A Obrigação de Ter Filhos? Uma Refutação Bíblica, Teológica e Pressuposicional
Yuri Andrei Schein
Resumo:
Este artigo propõe uma refutação detalhada à noção de que casais cristãos são moralmente obrigados a ter filhos. A partir de argumentos bíblicos, silogismos lógicos, e uma exegese do texto de Gênesis 1:28, demonstramos que tal ideia carece de base escriturística e lógica. Por fim, respondemos à objeção cultural de que a ausência de filhos comprometeria o avanço do cristianismo diante do crescimento do Islã, contrapondo com a doutrina da soberania de Deus e o poder do evangelismo
1. Introdução
Em meio à crise cultural contemporânea, ressurge entre conservadores a tese de que casais cristãos devem, obrigatoriamente, ter filhos para cumprirem sua vocação diante de Deus. Em muitos casos, esse imperativo é vinculado ao medo de que o crescimento de religiões rivais, como o Islã, possa suplantar o cristianismo por via demográfica. A proposta aqui é desconstruir essa ideologia à luz da Escritura, da lógica e da teologia reformada.
2. Jesus, o padrão moral supremo
Apresentemos o seguinte silogismo:
P1. Jesus cumpriu perfeitamente toda a justiça e obedeceu todos os preceitos morais de Deus (Mateus 3:15; Hebreus 4:15).
P2. Jesus nunca se casou e nunca teve filhos (Mateus 19:12; Isaías 53:8).
Conclusão: Logo, não se casar nem ter filhos não é pecado.
Essa dedução elimina qualquer alegação de que a procriação é uma obrigação moral universal.
Nosso Senhor Jesus é a norma ética verdadeira, porque Ele é a revelação de Deus. A ética cristã não é uma abstração da natureza, mas uma imitação de Cristo
3. Gênesis 1:28 – Uma bênção, não um mandamento
“Deus os abençoou e lhes disse: ‘Frutificai, multiplicai-vos e enchei a terra’...” (Gênesis 1:28)
3.1. Estrutura do texto
O verbo “abençoou” antecede o imperativo, indicando que o mandamento é parte da bênção. Isso é reforçado por Gênesis 1:22, onde Deus diz o mesmo aos animais irracionais. Estes não têm deveres morais — logo, o imperativo é descritivo, não prescritivo moralmente.
3.2. Um mandato temporal
Mesmo que fosse uma ordem, ela foi cumprida: “A partir desses [os filhos de Noé] SE POVOOU toda a terra.” (Gênesis 9:19)
“De um só fez toda a raça humana para habitar sobre a face da terra.” (Atos 17:26)
A função de “encher a terra” foi realizada, e não há base para exigir sua repetição.
4. O celibato como vocação legítima
Jesus reconhece três tipos de eunucos (Mateus 19:12) e elogia os que se fazem eunucos por causa do Reino. O apóstolo Paulo reforça isso:
“Quero que todos os homens sejam como eu.” (1 Coríntios 7:7)
“Quem não se casa faz melhor.” (1 Coríntios 7:38)
Nem Jesus nem Paulo tiveram filhos. Se a procriação fosse moralmente necessária, ambos teriam pecado — o que é heresia.
5. Teologia Reformada: Vocação, não imposição
Devemos encarar que todas diferenças entre os indivíduos são designadas por Deus; não se pode impor a todos os cristãos um mesmo modo de vida sem cometer legalismo idolatrico. A nossa vida cristã não pode ser definida pela carne nem por tradições culturais, mas pela vocação que Deus concede a cada um conforme a Sua vontade.
Portanto, ter filhos é uma bênção e vocação possível, mas não uma obrigação ética universal.
Devemos notar algumas coisas:
A Premissa bíblica fundamental: A Bíblia ordena que não devemos "ultrapassar o que está escrito" (1 Coríntios 4:6), ou seja, não devemos impor ou exigir dos outros ensinamentos ou mandamentos que não estejam claramente estabelecidos na Escritura para a igreja ou para a vida cristã.
Notar o contexto do mandamento em Gênesis: O mandamento de "serem fecundos e multiplicarem-se" (Gênesis 1:28) é uma bênção e um comando dado originalmente a Adão e Eva no contexto do início da humanidade, com o propósito de povoar a terra.
Também notar a aplicação restrita: Nem todos os mandamentos ou bênçãos dadas no Antigo Testamento têm aplicação direta e universal a todas as pessoas ou a todos os tempos. Alguns são específicos para certas pessoas, épocas ou contextos.
Conclusão: Portanto, se o mandamento de se multiplicar é uma bênção específica para o início da humanidade e não um mandamento aplicável a todos os indivíduos em todas as épocas, não podemos impor ou exigir dos outros essa obrigação, pois isso seria "ultrapassar o que está escrito".
Podemos ilustrar com diversos textos da Bíblia: O mandamento do sábado — Deus ordenou aos israelitas que guardassem o sábado como dia de descanso (Êxodo 20:8-11). No entanto, o Novo Testamento ensina que, para os cristãos, o sábado não é mais uma obrigação (Colossenses 2:16-17; Romanos 14:5-6). Por isso, impor o sábado como regra a todos os cristãos hoje seria "ultrapassar o que está escrito".
E também o mandamento de se multiplicar — Assim como o sábado, o mandamento de se multiplicar foi dado em um contexto específico e não é um mandamento eterno e universal para todas as pessoas. Muitos cristãos, por razões pessoais ou vocacionais, não têm filhos e isso não é pecado nem uma violação da Escritura.
Outro exemplo que podemos ter é do culto e práticas culturais — Muitas práticas e costumes do Antigo Testamento foram aplicáveis a Israel e não são diretamente ordenados para a igreja cristã hoje. Impor tais práticas sem respaldo bíblico atual seria ultrapassar o que está escrito.
Resumo:
Se a Escritura ordena não ultrapassar o que está escrito (1 Cor 4:6),. E se o mandamento de multiplicar-se (Gênesis 1:28) é uma bênção específica, não universalmente aplicável,
Então não devemos impor aos outros a obrigação de se multiplicar, pois fazê-lo seria ultrapassar o que está escrito.
6. O argumento do “medo carnal”: e se o Islã crescer?
O argumento comum de que os cristãos devem ter filhos para impedir o avanço islâmico é falho e idolátrico. A esperança cristã está na soberania de Deus, não na taxa de natalidade.
6.1. O Reino cresce por evangelismo
“Ide e fazei discípulos de todas as nações.” (Mateus 28:19)
“O Senhor acrescentava diariamente os que iam sendo salvos.” (Atos 2:47)
O crescimento do Reino se dá por meio da Palavra, não da reprodução biológica.
6.2. O Reino cresce por decreto divino
"O zelo do Senhor dos Exércitos fará isto.” (Isaías 9:7)
“Pois é necessário que ele reine até que tenha posto todos os inimigos debaixo dos seus pés.” (1 Coríntios 15:25)
6.3. Deus não precisa da carne humana
“Deus pode destas pedras suscitar filhos a Abraão.” (Mateus 3:9)
“O braço do Senhor não está encolhido para que não possa salvar.” (Isaías 59:1)
Substituir o evangelismo pela reprodução é idolatria da carne e negação da fé.
7. Contradições internas da procriação obrigatória
De acordo com essa ideia de que os cristãos são mormalmente obrigados a terem filhos, os cristãos estéreis estariam em pecado. Pois uma incapacidade não omite ninguém de pecar (Rm 3.18-19) mas a Bíblia diz que o crente não pode viver na pratica do pecado (1 Jo 3.9) portanto não há nada de racional e piedoso nessa doutrina.
Antes de continuar, eu rejeito também por João 9:3 que a esterilidade seja necessariamente uma punição pelos pecados de alguém: “Nem ele pecou nem seus pais.”
2. Paulo e Jesus erraram?
Se todos devem procriar, então os apóstolos e Jesus violaram a vontade prescritiva de Deus? Onde o texto que ordena multiplicar diz que o solteiro está omisso de tal mandamento? Em nenhum lugar, além disso, Adão sendo justo quando criado, fala a justiça, pois era a sua natureza (Mt 7.16-19) e ele diz que o homem DEIXARÁ seu pai e mãe e se unirá a sua mulher (Gn 2.24) se tudo em Genesis é normativo e Jesus deveria cumprir toda a justiça (que de fato ele fez) ele não casou e não teve filhos biológicos, portanto estaria desobedecendo a prática justiça de casar e ter filhos, o que obviamente não é o caso, a revelação nos mostra que podemos não casar e consequentemente não ter filhos, nem uma coisa e nem a outra são pecado.
3. Confiança na carne, não em Cristo
Jeremias 17:5: “Maldito o homem que confia no homem.”
A ideia de que ter muitos filhos irá fortalecer a Igreja de Deus é confiar na carne e desconhecer as Escrituras vamos seguir com isso mais adiante.
4. Filhos não regeneram ninguém
Filhos de crentes podem se perder (Juízes 2:10). Somente o Espírito regenera (João 3:6-8).
Muitos filhos da aliança se revelam como reprobos, então ter muitos filhos não necessariamente enche a Igreja, Dave Hume era filho de presbiteriano e continuou um não cristão o resto de sua vida, influenciou muitos ateus e ímpios com seus escritos.
8. Silogismos finais
8.1. Silogismo Cristológico
P1: Jesus cumpriu toda a vontade moral de Deus.
P2: Jesus não teve filhos.
C: Logo, ter filhos não é moralmente obrigatório.
8.2. Silogismo Eclesiológico
P1: O Reino cresce pela pregação e soberania de Deus.
P2: A natalidade não é um meio eficaz de conversão.
C: Logo, procriação não é instrumento primário do Reino.
8.3. Silogismo Exegético
P1: Bênçãos não são mandamentos morais.
P2: “Frutificai e multiplicai” é bênção (Gênesis 1:28).
C: Portanto, não é mandamento moral universal.
9. Conclusão
A ideia de que todo casal cristão é moralmente obrigado a ter filhos não resiste à análise bíblica, teológica e racional. Jesus, o modelo ético perfeito, não teve filhos. O “mandato” de Gênesis é uma bênção, não um preceito. O Reino de Deus não depende da biologia, mas da Palavra. E o medo do Islã é substituído pela confiança no decreto soberano de Deus.
A vitória cristã não é pela espada, nem pelo ventre, mas pela Palavra de Deus.
Podemos resumir dizendo que a esperança do Reino de Deus está na soberania de Deus, não na biologia ou capacidade humana.
A Igreja cresce não por reprodução, mas por regeneração.