Por Yuri Schein
O provérbio “Nunca conheça os seus heróis” carrega em si uma sabedoria amarga: os ídolos humanos, quando vistos de perto, invariavelmente desmoronam. A distância cria a ilusão da perfeição; a proximidade revela a corrupção. O fascínio que temos pelos heróis nasce da nossa ânsia por transcendência, mas essa ânsia se torna idolatria quando aplicada a criaturas finitas e caídas.
A literatura já nos ensinou isso inúmeras vezes. Em Assim Falou Zaratustra, de Nietzsche, o “super-homem” proclamado não passa de um delírio do autor, que terminou seus dias mergulhado em loucura. Em O Senhor das Moscas, de William Golding, os meninos, símbolo da inocência, ao ficarem sem autoridade externa, rapidamente se transformam em assassinos. A própria literatura secular reconhece a depravação humana: a fachada do herói se desmancha sob a pressão da realidade.
Na esfera histórica, vemos o mesmo padrão. Pense em figuras políticas idolatradas: Lênin, Che Guevara, Napoleão, até mesmo líderes democráticos contemporâneos. Todos eles se tornaram decepção em algum grau. As massas projetaram neles uma salvação que não podiam oferecer. Como escreveu Aleksandr Soljenítsin em Arquipélago Gulag, o mal não reside apenas em regimes opressores, mas “atravessa cada coração humano”. A idolatria política é apenas uma versão coletiva do mesmo autoengano.
A Escritura, entretanto, nos antecipa essa constatação: “Todos pecaram e carecem da glória de Deus” (Rm 3:23). Paulo não está fazendo mera observação sociológica, mas uma declaração ontológica: a natureza humana, desde a queda, é corrupta em todas as suas faculdades. A depravação total não significa que cada indivíduo seja o pior possível, mas que nenhuma área do ser humano está intacta. O “herói” não escapa, sua inteligência, sua moral e até sua piedade carregam o veneno do pecado.
João Calvino, em suas Institutas (II.1.8), escreve: “A corrupção não reside apenas nos apetites desordenados, mas se estende à mente e ao coração. De modo que todo o homem é subjugado pelo pecado.” Gordon Clark, em A Christian View of Men and Things, reforça que é justamente essa condição universal que faz ruir qualquer esperança em líderes humanos: se eles falham como indivíduos, como poderiam salvar civilizações inteiras?
E é aqui que o provérbio popular encontra seu ponto mais profundo. O conselho mundano é: “não conheça seus heróis para não se decepcionar.” O conselho bíblico é mais radical: não crie heróis. Jeremias 17:5 sentencia: “Maldito o homem que confia no homem, e faz da carne mortal o seu braço, e aparta o seu coração do Senhor.” Quando a confiança é depositada na criatura, a decepção é inevitável.
O cristão maduro não se escandaliza ao descobrir que seu pastor, seu autor favorito ou seu político predileto tem falhas morais. Ele já sabia disso de antemão pela revelação. Sua esperança não repousa em heróis caídos, mas no único Herói perfeito: Jesus Cristo. Ele não apenas não decepciona, mas substitui nossa ruína pela sua justiça, cumprindo o que nenhum outro poderia cumprir.
Portanto, o provérbio “nunca conheça os seus heróis” é uma meia-verdade. A verdade completa é: todo herói humano já está condenado antes mesmo de você o conhecer. O único que permanece é Cristo: “o mesmo ontem, hoje e eternamente” (Hb 13:8).
📚 Fontes e referências
Calvino, João. Institutas da Religião Cristã, Livro II, cap. 1.
Clark, Gordon H. A Christian View of Men and Things.
Soljenítsin, Aleksandr. Arquipélago Gulag.
Golding, William. O Senhor das Moscas.
Nietzsche, Friedrich. Assim Falou Zaratustra.
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