Em Gênesis 1.22, os animais irracionais também recebem a mesma exortação: “Frutificai e multiplicai-vos…”. Ora, se essa expressão fosse um mandamento moral, os animais seriam agentes morais, o que é absurdo. A verdade é que tal linguagem revela apenas o decreto providencial de Deus, o que Ele mesmo causará no mundo criado — e não um imperativo ético. Como as estrelas, que são chamadas pelo nome e comparecem (Sl 147.4; Is 40.26), a multiplicação dos seres vivos segue o plano divino decretado, e não uma obrigação moral.

3. O propósito original já foi cumprido

O objetivo da bênção dada no Éden e repetida a Noé era “encher a terra” (Gn 1.28; 9.1). Este objetivo foi cumprido conforme Gênesis 9.19: “Estes três foram os filhos de Noé; e destes se povoou toda a terra.” Não há qualquer indicação bíblica de que esta bênção precise ser perpetuada como um mandamento obrigatório para todos os indivíduos ao longo da história humana.

4. A instrução foi dada ao casal original, não a todos os casais

Outro erro comum é afirmar que, porque a fala de Gênesis foi direcionada a um casal, todos os casais devem seguir o mesmo padrão. No entanto, é evidente que Adão e Eva eram o casal original, e o que lhes foi dito tinha implicações específicas no contexto da criação e do início da humanidade. É uma falácia aplicar diretamente a toda humanidade moderna um princípio que foi dado com um propósito específico, em um contexto irrepetível.

5. Jesus não teve filhos — e foi perfeito em obediência

Cristo, o modelo de obediência perfeita (Fp 2.8), nunca se casou nem teve filhos. Ainda assim, Ele “cumpriu toda a justiça” (Mt 3.15), até mesmo sendo batizado sem ter pecado, simplesmente para cumprir toda a vontade de Deus. Se gerar filhos fosse parte essencial da obediência moral universal, Cristo — o homem perfeito — certamente teria se casado e procriado. O fato de não o ter feito é prova clara de que tal prática não é um mandamento absoluto.

6. A existência de exceções mostra que não há obrigação universal

A Bíblia reconhece explicitamente eunucos e celibatários (Mt 19.12; 1Co 7.7-8), e os honra como exemplos de piedade. Paulo declara que o celibato é uma dádiva para alguns, e Jesus confirma que há aqueles que se fazem eunucos “por causa do Reino dos Céus”. Isso mostra que a procriação não é um dever moral inescapável. Além disso, casais que optam por não ter filhos por prudência — por exemplo, devido a desemprego, enfermidades ou condições adversas — estão agindo com responsabilidade. Colocar filhos no mundo sem condições mínimas é imprudência, não piedade.

7. Em 1 Timóteo 2.15 Paulo não impõe a maternidade como dever universal

O versículo “a mulher será salva dando à luz filhos” (1Tm 2.15) tem sido usado erroneamente. A linguagem pode se referir à maternidade natural, espiritual ou até à adoção. Mais importante, o artigo definido “τῆς” no grego sugere uma ideia geral, não um ato específico. Calvino comenta:

“Paulo não está aqui tratando do modo pelo qual toda mulher deva buscar a salvação, mas está corrigindo um possível escândalo a partir da queda de Eva, indicando que Deus honrou o sexo feminino ao fazer dele o canal da redenção.”

A maternidade aqui é vista como uma vocação digna, não um mandamento universal.

A generalidade de exortações não implica deveres universais em cada detalhe

Quando dizemos: “Quero que os homens sejam piedosos, amem uns aos outros, sejam bons marinheiros”, não estamos instituindo que todos os homens, por mandamento divino, se tornem marinheiros. O discurso exortativo pode conter elementos exemplares sem exigir que cada um deles seja igualmente obrigatório para todos. O argumento visa promover virtudes (piedade e amor) e excelência em ofícios (representado aqui por “bons marinheiros”), sem fazer da atividade marítima um dever moral universal.

Esse tipo de linguagem é comum nas Escrituras. Assim como Paulo afirma que “a mulher será salva dando à luz filhos” (1Tm 2.15), sem que isso signifique que todas as mulheres devem, sem exceção, ser mães biológicas, também podemos usar exemplos vocacionais (como “marinheiros”) para ilustrar ideais mais amplos sem impor uma norma absoluta. A analogia serve para destacar a dignidade do serviço fiel em qualquer vocação lícita.

Portanto, ao interpretar exortações — tanto na Escritura quanto em aplicações teológicas — devemos distinguir entre virtudes universais e ilustrações circunstanciais. Não fazemos da metáfora uma lei, mas extraímos dela o princípio que ela visa comunicar.

8. O texto de 1 Timóteo 5.14 expressa desejo pastoral, não preceito moral

Quando Paulo diz “quero que as viúvas mais jovens se casem, tenham filhos…” (1Tm 5.14), a palavra usada é boulomai, que expressa desejo, vontade pessoal ou conselho pastoral — não uma ordem autoritativa. Calvino esclarece:

“Paulo, portanto, não ordena com autoridade apostólica, mas dá um conselho piedoso segundo o juízo da prudência e da experiência.”

Logo, é um princípio prático para casos específicos, e não um imperativo moral para todos os tempos e pessoas.

9. A Nova Aliança eleva o celibato como dom valioso e desejável

Em 1 Coríntios 7, Paulo afirma que deseja que todos fossem como ele — isto é, celibatários (v. 7) — e que o solteiro “cuida das coisas do Senhor, de como agradar ao Senhor” (v. 32). Em contraste, o casado se preocupa “com as coisas do mundo”. Isso indica que, no Novo Testamento, a procriação não é o centro da piedade, e sim o serviço ao Senhor com dedicação indivisa. A Nova Aliança desloca o foco da descendência natural para a descendência espiritual (Gl 3.29).

10. A verdadeira fecundidade no Reino é espiritual, não biológica

Jesus ensina que “quem fizer a vontade de meu Pai… esse é meu irmão, irmã e mãe” (Mt 12.50). Paulo chama os crentes de seus “filhos” (1Co 4.15; Gl 4.19; Fm 10), indicando que gerar vidas espirituais é mais significativo do que gerar filhos biológicos. Casais que discipulam, evangelizam e cuidam de outros crentes podem ser mais fecundos no Reino do que famílias numerosas que não educam os filhos na fé.

Conclusão

A tentativa de impor a todos os casais cristãos a obrigação de ter filhos é um erro exegético, teológico e pastoral. Não apenas ignora a variedade de dons, vocações e circunstâncias que Deus distribui soberanamente entre seus filhos, mas também corrompe o evangelho ao introduzir um legalismo reprodutivo. Ser fecundo no Reino de Deus é antes de tudo uma questão espiritual, e não biológica.

Como disse Jonathan Edwards:

“O fim principal da obra de Deus é a comunicação da sua glória, e não a perpetuação da espécie humana em si mesma.”


1 Timóteo 2.15: Exegese e Sentido Correto

 

1 Timóteo 2.15: Exegese e Sentido Correto

Texto:

“Todavia, será preservada através da maternidade, se permanecerem na fé, no amor e na santificação, com bom senso.” (1Tm 2.15, ARA)

Exegese detalhada:

1. “Será preservada” (σωθήσεται - sōthēsetai)

A palavra grega usada aqui é a forma futura passiva do verbo sōzō, que geralmente significa “salvar”, mas também pode significar “ser preservado” ou “ser liberto”.

Contextualmente, esse versículo não ensina que a salvação eterna vem pela maternidade, o que seria heresia. A salvação é pela graça, mediante a fé, e não por obras (Ef 2.8-9).

Assim, o termo “salvar” aqui deve ser interpretado em sentido não soteriológico, mas como preservação ou redenção do estigma da queda (v.14) — isto é, a mulher não está condenada a uma inferioridade por Eva ter sido enganada, mas pode ser “restaurada” ao seu papel com dignidade — caso permaneça na fé e santidade.

2. “Através da maternidade” (διὰ τῆς τεκνογονίας - dia tēs teknogonias)

A expressão significa “por meio de gerar filhos” ou “pela maternidade”. Contudo, é importante observar que o artigo definido “τῆς” aponta para uma ideia de categoria geral, não um ato específico.

A maternidade aqui não é imposta como mandamento, mas sim apresentada como um meio pelo qual a mulher redimida pode exercer sua piedade, caso seja seu chamado ou vocação.

3. Condicionalidade do versículo:

“se permanecerem na fé, no amor e na santificação, com bom senso.”

A cláusula condicional torna a maternidade insuficiente por si só: ou seja, não basta ter filhos, é necessário andar em fé e santidade. Isso reforça que a maternidade não é um mandamento universal, mas uma circunstância providencial onde a mulher piedosa pode expressar sua fé — caso esteja casada e tenha filhos.

Refutação de qualquer suposto “mandamento universal” para a maternidade

1. Cristãos não estão sob a ordem cultural de “frutificai e multiplicai-vos”

O mandamento de Gn 1.28 foi dado à humanidade em estado de inocência, e é cumprido providencialmente pela raça humana como um todo. Mas:

Paulo ensina que nem todos devem se casar (1Co 7.7), o que implica que nem todos devem gerar filhos.

Se o casamento é opcional (1Co 7.38), a geração de filhos também é.

A Nova Aliança não enfatiza a reprodução biológica, mas a regeneração espiritual (Jo 3.3-5), a edificação da igreja, e não da mera raça humana.

2. Mulheres estéreis, viúvas, solteiras e piedosas não são menos espirituais

Ana, por um tempo, foi estéril, e sua angústia era pessoal, não resultado de um mandamento universal.

Lídia, em Atos 16, não é apresentada com filhos, mas é modelo de fé.

As viúvas piedosas de 1 Tm 5.5 são elogiadas por sua devoção, independentemente de terem filhos.

3. A vocação cristã é definida pela soberania de Deus, não por funções naturais

Deus é quem distribui os dons e vocações (1Co 12.11).

A maternidade pode ser um dom, mas não é necessariamente a vocação de toda mulher.

Impor a maternidade como universal é negar a liberdade cristã (Gl 5.1), impor um jugo farisaico, e criar uma doutrina de demônios (1Tm 4.3).

Silogismo lógico-teológico para reforçar

Silogismo 1: liberdade vocacional

Premissa maior: Aquilo que não é ordenado por Deus em toda situação não é obrigatório.

Premissa menor: Deus não ordena que toda mulher cristã tenha filhos (1Co 7.7; Mt 19.12; 1Tm 5.5).

Conclusão: Logo, nenhuma mulher cristã é obrigada a ter filhos.

Silogismo 2: salvação não é por obras

Premissa maior: A salvação ou dignidade cristã não depende de obras (Ef 2.8-9; Rm 3.28).

Premissa menor: Ter filhos é uma obra.

Conclusão: Logo, ter filhos não é necessário para a salvação nem para a dignidade cristã da mulher.

Silogismo 3: fé como critério

Premissa maior: 1 Tm 2.15 condiciona a "salvação" à fé, amor e santidade.

Premissa menor: A maternidade é apenas o contexto, não o meio necessário da salvação.

Conclusão: Logo, a maternidade não é uma exigência absoluta.

Conclusão

1 Timóteo 2.15 não impõe a maternidade como mandamento obrigatório, mas apresenta a maternidade como uma das esferas (não a única) onde a mulher cristã pode viver em fé e santidade — caso seja chamada para isso. O texto não proíbe o celibato, não impõe a maternidade, e não subordina a mulher à procriação. A fé cristã liberta do legalismo naturalista e honra a vocação de cada indivíduo conforme a soberania de Deus.


A Liberdade Cristã e a Vocação da Maternidade: Uma Análise de 1 Timóteo 2.15 e 5.14

A Liberdade Cristã e a Vocação da Maternidade: Uma Análise de 1 Timóteo 2.15 e 5.14

1. Fundamentos da Liberdade Cristã na Ética Conjugal

A ética cristã reformada repousa sobre a centralidade da graça salvadora de Deus em Cristo e sobre a doutrina da suficiência das Escrituras. A liberdade cristã, como definida por Paulo, exclui toda imposição que não se origine diretamente da vontade revelada de Deus:

> “Para a liberdade foi que Cristo nos libertou. Permanecei, pois, firmes e não vos submetais, de novo, a jugo de escravidão.” (Gl 5.1)

Segundo a Confissão de Fé de Westminster (XX, §2), essa liberdade inclui “a liberdade da culpa do pecado, da ira de Deus [...] e da maldição da Lei moral”, bem como a “livre obediência a Deus, não por temor servil, mas por amor filial”. Isso implica que decisões éticas prudenciais, como o número de filhos ou mesmo a escolha de não tê-los, pertencem à esfera da liberdade cristã, desde que feitas com sabedoria, oração e fé.

O casamento em si é apresentado nas Escrituras como uma aliança de amor e auxílio mútuo (cf. Gn 2.18; Pv 2.17; Ef 5.22-33), não como um meio necessário para reprodução. Embora a fecundidade seja uma bênção, ela não constitui a essência do matrimônio, e não deve ser imposta como um dever moral absoluto.

O teólogo Wayne Grudem observa que “o mandamento de frutificar (Gn 1.28) era direcionado a toda a humanidade, não individualmente a cada casal. A Escritura nunca afirma que cada casal deve ter filhos para estar dentro da vontade de Deus” (Systematic Theology, 1994, p. 972).

Silogismo 1 – Liberdade Conjugal

Premissa Maior: Tudo o que não é ordenado ou proibido por Deus nas Escrituras pertence à esfera da liberdade cristã.

Premissa Menor: Deus não ordena que todos os casais tenham filhos como preceito universal.

Conclusão: Logo, a decisão de ter ou não filhos pertence à esfera da liberdade cristã.

2. Exegese de 1 Timóteo 2.15: Salvação pela Maternidade?

“Todavia, será preservada através da maternidade¹, se elas permanecerem na fé, no amor e na santificação, com bom senso.” (1Tm 2.15, ARA)

Este versículo tem sido historicamente interpretado de maneiras distintas. A leitura literalista — de que a mulher é salva ao ter filhos — colide frontalmente com o restante do ensino paulino sobre a justificação somente pela fé (cf. Rm 3.28; Gl 2.16). Assim, precisamos buscar uma interpretação coerente com a analogia da fé.

John Stott propõe que este versículo “não deve ser lido como implicando que a salvação vem por obras, ou pela maternidade em si, mas que a dignidade feminina é reafirmada em sua contribuição para a humanidade por meio da maternidade, desde que acompanhe fé, amor e santidade” (The Message of 1 Timothy and Titus, 1996, p. 90).

Outra interpretação robusta é a de que Paulo faz uma alusão tipológica ao Descendente prometido (Gn 3.15), que viria “da mulher”. Assim, a salvação viria “por meio do parto” no sentido de que o Messias nasceu de uma mulher (cf. Gl 4.4). Calvino, por sua vez, adota essa leitura cristológica e afirma:

“Paulo não está aqui tratando do modo pelo qual toda mulher deva buscar a salvação, mas está corrigindo um possível escândalo a partir da queda de Eva, indicando que Deus honrou o sexo feminino ao fazer dele o canal da redenção.” (Comentário de 1 Timóteo, ad loc.)

¹τεκνογονία desempenhar função maternal, ter filhos, criar ou cuidar de filhos (biológicos, adotados ou espirituais)

Portanto, a maternidade é aqui vista como uma vocação honrosa e não como uma condição salvífica ou uma imposição universal.

Silogismo 2 – Interpretação de 1Tm 2.15

Premissa Maior: Nenhum texto bíblico deve ser interpretado de forma a contradizer a doutrina da salvação pela graça mediante a fé.

Premissa Menor: Interpretar 1Tm 2.15 como exigência universal da maternidade para a salvação contradiz a doutrina da graça.

Conclusão: Logo, 1Tm 2.15 não ensina que todas as mulheres devem ter filhos para serem salvas.

3. Exegese de 1 Timóteo 5.14: Um Mandamento ou um Conselho Pastoral?

“Quero, portanto, que as viúvas mais jovens se casem, criem filhos, sejam boas donas de casa...” (1Tm 5.14)

Neste versículo, Paulo apresenta um desejo pastoral, não uma ordenança normativa. O contexto imediato trata de viúvas ociosas que estavam se envolvendo em conversas tolas e prejudicando o testemunho da igreja (cf. v.13). A recomendação de Paulo tem como fim prático a proteção do nome de Cristo e a promoção da ordem e do serviço produtivo na igreja local.

A expressão "quero" (boulomai) tem força de conselho e desejo, não de decreto autoritativo. Calvino nota:

“Paulo, portanto, não ordena com autoridade apostólica, mas dá um conselho piedoso segundo o juízo da prudência e da experiência.” (Comentário de 1 Timóteo, ad loc.)

Grudem também sustenta que esse texto não constitui uma ordem normativa a todas as mulheres casarem-se e terem filhos:

“O mandamento de Paulo em 1Tm 5.14 tem escopo limitado. Não é uma imposição universal, mas uma resposta pastoral a uma situação específica.” (Systematic Theology, p. 973)

Assim, não se trata de um princípio universal aplicável a todos os tempos e lugares, mas de uma aplicação contextual da sabedoria bíblica. Mulheres cristãs (e por extensão, casais) não pecam ao escolher, por razões legítimas, não ter filhos, desde que permaneçam em fé e santidade.

Silogismo 3 – Interpretação de 1Tm 5.14

Premissa Maior: Instruções pastorais contextuais não são preceitos morais universais.

Premissa Menor: 1Tm 5.14 é uma instrução pastoral contextual voltada a viúvas jovens.

Conclusão: Logo, 1Tm 5.14 não é um preceito moral universal que obriga todas as mulheres a se casarem e terem filhos.

4. A Frutificação Espiritual como Chamado Primário no Novo Testamento

Enquanto o Antigo Testamento frequentemente celebra a frutificação física como sinal da bênção divina (cf. Sl 127.3-5), o Novo Testamento desloca o centro da missão dos crentes da frutificação biológica para a frutificação espiritual.

Cristo afirma:

“Nisso é glorificado meu Pai, em que deis muito fruto; e assim vos tornareis meus discípulos.” (Jo 15.8)

Esse “fruto” não é filhos físicos, mas vida cristã frutífera (cf. Gl 5.22-23; Cl 1.10). Além disso, a grande comissão (Mt 28.19-20) orienta os crentes a gerar discípulos, não necessariamente filhos biológicos.

John Piper ressalta que:

“A infertilidade não torna ninguém menos útil no Reino. O Novo Testamento celebra mais a adoção espiritual do que a descendência carnal.” (This Momentary Marriage, 2009, p. 112)

Vincent Cheung também é incisivo:

 “A fecundidade espiritual é superior à biológica. O foco do cristão é gerar filhos da promessa pela pregação, não apenas filhos da carne.” (Commentary on Galatians, ad loc.)

Assim, um casal sem filhos pode cumprir perfeitamente o chamado de Deus e ser frutífero no Reino.

Silogismo 4 – Frutificação Espiritual

Premissa Maior: A missão central do cristão no Novo Testamento é a frutificação espiritual e a formação de discípulos.

Premissa Menor: Ter filhos físicos não é necessário para cumprir a missão de gerar discípulos espirituais.

Conclusão: Logo, casais cristãos podem cumprir sua missão mesmo que optem por não ter filhos.

Conclusão Geral

A liberdade cristã garante ao casal piedoso o direito de, diante de Deus e com sabedoria, optar por não ter filhos sem incorrer em culpa ou desobediência. Nenhum dos textos de 1 Timóteo impõe a maternidade como dever moral absoluto. O foco do Novo Testamento está em Cristo, na fé, na santidade e na frutificação espiritual — não na imposição de papéis biológicos como condição para salvação ou aprovação divina.


quarta-feira, 21 de maio de 2025

Escravização Sexual e Pederastia no mundo árabe

 O tema da escravização sexual de adolescentes no mundo árabe é complexo, sensível e profundamente alarmante. Envolve fatores culturais, históricos, jurídicos e religiosos. Abaixo está uma exposição crítica e factual sobre a questão, com especial atenção à relação com a lei islâmica (sharia), a situação contemporânea e implicações éticas e teológicas.

1. Escravização sexual e o Islã clássico

Historicamente, dentro do direito islâmico clássico (sharia), a escravidão era permitida, e isso incluía a escravidão sexual. O Alcorão permite relações sexuais com “aquilo que a mão direita possuir” (ou seja, escravas):

Alcorão 4:24 — "E [também vos são proibidas] as mulheres casadas, exceto aquelas que a vossa mão direita possua. Isso vos é prescrito por Deus."

Alcorão 23:5-6 — "[Bem-aventurados são] aqueles que guardam sua castidade, exceto com suas esposas ou com aquilo que suas mãos direitas possuírem..."

Essas passagens foram tradicionalmente interpretadas por eruditos muçulmanos como permissões divinas para ter relações sexuais com escravas de guerra, mesmo sem seu consentimento, o que, em termos modernos, configura estupro sistemático sancionado religiosamente.

Além disso, os hadiths (ditos de Maomé) confirmam essa prática. Por exemplo:

Sahih Muslim 3432 — "Foi permitido aos companheiros de Maomé fazer sexo com mulheres cativas de guerra mesmo que fossem casadas...

2. Casamento infantil e abuso legalizado

A lei islâmica tradicional também permite o casamento de meninas muito jovens, inclusive pré-púberes, com base no exemplo de Maomé, que segundo os hadiths se casou com Aisha quando ela tinha 6 anos e consumou o casamento aos 9:

 Sahih al-Bukhari 5133 — "O Profeta se casou com Aisha quando ela tinha seis anos e consumou o casamento quando ela tinha nove."

A partir disso, diversos países de maioria islâmica não fixam idade mínima clara para o casamento, ou permitem exceções judiciais ou religiosas que acabam por legalizar a pedofilia religiosa.

3. Práticas contemporâneas no mundo árabe

Hoje, embora a escravidão legal tenha sido abolida na maioria dos países, formas modernas de escravidão sexual ainda ocorrem:

Iêmen, Arábia Saudita, Sudão e Mauritânia ainda possuem denúncias frequentes de escravidão sexual e casamento forçado de meninas.

“Casamentos temporários” (mut‘ah) são praticados em países como Irã, servindo como fachada para prostituição religiosa legalizada.

Refugiadas sírias e iraquianas têm sido vítimas de tráfico sexual sob pretexto de casamento.

O Estado Islâmico (ISIS) escravizou milhares de meninas yazidis, justificando suas ações com base no Alcorão e nos hadiths.

4. Meninos e “bonecas humanas”

No Afeganistão e em partes do Paquistão, existe a prática conhecida como Bacha Bazi (“brincadeira com meninos”), em que meninos são vestidos como mulheres, dançam para homens adultos e são abusados sexualmente. Isso é uma prática cultural, mas geralmente tolerada pelas autoridades religiosas locais, embora formalmente proibida em alguns países.

Essa perversão mostra um duplo padrão, onde a homossexualidade é oficialmente condenada, mas práticas homossexuais pederastas são toleradas em contextos específicos de poder e dominação.

As chamadas “bonecas humanas” referem-se, em certos contextos, a meninas e meninos transformados em objetos sexuais por meio de escravidão, maquiagem, dança e abuso — prática associada a tráfico humano, pornografia e exploração sistemática, inclusive sob silêncio cúmplice de líderes religiosos.

5. Ética cristã e crítica teológica

Do ponto de vista cristão e bíblico, essas práticas são totalmente condenáveis. O Deus da Bíblia:

Proíbe o abuso sexual (Levítico 18; Deuteronômio 22)

Exige o cuidado com os órfãos e vulneráveis (Salmo 82; Tiago 1:27)

Abomina qualquer exploração de crianças (Mateus 18:6)

Ao contrário do islã clássico, Jesus nunca legitimou a escravidão sexual — nem com adultas, nem com crianças, nem com “escravas de guerra”. O Evangelho é libertador em todos os sentidos.

6. Conclusão

Sim, há suporte na jurisprudência islâmica clássica para a escravização sexual de mulheres e meninas, e em menor grau, meninos. Essa herança jurídica ainda afeta práticas contemporâneas em países muçulmanos, onde leis frouxas ou ausentes permitem abuso sistemático.

O problema é agravado quando críticas a isso são vistas como “islamofobia” por parte da cultura ocidental pós-cristã, que em nome do multiculturalismo fecha os olhos para crimes cometidos com fundamento religioso.


terça-feira, 20 de maio de 2025

Escolher não ter filhos é pecado?

 A Obrigação de Ter Filhos? Uma Refutação Bíblica, Teológica e Pressuposicional

Yuri Andrei Schein

Resumo:

Este artigo propõe uma refutação detalhada à noção de que casais cristãos são moralmente obrigados a ter filhos. A partir de argumentos bíblicos, silogismos lógicos, e uma exegese do texto de Gênesis 1:28, demonstramos que tal ideia carece de base escriturística e lógica. Por fim, respondemos à objeção cultural de que a ausência de filhos comprometeria o avanço do cristianismo diante do crescimento do Islã, contrapondo com a doutrina da soberania de Deus e o poder do evangelismo

1. Introdução

Em meio à crise cultural contemporânea, ressurge entre conservadores a tese de que casais cristãos devem, obrigatoriamente, ter filhos para cumprirem sua vocação diante de Deus. Em muitos casos, esse imperativo é vinculado ao medo de que o crescimento de religiões rivais, como o Islã, possa suplantar o cristianismo por via demográfica. A proposta aqui é desconstruir essa ideologia à luz da Escritura, da lógica e da teologia reformada.


2. Jesus, o padrão moral supremo

Apresentemos o seguinte silogismo:

P1. Jesus cumpriu perfeitamente toda a justiça e obedeceu todos os preceitos morais de Deus (Mateus 3:15; Hebreus 4:15).

P2. Jesus nunca se casou e nunca teve filhos (Mateus 19:12; Isaías 53:8).

Conclusão: Logo, não se casar nem ter filhos não é pecado.


Essa dedução elimina qualquer alegação de que a procriação é uma obrigação moral universal. 

Nosso Senhor Jesus é a norma ética verdadeira, porque Ele é a revelação de Deus. A ética cristã não é uma abstração da natureza, mas uma imitação de Cristo


3. Gênesis 1:28 – Uma bênção, não um mandamento

 “Deus os abençoou e lhes disse: ‘Frutificai, multiplicai-vos e enchei a terra’...” (Gênesis 1:28)


3.1. Estrutura do texto

O verbo “abençoou” antecede o imperativo, indicando que o mandamento é parte da bênção. Isso é reforçado por Gênesis 1:22, onde Deus diz o mesmo aos animais irracionais. Estes não têm deveres morais — logo, o imperativo é descritivo, não prescritivo moralmente.


3.2. Um mandato temporal

Mesmo que fosse uma ordem, ela foi cumprida: “A partir desses [os filhos de Noé] SE POVOOU toda a terra.” (Gênesis 9:19)

“De um só fez toda a raça humana para habitar sobre a face da terra.” (Atos 17:26)

A função de “encher a terra” foi realizada, e não há base para exigir sua repetição.


4. O celibato como vocação legítima


Jesus reconhece três tipos de eunucos (Mateus 19:12) e elogia os que se fazem eunucos por causa do Reino. O apóstolo Paulo reforça isso:

 “Quero que todos os homens sejam como eu.” (1 Coríntios 7:7)

“Quem não se casa faz melhor.” (1 Coríntios 7:38)

Nem Jesus nem Paulo tiveram filhos. Se a procriação fosse moralmente necessária, ambos teriam pecado — o que é heresia.


5. Teologia Reformada: Vocação, não imposição

Devemos encarar que todas diferenças entre os indivíduos são designadas por Deus; não se pode impor a todos os cristãos um mesmo modo de vida sem cometer legalismo idolatrico. A nossa vida cristã não pode ser definida pela carne nem por tradições culturais, mas pela vocação que Deus concede a cada um conforme a Sua vontade.

Portanto, ter filhos é uma bênção e vocação possível, mas não uma obrigação ética universal.


Devemos notar algumas coisas:

A Premissa bíblica fundamental: A Bíblia ordena que não devemos "ultrapassar o que está escrito" (1 Coríntios 4:6), ou seja, não devemos impor ou exigir dos outros ensinamentos ou mandamentos que não estejam claramente estabelecidos na Escritura para a igreja ou para a vida cristã.

Notar o contexto do mandamento em Gênesis: O mandamento de "serem fecundos e multiplicarem-se" (Gênesis 1:28) é uma bênção e um comando dado originalmente a Adão e Eva no contexto do início da humanidade, com o propósito de povoar a terra.

Também notar a aplicação restrita: Nem todos os mandamentos ou bênçãos dadas no Antigo Testamento têm aplicação direta e universal a todas as pessoas ou a todos os tempos. Alguns são específicos para certas pessoas, épocas ou contextos.

Conclusão: Portanto, se o mandamento de se multiplicar é uma bênção específica para o início da humanidade e não um mandamento aplicável a todos os indivíduos em todas as épocas, não podemos impor ou exigir dos outros essa obrigação, pois isso seria "ultrapassar o que está escrito".

 Podemos ilustrar com diversos textos da Bíblia: O mandamento do sábado — Deus ordenou aos israelitas que guardassem o sábado como dia de descanso (Êxodo 20:8-11). No entanto, o Novo Testamento ensina que, para os cristãos, o sábado não é mais uma obrigação (Colossenses 2:16-17; Romanos 14:5-6). Por isso, impor o sábado como regra a todos os cristãos hoje seria "ultrapassar o que está escrito".

E também o mandamento de se multiplicar — Assim como o sábado, o mandamento de se multiplicar foi dado em um contexto específico e não é um mandamento eterno e universal para todas as pessoas. Muitos cristãos, por razões pessoais ou vocacionais, não têm filhos e isso não é pecado nem uma violação da Escritura.

Outro exemplo que podemos ter é do culto e práticas culturais — Muitas práticas e costumes do Antigo Testamento foram aplicáveis a Israel e não são diretamente ordenados para a igreja cristã hoje. Impor tais práticas sem respaldo bíblico atual seria ultrapassar o que está escrito.


Resumo:

Se a Escritura ordena não ultrapassar o que está escrito (1 Cor 4:6),. E se o mandamento de multiplicar-se (Gênesis 1:28) é uma bênção específica, não universalmente aplicável,

Então não devemos impor aos outros a obrigação de se multiplicar, pois fazê-lo seria ultrapassar o que está escrito.


6. O argumento do “medo carnal”: e se o Islã crescer?

O argumento comum de que os cristãos devem ter filhos para impedir o avanço islâmico é falho e idolátrico. A esperança cristã está na soberania de Deus, não na taxa de natalidade.

6.1. O Reino cresce por evangelismo

“Ide e fazei discípulos de todas as nações.” (Mateus 28:19)

“O Senhor acrescentava diariamente os que iam sendo salvos.” (Atos 2:47)

O crescimento do Reino se dá por meio da Palavra, não da reprodução biológica.


6.2. O Reino cresce por decreto divino 

"O zelo do Senhor dos Exércitos fará isto.” (Isaías 9:7)

“Pois é necessário que ele reine até que tenha posto todos os inimigos debaixo dos seus pés.” (1 Coríntios 15:25)


6.3. Deus não precisa da carne humana

“Deus pode destas pedras suscitar filhos a Abraão.” (Mateus 3:9)

“O braço do Senhor não está encolhido para que não possa salvar.” (Isaías 59:1)

Substituir o evangelismo pela reprodução é idolatria da carne e negação da fé.


7. Contradições internas da procriação obrigatória

De acordo com essa ideia de que os cristãos são mormalmente obrigados a terem filhos, os cristãos estéreis estariam em pecado. Pois uma incapacidade não omite ninguém de pecar (Rm 3.18-19) mas a Bíblia diz que o crente não pode viver na pratica do pecado (1 Jo 3.9) portanto não há nada de racional e piedoso nessa doutrina.

Antes de continuar, eu rejeito também por João 9:3 que a esterilidade seja necessariamente uma punição pelos pecados de alguém: “Nem ele pecou nem seus pais.”


2. Paulo e Jesus erraram?

Se todos devem procriar, então os apóstolos e Jesus violaram a vontade prescritiva de Deus? Onde o texto que ordena multiplicar diz que o solteiro está omisso de tal mandamento? Em nenhum lugar, além disso, Adão sendo justo quando criado, fala a justiça, pois era a sua natureza (Mt 7.16-19) e ele diz que o homem DEIXARÁ seu pai e mãe e se unirá a sua mulher (Gn 2.24) se tudo em Genesis é normativo e Jesus deveria cumprir toda a justiça (que de fato ele fez) ele não casou e não teve filhos biológicos, portanto estaria desobedecendo a prática justiça de casar e ter filhos, o que obviamente não é o caso, a revelação nos mostra que podemos não casar e consequentemente não ter filhos, nem uma coisa e nem a outra são pecado.


3. Confiança na carne, não em Cristo

Jeremias 17:5: “Maldito o homem que confia no homem.”

A ideia de que ter muitos filhos irá fortalecer a Igreja de Deus é confiar na carne e desconhecer as Escrituras vamos seguir com isso mais adiante.


4. Filhos não regeneram ninguém

Filhos de crentes podem se perder (Juízes 2:10). Somente o Espírito regenera (João 3:6-8). 

Muitos filhos da aliança se revelam como reprobos, então ter muitos filhos não necessariamente enche a Igreja, Dave Hume era filho de presbiteriano e continuou um não cristão o resto de sua vida, influenciou muitos ateus e ímpios com seus escritos.


8. Silogismos finais


8.1. Silogismo Cristológico

P1: Jesus cumpriu toda a vontade moral de Deus.

P2: Jesus não teve filhos.

C: Logo, ter filhos não é moralmente obrigatório.


8.2. Silogismo Eclesiológico

P1: O Reino cresce pela pregação e soberania de Deus.

P2: A natalidade não é um meio eficaz de conversão.

C: Logo, procriação não é instrumento primário do Reino.


8.3. Silogismo Exegético

P1: Bênçãos não são mandamentos morais.

P2: “Frutificai e multiplicai” é bênção (Gênesis 1:28).

C: Portanto, não é mandamento moral universal.


9. Conclusão

A ideia de que todo casal cristão é moralmente obrigado a ter filhos não resiste à análise bíblica, teológica e racional. Jesus, o modelo ético perfeito, não teve filhos. O “mandato” de Gênesis é uma bênção, não um preceito. O Reino de Deus não depende da biologia, mas da Palavra. E o medo do Islã é substituído pela confiança no decreto soberano de Deus.

A vitória cristã não é pela espada, nem pelo ventre, mas pela Palavra de Deus.

Podemos resumir dizendo que a esperança do Reino de Deus está na soberania de Deus, não na biologia ou capacidade humana.

A Igreja cresce não por reprodução, mas por regeneração.

segunda-feira, 19 de maio de 2025

Jocum e Loren Cunningham

Loren Cunningham: O Profeta do Sentimentalismo Arminiano

Introdução

Loren Cunningham, fundador da JOCUM, é celebrado por muitos como um pioneiro das missões modernas. E, de fato, Deus pode usar até mesmo pessoas com teologia inconsistente para cumprir Seus decretos (cf. Is 10:5; Gn 50:20). Mas usar alguém providencialmente não é o mesmo que aprovar sua doutrina. Nesta crítica, abordaremos os principais erros doutrinários de Cunningham à luz do calvinismo bíblico, do ocasionalismo, da soteriologia supralapsariana e da autoridade exclusiva das Escrituras — com a ressalva de que, sim, Deus pode continuar a falar profeticamente hoje, desde que tais palavras jamais contradigam, obscureçam ou substituam as Escrituras Sagradas.

1. O Deus arminiano de Cunningham: fraco, decepcionado e dependente

A base teológica de Cunningham é abertamente arminiana. Para ele, Deus deseja salvar a todos, mas “precisa” da cooperação humana para realizar Seus planos. Isso torna Deus um espectador impotente diante da vontade rebelde da criatura.

> “Eu anuncio o fim desde o princípio, e desde a antiguidade as coisas que ainda não sucederam; que digo: O meu conselho permanecerá de pé, farei toda a minha vontade.” (Isaías 46:10)

O Deus bíblico não tenta — Ele executa Seus decretos. O arminianismo de Cunningham nega isso. Ele apresenta um Deus que “espera” decisões humanas, o que é blasfemo e irracional. Se Deus é Deus, então não pode ser frustrado por Suas criaturas (cf. Sl 115:3; Dn 4:35). O Deus de Cunningham é, portanto, um ídolo criado à imagem do homem moderno.

2. “Ouvir Deus”: o problema não é o dom, é a epistemologia

Cunningham incentivava intensamente a prática de “ouvir Deus”, ou seja, treinar os sentidos espirituais para receber revelações, visões, impressões, palavras diretas e sonhos. Como não cessacionistas, não rejeitamos a possibilidade de Deus falar de forma extraordinária, mas o padrão para testar essas revelações é a Escritura infalível (1 Ts 5:21; 1 Jo 4:1).

O problema é que Cunningham tratava essas revelações como infalíveis, mesmo quando não tinham base bíblica, e institucionalizou essa prática de forma subjetiva e sem filtros teológicos. Isso gerou toda uma cultura onde a emoção, o palpite e a “voz interior” têm mais autoridade que a Bíblia, especialmente entre os jovens.

“À Lei e ao Testemunho! Se eles não falarem segundo esta palavra, jamais verão a alva.” (Isaías 8:20)

Enquanto o cristão maduro submete toda revelação subjetiva à Palavra objetiva de Deus, Cunningham fez o oposto: ele subordinava a teologia à experiência. Isso é misticismo epistemológico, não teologia reformada.

3. Evangelismo sem eleição: missões que ignoram o decreto eterno

A JOCUM nasceu com ênfase em evangelismo global, e louvamos a providência de Deus nisso. Porém, Cunningham nunca ensinou evangelismo a partir da eleição incondicional. Sua lógica era arminiana: Deus ama a todos igualmente, deseja salvar a todos, e está dependendo dos crentes para isso acontecer.

Mas a Escritura declara:

> “... todos quantos haviam sido destinados para a vida eterna creram.” (Atos 13:48)

“Ninguém pode vir a mim, se o Pai que me enviou não o trouxer...” (João 6:44)

O evangelismo sem eleição é uma mentira piedosa. É prometer universalmente o que Deus decretou particularmente. A pregação bíblica é instrumento para chamar os eleitos, não para mendigar conversões (cf. 2Tm 2:10). Missões sem predestinação é militância religiosa.

4. A confusão dos “Sete Montes”: avivamento ou pragmatismo dominionista?

Cunningham promoveu a ideia dos “Sete Montes de Influência” — mídia, governo, educação, religião, família, artes e negócios — como esferas a serem “tomadas para Deus”. O problema não é influenciar a sociedade, mas o pressuposto teológico por trás disso.

Não há exegese bíblica que ensine que o Reino de Deus avança pelo ativismo social, mas sim pela pregação da Palavra e regeneração soberana. A doutrina dos Sete Montes não é calvinista: ela é triunfalismo carismático misturado com pragmatismo evangélico.

> “O meu reino não é deste mundo.” (João 18:36)

A missão da Igreja não é conquistar esferas culturais, mas discipular os eleitos de todas as nações (Mt 28:19), por meio da Palavra revelada e do Espírito Santo, e não por meio de estratégias sociológicas.

5. Unidade sem verdade: sincretismo interdenominacional

A JOCUM, desde sua fundação, abraçou um modelo interdenominacional que evita discussões doutrinárias para manter “unidade”. Mas como pode haver unidade sem verdade?

> “Acaso andarão dois juntos, se não estiverem de acordo?” (Amós 3:3)

“Rogo-vos, irmãos, que noteis os que promovem divisões e escândalos contra a doutrina que aprendestes; desviai-vos deles.” (Rm 16:17)

Unidade sem doutrina é sincretismo, não amor cristão. O apóstolo Paulo amaldiçoou aqueles que pregavam um evangelho diferente (Gl 1:8), mas Cunningham colocava todos os grupos — carismáticos, católicos, pentecostais, neopentecostais, etc. — como “expressões válidas” da fé cristã.

Conclusão: Cunningham diante do Deus que decretou o fim desde o princípio

Não duvidamos que Deus tenha usado Loren Cunningham em Sua providência. Mas teologicamente, sua visão de Deus é humanista, sua epistemologia é mística, sua soteriologia é arminiana, e sua prática missionária é pragmática e sincretista.

Ele não apontou para o Deus de Romanos 9 — que escolhe, endurece, prepara vasos de ira, e opera tudo segundo Seu conselho. Ele apresentou um deus carente, emocional, decepcionável — o ídolo do evangelicalismo moderno.

Silogismo

Premissa 1: Toda doutrina que rejeita a soberania absoluta de Deus, a suficiência da Escritura e a eleição incondicional é antibíblica.

Premissa 2: A teologia de Loren Cunningham rejeita todas essas doutrinas.

Conclusão: Logo, a teologia de Loren Cunningham é antibíblica.


sexta-feira, 16 de maio de 2025

Isidoro de Sevilha: O Enciclopedista do Ignorável

 Isidoro de Sevilha: O Enciclopedista do Ignorável

“Os ímpios querem aprender tudo, exceto a Verdade.”

— Vincent Cheung

1. Introdução: O Santo das Fichas

Isidoro de Sevilha (c. 560–636) foi um bispo espanhol, mais lembrado por sua compulsiva mania de anotar qualquer coisa, independentemente de sua relevância teológica, filosófica ou mesmo factual. Sua famosa obra, Etimologias, é basicamente o equivalente medieval de um blog alimentado por cópias aleatórias da Wikipedia pagã.

O Vaticano, em um ato quase irônico, declarou-o padroeiro da Internet — talvez por ser o primeiro a despejar uma massa indiscriminada de dados sem critério epistemológico algum, uma espécie de data dump patrístico.

2. A Ontologia do Papel Velho

Isidoro acreditava que coletar nomes, origens de palavras e relatos de bestas mitológicas contribuía para o avanço do saber cristão. Em vez de perguntar “o que é o conhecimento?” ou “qual a fonte do saber verdadeiro?”, ele perguntava “quantos tipos de ânforas existiam entre os romanos?”.

Citação Pressuposicionalista – Gordon Clark:

“A ignorância não é curada pelo acúmulo de dados, mas pela substituição de premissas falsas por proposições verdadeiras reveladas.” (A Christian View of Men and Things)

Silogismo demonstrando sua Confusão Ontológica:

• P1: A verdade é aquilo que se conforma com a mente de Deus revelada nas Escrituras.

• P2: Isidoro encheu sua obra de mitos, erros naturais e anedotas pagãs como se fossem edificantes.

• Conclusão: Logo, Isidoro registrou uma multidão de falsidades como se fossem parte do conhecimento cristão.

3. A Epistemologia do Recorte-e-Cola

Em Etimologias, não há estrutura teológica coerente, apenas um amontoado de fragmentos: gramática, medicina, música, astrologia, agricultura, sem discernimento revelacional. Para Isidoro, saber que a palavra "luz" vem de "lucere" importava mais do que saber que Deus é Luz (1Jo 1:5).

Citação Pressuposicionalista – Vincent Cheung:

“O empirismo e o tradicionalismo são apenas formas diferentes de ignorar a revelação divina.” (Ultimate Questions)

Silogismo da Epistemologia de Retalhos:

• P1: O conhecimento cristão começa pela revelação infalível das Escrituras.

• P2: Isidoro começa pela tradição romana, folclore e etimologias pagãs.

• Conclusão: Portanto, Isidoro não começou pelo conhecimento cristão, mas pela apostasia epistemológica.

4. A Moralidade dos Catálogos

A moralidade de Isidoro, se é que pode ser sistematizada, aparece em seções genéricas sobre virtudes romanas e hábitos monásticos. Há pouca ou nenhuma análise dos dilemas morais com base no caráter de Deus ou em Sua Lei. Um enciclopedista que fala de vícios como quem descreve tipos de vinho.

Citação Pressuposicionalista – John Frame:

“Toda ética que não tem a soberania de Deus como padrão último é idolatria.” (The Doctrine of the Knowledge of God)

Silogismo da Moral de Biblioteca:

• P1: A ética verdadeira é normada exclusivamente pelo caráter e preceitos de Deus revelados.

• P2: Isidoro trata moralidade como coleção de virtudes culturais eclesiásticas e greco-romanas.

• Conclusão: Logo, Isidoro não ofereceu ética cristã, mas um bestiário moralista paganizado.

5. Teologia de Arquivista

A teologia de Isidoro aparece como apêndice de sua taxonomia geral. Em vez de proclamar o Deus Triúno como fundamento de todo saber, ele o submete à lógica da organização por ordem alfabética. Enquanto Paulo diz que em Cristo estão escondidos “todos os tesouros da sabedoria e do conhecimento” (Cl 2:3), Isidoro tenta escondê-los em uma ficha bibliográfica.

Citação Pressuposicionalista – Cornelius Van Til:

“Ou Deus é a base de todo conhecimento, ou o homem caminha em completa ignorância.” (The Defense of the Faith)

Silogismo da Teologia Alfabetizada:

• P1: A teologia verdadeira submete todos os campos do saber a Cristo como Senhor.

• P2: Isidoro submete Cristo e os demais temas à ordem de temas variados e vocabulários.

• Conclusão: Portanto, a teologia de Isidoro é um anexo subordinado ao método humano, não ao Deus soberano.

6. Conclusão: O Wikipedia da Ignorância Ilustrada

Isidoro não é propriamente um herege, mas um monumento à irrelevância epistemológica. Seu legado foi transformar a teologia em museu, o saber cristão em manual de curiosidades, e a verdade revelada em rodapé de rodapé.

A única coisa que Isidoro provou é que quantidade não é qualidade, e que o inferno intelectual está pavimentado de boas intenções bibliográficas.

Citação Final – Vincent Cheung:

“Se não começarmos com a Palavra de Deus como o princípio axiomático, terminaremos em estupidez disfarçada de erudição.” (Systematic Theology)


quinta-feira, 15 de maio de 2025

A Fragilidade da Teologia Apofática e da Hierarquia Celestial

 A Fragilidade da Teologia Apofática e da Hierarquia Celestial

Dionísio, o Areopagita, exerceu uma influência considerável na teologia cristã medieval, fundamentando conceitos como a teologia apofática e a hierarquia celestial. Seu pensamento, profundamente embebido no neoplatonismo, é frequentemente celebrado como uma ponte entre filosofia e revelação cristã. No entanto, sob uma análise pressuposicionalista rigorosa, seu sistema teológico revela falhas epistemológicas e incoerências internas que comprometem sua validade. Neste capítulo, confrontaremos suas premissas, identificando os pontos críticos de sua abordagem e suas implicações para a teologia bíblica.

 1. A Teologia Apofática: Contradição Intrínseca na Epistemologia Cristã

A teologia apofática ensina que Deus é absolutamente incognoscível e que qualquer tentativa de descrevê-Lo deve ser feita por negações. Ou seja, não podemos afirmar o que Deus é, mas apenas o que Ele não é. Essa abordagem é problemática do ponto de vista pressuposicionalista, pois mina a base da revelação divina e cria um paradoxo lógico.

A Incoerência Filosófica da Apofasia

Vamos estruturar essa contradição em um silogismo simples:

- P1: Se Deus é absolutamente incognoscível, então nenhuma afirmação pode ser feita sobre Ele.

- P2: A teologia apofática de Dionísio faz múltiplas afirmações sobre Deus, ainda que sejam negativas.

- Conclusão: Portanto, a teologia apofática é autocontraditória, pois estabelece um método que nega a possibilidade de conhecimento ao mesmo tempo em que afirma proposições sobre Deus.

Gordon Clark, um dos mais influentes filósofos cristãos pressuposicionalistas, argumenta que todo conhecimento teológico deve ser fundamentado na revelação de Deus. Se Deus não pode ser conhecido, toda epistemologia religiosa se torna arbitrária, pois não há um critério objetivo para definir verdades sobre Deus.

Vincent Cheung aprofunda essa crítica, destacando que a teologia apofática sacrifica a clareza bíblica em favor da especulação filosófica. A Escritura revela um Deus que se comunica ativamente com o homem, e não um ser distante e indefinível. Passagens como Hebreus 1:1-3 mostram que Deus se revela plenamente em Cristo, algo que Dionísio negligencia ao enfatizar uma visão negativa de Deus.

 2. A Hierarquia Celestial: Uma Construção Filosófica, Não Bíblica

Dionísio propôs uma estrutura hierárquica celeste baseada no neoplatonismo, onde anjos e seres espirituais estão organizados em níveis progressivos de iluminação divina. Contudo, essa concepção não tem fundamento na revelação bíblica e cria uma estrutura especulativa que distorce a angelologia cristã.

O Problema da Hierarquia Celestial

Silogismo para expor sua fraqueza:

- P1: Qualquer doutrina cristã sobre a estrutura celestial deve estar fundamentada na revelação divina.

- P2: A Bíblia não apresenta uma hierarquia celestial detalhada nos moldes neoplatônicos de Dionísio.

- Conclusão: Portanto, a hierarquia celestial de Dionísio não tem fundamento bíblico e é especulativa.

Greg Bahnsen, outro grande defensor da apologética pressuposicionalista, argumenta que toda teologia que não parte da revelação bíblica recai no autonomismo filosófico, onde o pensamento humano substitui a autoridade da Palavra de Deus. A estrutura angélica na Bíblia é simples: há anjos e arcanjos que realizam missões específicas, mas não há um sistema rígido e escalonado como Dionísio sugere.

Cornelius Van Til complementa essa crítica ao afirmar que o pressuposto correto da teologia cristã é que Deus se revela diretamente ao homem e não por meio de escalas metafísicas progressivas. A hierarquia celestial dionisiana fragmenta a revelação e torna Deus mais inacessível do que o próprio testemunho bíblico permite.

Scott Oliphint e John Frame enfatizam que qualquer estrutura teológica que coloca obstáculos entre Deus e o homem, como uma hierarquia artificial de seres celestiais, distorce a doutrina da mediação de Cristo. A Bíblia ensina que Cristo é o único mediador entre Deus e os homens (1 Timóteo 2:5), e não anjos intermediários que filtram a presença divina.

 3. Dionísio e o Neoplatonismo: A Dependência Filosófica

Outro problema fundamental na teologia de Dionísio é sua dependência excessiva do neoplatonismo, especialmente das ideias de Proclo e Plotino Seu pensamento adapta conceitos como emanacionismo e ordem ontológica progressiva à teologia cristã, mas isso compromete a pureza doutrinária.

O Problema do Neoplatonismo na Teologia Cristã

Silogismo para destacar essa falha:

- P1: A teologia cristã deve partir exclusivamente da revelação bíblica como base epistemológica.

- P2: Dionísio constrói sua teologia com influências neoplatônicas externas à Bíblia.

- Conclusão: Portanto, sua teologia não se fundamenta na revelação e depende de pressupostos filosóficos extrabíblicos.

Francis Schaeffer e Ronald Nash argumentam que a teologia cristã não pode ser misturada com sistemas filosóficos incompatíveis. O neoplatonismo, ao enfatizar uma escala de seres intermediários entre Deus e o homem, contradiz a simplicidade da revelação cristã, onde Deus fala diretamente com seu povo por meio de profetas, apóstolos e da encarnação de Cristo.

Rousas Rushdoony, em sua teologia da cosmovisão cristã, enfatiza que toda tentativa de misturar pressupostos filosóficos pagãos com a doutrina cristã **leva à corrupção teológica**. Dionísio, ao tentar criar uma ponte entre filosofia e revelação, **introduziu confusão**, e sua influência foi sentida por séculos na teologia medieval.

 4. Conclusão: A Incoerência Intrínseca de Dionísio

À luz do pensamento pressuposicionalista, a teologia de Dionísio, o Areopagita, se mostra inconsistente e dependente de filosofias externas. Sua teologia apofática mina a possibilidade de conhecer Deus, sua hierarquia celestial não tem base bíblica, e sua dependência do neoplatonismo compromete a pureza da doutrina cristã.

Portanto, sua obra, embora tenha sido celebrada na teologia medieval, carece de solidez teológica e deve ser revisada à luz da revelação bíblica como a única base epistemológica válida para o conhecimento de Deus.


Boécio e a Consolação da Filosofia: O Fracasso da Razão sem a Revelação

 Boécio e a Consolação da Filosofia: O Fracasso da Razão sem a Revelação

Boécio (c. 480–524) ocupa uma posição de destaque na tradição filosófica cristã, sendo frequentemente retratado como o intermediário entre a filosofia clássica e a Escolástica medieval. Sua obra _A Consolação da Filosofia_, escrita em meio à adversidade, busca oferecer uma resposta filosófica ao problema do sofrimento e da providência. No entanto, ao tentar harmonizar o cristianismo com o neoplatonismo, Boécio compromete a coerência de sua epistemologia e se torna vítima dos mesmos erros que a Escolástica herdaria séculos depois.

A Teologia Apofática: A Origem do Erro da Analogia do Ser

A influência do neoplatonismo sobre Boécio é evidente. Sua noção de participação do ser deriva de Platão e Plotino, e sua visão de Deus como um princípio transcendente e incognoscível se alinha diretamente à teologia apofática, posteriormente desenvolvida por Dionísio, o Areopagita. Este conceito, por sua vez, seria fundamental para a chamada _analogia do ser_, consolidada por Tomás de Aquino.

O problema, como aponta Gordon Clark, é que “ao descrever Deus apenas em termos negativos, a teologia apofática priva a mente humana da possibilidade de conhecer verdades objetivas sobre Ele” (Religion, Reason and Revelation, p. 45). Da mesma forma, Vincent Cheung é ainda mais incisivo ao afirmar que “toda epistemologia que não parte da revelação proposicional de Deus termina em especulação irracional e autocontraditória” (The Presuppositional Confrontation, p. 22).

Como observa Greg Bahnsen, “o pensamento humano não pode escapar do problema da justificação do conhecimento sem um fundamento absoluto, e qualquer filosofia que negue essa revelação inevitavelmente cai em ceticismo” (Always Ready, p. 93).

Silogismo Contra a Epistemologia Boeciana

- P1: Se Deus é completamente transcendente e incognoscível, então nenhum conhecimento humano pode ter certeza sobre Ele.

- P2: Se o conhecimento depende da participação no ser divino via analogia, mas essa participação não tem um fundamento explícito na revelação, então a analogia se torna especulativa e arbitrária.

- Conclusão: Logo, a tentativa boeciana de estruturar conhecimento sem revelação divina conduz ao colapso epistemológico.

A Fortuna, a Providência e a Contradição Filosófica

Boécio busca conciliar uma visão clássica de Fortuna com a providência cristã, mas sua abordagem compromete a clareza conceitual da doutrina bíblica sobre soberania e contingência. Como argumenta Robert L. Reymond:

> "A Escritura é clara em afirmar a soberania absoluta de Deus sobre toda a criação. Qualquer tentativa de diluir essa doutrina, introduzindo elementos extrabíblicos como ‘fortuna’ ou ‘acaso’, apenas mina a certeza da fé cristã.” (_A New Systematic Theology of the Christian Faith_, p. 216).

Carl F. Henry também critica essa abordagem ao afirmar que “uma visão do destino que busca harmonizar conceitos pagãos com a providência bíblica acaba criando uma estrutura incoerente, na qual Deus não tem controle sobre sua própria criação” (_God, Revelation, and Authority_, vol. 3, p. 112).

Vincent Cheung reforça essa crítica ao dizer:

> "Se um sistema filosófico não parte da autoridade da Escritura, ele inevitavelmente se torna vulnerável a especulações irracionais e acaba sendo refutado pelos próprios pressupostos que tenta afirmar.” (_Systematic Theology_, p. 78).

Boécio tenta afirmar que a felicidade suprema reside na contemplação do bem, mas esse conceito está profundamente enraizado na tradição platônica e carece de um fundamento sólido na revelação bíblica. Como diz Bahnsen:

> "Se o conhecimento humano não está enraizado na palavra infalível de Deus, então qualquer definição de felicidade se torna subjetiva e instável.” (_Van Til’s Apologetic_, p. 121).

Conclusão: A Falência da Filosofia sem a Revelação

Boécio apresenta uma filosofia que, embora sofisticada, sofre do mesmo problema fundamental do racionalismo neoplatônico: a falta de um ponto de referência absoluto. Sua tentativa de integrar a filosofia grega com o cristianismo resulta em um sistema epistemológico instável, onde o conhecimento humano de Deus não tem garantias seguras e depende de premissas indefinidas. Como sintetiza Clark:

> "O conhecimento verdadeiro não pode repousar sobre abstrações filosóficas, mas apenas sobre a revelação proposicional de Deus nas Escrituras.” (Logic and the Bible, p. 98).

Assim, ao invés de oferecer uma genuína "consolação" filosófica, Boécio apenas revela a fragilidade de um sistema racionalista que não se fundamenta na revelação divina. Sua obra pode ter influenciado gerações, mas sua epistemologia falha em justificar a própria verdade que pretende defender.