terça-feira, 20 de maio de 2025

Escolher não ter filhos é pecado?

 A Obrigação de Ter Filhos? Uma Refutação Bíblica, Teológica e Pressuposicional

Yuri Andrei Schein

Resumo:

Este artigo propõe uma refutação detalhada à noção de que casais cristãos são moralmente obrigados a ter filhos. A partir de argumentos bíblicos, silogismos lógicos, e uma exegese do texto de Gênesis 1:28, demonstramos que tal ideia carece de base escriturística e lógica. Por fim, respondemos à objeção cultural de que a ausência de filhos comprometeria o avanço do cristianismo diante do crescimento do Islã, contrapondo com a doutrina da soberania de Deus e o poder do evangelismo

1. Introdução

Em meio à crise cultural contemporânea, ressurge entre conservadores a tese de que casais cristãos devem, obrigatoriamente, ter filhos para cumprirem sua vocação diante de Deus. Em muitos casos, esse imperativo é vinculado ao medo de que o crescimento de religiões rivais, como o Islã, possa suplantar o cristianismo por via demográfica. A proposta aqui é desconstruir essa ideologia à luz da Escritura, da lógica e da teologia reformada.


2. Jesus, o padrão moral supremo

Apresentemos o seguinte silogismo:

P1. Jesus cumpriu perfeitamente toda a justiça e obedeceu todos os preceitos morais de Deus (Mateus 3:15; Hebreus 4:15).

P2. Jesus nunca se casou e nunca teve filhos (Mateus 19:12; Isaías 53:8).

Conclusão: Logo, não se casar nem ter filhos não é pecado.


Essa dedução elimina qualquer alegação de que a procriação é uma obrigação moral universal. 

Nosso Senhor Jesus é a norma ética verdadeira, porque Ele é a revelação de Deus. A ética cristã não é uma abstração da natureza, mas uma imitação de Cristo


3. Gênesis 1:28 – Uma bênção, não um mandamento

 “Deus os abençoou e lhes disse: ‘Frutificai, multiplicai-vos e enchei a terra’...” (Gênesis 1:28)


3.1. Estrutura do texto

O verbo “abençoou” antecede o imperativo, indicando que o mandamento é parte da bênção. Isso é reforçado por Gênesis 1:22, onde Deus diz o mesmo aos animais irracionais. Estes não têm deveres morais — logo, o imperativo é descritivo, não prescritivo moralmente.


3.2. Um mandato temporal

Mesmo que fosse uma ordem, ela foi cumprida: “A partir desses [os filhos de Noé] SE POVOOU toda a terra.” (Gênesis 9:19)

“De um só fez toda a raça humana para habitar sobre a face da terra.” (Atos 17:26)

A função de “encher a terra” foi realizada, e não há base para exigir sua repetição.


4. O celibato como vocação legítima


Jesus reconhece três tipos de eunucos (Mateus 19:12) e elogia os que se fazem eunucos por causa do Reino. O apóstolo Paulo reforça isso:

 “Quero que todos os homens sejam como eu.” (1 Coríntios 7:7)

“Quem não se casa faz melhor.” (1 Coríntios 7:38)

Nem Jesus nem Paulo tiveram filhos. Se a procriação fosse moralmente necessária, ambos teriam pecado — o que é heresia.


5. Teologia Reformada: Vocação, não imposição

Devemos encarar que todas diferenças entre os indivíduos são designadas por Deus; não se pode impor a todos os cristãos um mesmo modo de vida sem cometer legalismo idolatrico. A nossa vida cristã não pode ser definida pela carne nem por tradições culturais, mas pela vocação que Deus concede a cada um conforme a Sua vontade.

Portanto, ter filhos é uma bênção e vocação possível, mas não uma obrigação ética universal.


Devemos notar algumas coisas:

A Premissa bíblica fundamental: A Bíblia ordena que não devemos "ultrapassar o que está escrito" (1 Coríntios 4:6), ou seja, não devemos impor ou exigir dos outros ensinamentos ou mandamentos que não estejam claramente estabelecidos na Escritura para a igreja ou para a vida cristã.

Notar o contexto do mandamento em Gênesis: O mandamento de "serem fecundos e multiplicarem-se" (Gênesis 1:28) é uma bênção e um comando dado originalmente a Adão e Eva no contexto do início da humanidade, com o propósito de povoar a terra.

Também notar a aplicação restrita: Nem todos os mandamentos ou bênçãos dadas no Antigo Testamento têm aplicação direta e universal a todas as pessoas ou a todos os tempos. Alguns são específicos para certas pessoas, épocas ou contextos.

Conclusão: Portanto, se o mandamento de se multiplicar é uma bênção específica para o início da humanidade e não um mandamento aplicável a todos os indivíduos em todas as épocas, não podemos impor ou exigir dos outros essa obrigação, pois isso seria "ultrapassar o que está escrito".

 Podemos ilustrar com diversos textos da Bíblia: O mandamento do sábado — Deus ordenou aos israelitas que guardassem o sábado como dia de descanso (Êxodo 20:8-11). No entanto, o Novo Testamento ensina que, para os cristãos, o sábado não é mais uma obrigação (Colossenses 2:16-17; Romanos 14:5-6). Por isso, impor o sábado como regra a todos os cristãos hoje seria "ultrapassar o que está escrito".

E também o mandamento de se multiplicar — Assim como o sábado, o mandamento de se multiplicar foi dado em um contexto específico e não é um mandamento eterno e universal para todas as pessoas. Muitos cristãos, por razões pessoais ou vocacionais, não têm filhos e isso não é pecado nem uma violação da Escritura.

Outro exemplo que podemos ter é do culto e práticas culturais — Muitas práticas e costumes do Antigo Testamento foram aplicáveis a Israel e não são diretamente ordenados para a igreja cristã hoje. Impor tais práticas sem respaldo bíblico atual seria ultrapassar o que está escrito.


Resumo:

Se a Escritura ordena não ultrapassar o que está escrito (1 Cor 4:6),. E se o mandamento de multiplicar-se (Gênesis 1:28) é uma bênção específica, não universalmente aplicável,

Então não devemos impor aos outros a obrigação de se multiplicar, pois fazê-lo seria ultrapassar o que está escrito.


6. O argumento do “medo carnal”: e se o Islã crescer?

O argumento comum de que os cristãos devem ter filhos para impedir o avanço islâmico é falho e idolátrico. A esperança cristã está na soberania de Deus, não na taxa de natalidade.

6.1. O Reino cresce por evangelismo

“Ide e fazei discípulos de todas as nações.” (Mateus 28:19)

“O Senhor acrescentava diariamente os que iam sendo salvos.” (Atos 2:47)

O crescimento do Reino se dá por meio da Palavra, não da reprodução biológica.


6.2. O Reino cresce por decreto divino 

"O zelo do Senhor dos Exércitos fará isto.” (Isaías 9:7)

“Pois é necessário que ele reine até que tenha posto todos os inimigos debaixo dos seus pés.” (1 Coríntios 15:25)


6.3. Deus não precisa da carne humana

“Deus pode destas pedras suscitar filhos a Abraão.” (Mateus 3:9)

“O braço do Senhor não está encolhido para que não possa salvar.” (Isaías 59:1)

Substituir o evangelismo pela reprodução é idolatria da carne e negação da fé.


7. Contradições internas da procriação obrigatória

De acordo com essa ideia de que os cristãos são mormalmente obrigados a terem filhos, os cristãos estéreis estariam em pecado. Pois uma incapacidade não omite ninguém de pecar (Rm 3.18-19) mas a Bíblia diz que o crente não pode viver na pratica do pecado (1 Jo 3.9) portanto não há nada de racional e piedoso nessa doutrina.

Antes de continuar, eu rejeito também por João 9:3 que a esterilidade seja necessariamente uma punição pelos pecados de alguém: “Nem ele pecou nem seus pais.”


2. Paulo e Jesus erraram?

Se todos devem procriar, então os apóstolos e Jesus violaram a vontade prescritiva de Deus? Onde o texto que ordena multiplicar diz que o solteiro está omisso de tal mandamento? Em nenhum lugar, além disso, Adão sendo justo quando criado, fala a justiça, pois era a sua natureza (Mt 7.16-19) e ele diz que o homem DEIXARÁ seu pai e mãe e se unirá a sua mulher (Gn 2.24) se tudo em Genesis é normativo e Jesus deveria cumprir toda a justiça (que de fato ele fez) ele não casou e não teve filhos biológicos, portanto estaria desobedecendo a prática justiça de casar e ter filhos, o que obviamente não é o caso, a revelação nos mostra que podemos não casar e consequentemente não ter filhos, nem uma coisa e nem a outra são pecado.


3. Confiança na carne, não em Cristo

Jeremias 17:5: “Maldito o homem que confia no homem.”

A ideia de que ter muitos filhos irá fortalecer a Igreja de Deus é confiar na carne e desconhecer as Escrituras vamos seguir com isso mais adiante.


4. Filhos não regeneram ninguém

Filhos de crentes podem se perder (Juízes 2:10). Somente o Espírito regenera (João 3:6-8). 

Muitos filhos da aliança se revelam como reprobos, então ter muitos filhos não necessariamente enche a Igreja, Dave Hume era filho de presbiteriano e continuou um não cristão o resto de sua vida, influenciou muitos ateus e ímpios com seus escritos.


8. Silogismos finais


8.1. Silogismo Cristológico

P1: Jesus cumpriu toda a vontade moral de Deus.

P2: Jesus não teve filhos.

C: Logo, ter filhos não é moralmente obrigatório.


8.2. Silogismo Eclesiológico

P1: O Reino cresce pela pregação e soberania de Deus.

P2: A natalidade não é um meio eficaz de conversão.

C: Logo, procriação não é instrumento primário do Reino.


8.3. Silogismo Exegético

P1: Bênçãos não são mandamentos morais.

P2: “Frutificai e multiplicai” é bênção (Gênesis 1:28).

C: Portanto, não é mandamento moral universal.


9. Conclusão

A ideia de que todo casal cristão é moralmente obrigado a ter filhos não resiste à análise bíblica, teológica e racional. Jesus, o modelo ético perfeito, não teve filhos. O “mandato” de Gênesis é uma bênção, não um preceito. O Reino de Deus não depende da biologia, mas da Palavra. E o medo do Islã é substituído pela confiança no decreto soberano de Deus.

A vitória cristã não é pela espada, nem pelo ventre, mas pela Palavra de Deus.

Podemos resumir dizendo que a esperança do Reino de Deus está na soberania de Deus, não na biologia ou capacidade humana.

A Igreja cresce não por reprodução, mas por regeneração.