INTRODUÇÃO
Entre críticos do ocasionalismo, há uma acusação recorrente: “Se você nega a causalidade real das chamadas causas secundárias, você nega a existência e personalidade das criaturas”. Esta afirmação é não apenas incorreta, mas revela completa ignorância da Escritura, da metafísica bíblica e da lógica sistemática. Ocasionalismo absoluto não destrói a realidade das criaturas, mas esclarece a ordem correta das relações causais: Deus é a única causa de tudo, e as criaturas existem, agem e são responsáveis apenas porque Deus sustenta sua existência e revelou Sua lei.
Este tratado apresenta uma análise detalhada, mostrando que qualquer acusação contra o ocasionalismo não resiste à crítica filosófica, exegética ou prática. Inclui uma revisão histórica da filosofia sobre causalidade, exegese de Romanos 9, exemplos do cotidiano e da ciência, e um modelo conceitual de causalidade divina.
A CONFUSÃO CLÁSSICA: CAUSA VS. EXISTÊNCIA
A acusação de que negar causas secundárias “nega indivíduos” parte de um erro ontológico grave: confundir causalidade metafísica com existência.
Exemplo filosófico: Hamlet existe e age dentro da peça porque Shakespeare escreveu a obra; a causalidade metafísica das ações não pertence ao personagem, mas ao autor.
Exemplo moderno: Neo age dentro da Matrix, mas cada movimento depende do código do sistema.
Analogamente, toda criatura criada é contingente. Sua existência não é autossuficiente; depende diretamente de Deus (Col 1:16-17; At 17:28). Contingência não é inexistência; é reconhecimento de que cada criatura existe porque Deus quis que existisse, e não por causalidade própria.
OCASIONALISMO ABSOLUTO: DEFINIÇÃO E FUNDAMENTOS
Ocasionalismo absoluto afirma, de maneira inegociável:
1. Deus é a única causa real de tudo.
2. Nada acontece sem Ele: relâmpagos, decisões humanas, quedas de moedas, cada pensamento e desejo são diretamente causados por Deus.
3. As chamadas “causas secundárias” são meramente ocasiões para Deus manifestar Sua causalidade.
Este sistema não nega personalidade ou ação humana, mas coloca corretamente a causalidade metafísica no lugar certo: Deus, e somente Deus, causa todos os eventos. A personalidade e ações humanas são contingentes à vontade divina; sem Ele, não existiriam.
EVIDÊNCIA BÍBLICA DO OCASIONALISMO ABSOLUTO
A Escritura confirma esta realidade em diversos textos:
Colossenses 1:16-17: Todas as coisas foram criadas por Cristo e subsistem nele.
Atos 17:28: “Pois nele vivemos, nos movemos e existimos.”
Salmo 104:29-30: Deus retira o sopro e tudo morre; envia o Espírito e tudo é renovado.
Romanos 9:19-24: Deus tem soberania absoluta sobre a escolha e endurecimento de corações. A responsabilidade humana não depende de capacidade ou liberdade, mas de revelação.
Romanos 9 deixa claro: Deus revela Sua lei, e julga o homem por ela. Ele pune não pela incapacidade ou natureza, mas porque o homem sabia o que Deus exigia, mesmo sem poder obedecer.
FILOSOFIA E ERROS SOBRE CAUSAS SECUNDÁRIAS
Ao longo da história, filósofos tropeçaram em confusões similares:
Aristóteles: confundiu causa instrumental com causa última, atribuindo causalidade quase independente às criaturas.
Descartes: via o mundo como autossustentável mecanicamente, ignorando a dependência direta de Deus.
Malebranche: chegou perto do ocasionalismo, mas não articulou plenamente que Deus causa tudo, sem exceção.
Leibniz: propôs mônadas independentes, sem esclarecer a causa última, que é Deus.
Ocasionalismo absoluto corrige essas confusões: criaturas existem e agem, mas Deus é a causa direta de cada ato, e a responsabilidade humana vem exclusivamente da revelação.
LIBERDADE HUMANA E RESPONSABILIDADE
No ocasionalismo absoluto:
A responsabilidade humana não depende de capacidade, natureza ou liberdade.
O homem é responsabilizado porque Deus revelou Sua lei.
Romanos 9: Deus mostra misericórdia ou endurece corações; Ele julga pelo que revelou, não pelo que o homem é capaz de cumprir.
Não há compatibilismo. A ação do homem é causada por Deus; a responsabilidade vem da revelação. A liberdade humana não é metafísica, mas moral e contingente à vontade de Deus.
IMPLICAÇÕES PRÁTICAS
1. Ciência e fenômenos naturais: cada relâmpago, cada terremoto, cada reação química ocorre porque Deus o causa.
2. Ação humana: cada escolha, pensamento e movimento é sustentado por Deus.
3. Justiça divina: Deus julga pelo que revelou, independentemente da capacidade do homem.
4. Epistemologia: raciocínio, percepção e ação humanas só existem porque Deus os causa e sustenta.
Criaturas são reais, agem e são punidas, mas cada ato é obra direta de Deus.
EXEMPLOS PRÁTICOS
Evento Causa aparente Causa real (Deus) Responsabilidade humana
Queda de moeda Gravidade, impulso Deus Nenhuma; ato físico
Relâmpago destrói casa Eletricidade Deus Nenhuma; evento natural
Escolha de pecado Desejo próprio Deus causa pensamento e decisão Responsabilidade moral pela revelação
Decisão de obedecer Vontade Deus sustenta o ato Responsabilidade pela revelação divina
Tudo o que parece causalidade secundária é apenas ocasião; Deus causa tudo diretamente.
EXEMPLOS BÍBLICOS DE RESPONSABILIDADE E CAUSALIDADE
Faraó (Êxodo 9:16; Rm 9:17): Deus endureceu seu coração para manifestar Sua glória, mas Faraó é responsabilizado.
Jonas (Jonas 1-4): A desobediência é real; a punição vem de Deus.
Saul (1Sm 15): Saul falha; Deus causa a oportunidade e a revelação; Saul é punido.
A causalidade humana é real em aparência, mas Deus é causa última, e a responsabilidade vem da revelação, não da capacidade.
CRÍTICA À ACUSAÇÃO DE “NEGAÇÃO DA PERSONALIDADE”
Confusão ontológica: existência não requer causalidade independente.
Confusão moral: responsabilidade não depende de poder ou liberdade; decorre da revelação.
Confusão filosófica: acreditar em causalidade secundária independente ignora a Escritura.
Negar causalidade metafísica das criaturas não apaga personalidade, apenas posiciona a realidade corretamente.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ocasionalismo absoluto mostra:
1. Deus é causa de tudo.
2. Criaturas existem, agem e são responsáveis por revelação.
3. Nenhuma causalidade real existe fora de Deus.
4. A acusação de apagar indivíduos é absurda.
Romanos 9, Colossenses 1 e Atos 17 deixam claro: Deus escreve cada história, causa cada ação e exige obediência, independentemente da capacidade do homem. A realidade das criaturas é contingente, mas plena; sua responsabilidade é real, mas baseada única e exclusivamente na revelação divina.