quinta-feira, 2 de outubro de 2025

Melanchthon e a Necessidade Divina



 Por Yuri Schein 

No coração da primeira sistematização da Reforma, o Loci Communes (1521), Filipe Melanchthon escreveu: “Tudo acontece por necessidade divina; nossas obras más não são feitas sem a providência de Deus.” Eis o que muitos tentaram apagar da memória: o braço direito de Lutero confessando o decreto absoluto sem concessões.

Essa sentença é um soco no mito da liberdade humana. Se tudo acontece por necessidade divina, não existe espaço para contingência. O pecado não nasce do acaso, mas da providência. A queda, o adultério, a traição — todos os atos do homem, até os mais sombrios, são incluídos no plano de Deus.

Melanchthon não estava brincando com filosofia. Ele lia Romanos 9 e via um Deus que endurece a quem quer e tem misericórdia de quem quer. Ele sabia que, se nossas obras más acontecem sob a providência, é porque Deus as decretou. O homem é responsável, mas não é autônomo. A responsabilidade não exige liberdade metafísica, apenas o juízo divino que o declara culpado.

Depois, Melanchthon recuou, domesticado por pressões políticas e eclesiásticas. Tentou suavizar o que escrevera. Mas a frase permanece como um fantasma sombrio em sua obra: uma confissão da verdade que nem mesmo os tímidos conseguem apagar.

O molinismo odeia isso, porque precisa de um “espaço de indeterminação”. Mas a frase de Melanchthon mata esse espaço com uma pancada: não há zona cinzenta, não há escolhas livres pairando no ar. Há apenas necessidade divina.

Eis o paradoxo para os homens, mas a simplicidade para Deus: o pecado é decretado, a condenação é justa, e a providência envolve até o mal. O decreto não falha. Tudo acontece por necessidade divina.

O Cavalo de Lutero e a Escravidão da Vontade

Por Yuri Schein 

Em De Servo Arbitrio (1525), Lutero lança um golpe mortal contra o mito do livre-arbítrio: “A vontade do homem é como um cavalo. Se Deus montar, vai para onde Deus quer; se o diabo montar, vai para onde o diabo quer. Não está em sua escolha correr para um ou outro cavaleiro, mas os cavaleiros lutam para possuí-lo.”

Essa imagem não é uma parábola suave, mas uma sentença brutal. O homem não é senhor de si, mas montaria. Não conduz, não escolhe, não decide. É possuído. E, no entanto, continua responsável por cada ato. Por quê? Porque Deus o responsabiliza. A justiça não é medida por uma lei acima de Deus, mas pelo próprio decreto divino.

Lutero sabia que a carne treme diante dessa verdade, mas a Palavra é clara: somos “servos do pecado” ou “servos da justiça” (Rm 6:16). Nunca livres. Ocasionalismo puro: cada pensamento e movimento é ocasião aplicada por Deus, seja para endurecimento ou para regeneração. O homem peca porque Deus decretou que peque; crê porque Deus o move a crer.

A metáfora do cavalo arranca a máscara da autonomia. Não há neutralidade, não há espaço para a pretensão molinista de um “livre-arbítrio intermediário”. A criatura não monta, é montada. E o cavaleiro é determinado pelo decreto eterno.

Essa visão é sombria para o incrédulo: Deus mesmo entrega milhões para serem montados pelo diabo, conduzidos ao abismo. Mas para o eleito é sublime: Deus cavalga sua vontade para a salvação, sem falhar, sem depender da resposta da criatura.

Lutero não deixou margem para mistérios reconfortantes. Ele expôs a verdade nua: o homem não tem vontade livre, mas uma vontade cativa. Não há honra para o cavalo, apenas para o Cavaleiro. E a revelação não traz lei contra isso.



Purgatório: a negação da cruz de Cristo

 


Por Yuri Schein 

A doutrina do purgatório é uma das invenções mais tardias da Igreja de Roma e serve como um dos maiores ataques à suficiência da obra de Jesus Cristo. Não aparece em lugar algum das Escrituras, não foi ensinada pelos apóstolos e tampouco era crida pela Igreja primitiva. Seu desenvolvimento histórico revela sua verdadeira origem: superstição humana. Nos séculos II e III surgiram práticas de oração pelos mortos, mas ainda sem qualquer noção de “fogo purificador”. No século VI, Gregório Magno introduziu a ideia mais clara de um lugar intermediário de purificação. Apenas na Idade Média, com a teologia escolástica e a venda de indulgências, a crença se consolidou como dogma, sendo reafirmada no Concílio de Trento para enfrentar a Reforma.

A Escritura, no entanto, destrói essa construção. O autor de Hebreus declara: “Cristo, havendo feito, de uma vez por todas, a purificação dos pecados, assentou-se à destra da majestade nas alturas” (Hb 1:3). Não há espaço para um “purgatório” onde pecados precisariam ser expiados, pois a cruz já satisfez plenamente a justiça de Deus. Paulo afirma: “Agora, pois, já **nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus” (Rm 8:1). Nenhuma condenação, nenhum resíduo a ser queimado.

O purgatório, além de antibíblico, é blasfemo. Ele insinua que o sangue de Cristo não basta, que o pecador precisa sofrer ainda mais para ser aceito por Deus. É a negação da palavra final do Senhor: “Está consumado!” (Jo 19:30). A Reforma Protestante não rejeitou o purgatório por capricho, mas porque entendeu que ele esvazia a glória do Evangelho. A alma do crente, ao morrer, não vai para uma masmorra de expiação, mas entra imediatamente na presença de Cristo (Fp 1:23). O purgatório, em última análise, é o maior insulto à cruz — um lembrete de que, quando a Igreja abandona a Escritura, cria prisões espirituais em nome da tradição.

O Desejo Que Escraviza e a Graça Que Liberta


✍️ Por Yuri Andrei Schein

Thomas Shelby, em Peaky Blinders, dispara uma sentença brutal: “Você pode mudar o que faz, mas não pode mudar o que deseja.” Essa linha não é apenas roteiro bem escrito; é antropologia bíblica nua e crua. O homem pode até polir sua conduta, vestir-se de moralismo, criar fachada religiosa, mas continua cativo dos seus desejos perversos.

Jesus disse em João 8:34: “Todo aquele que comete pecado é escravo do pecado.” Não importa quantas vezes você altere o comportamento, o coração continua produzindo a mesma fábrica de ídolos. É exatamente o que Paulo martela em Romanos 7: a lei pode mostrar o erro, mas não pode transformar o querer.

Shelby, ainda que sem Cristo, entendeu que a vontade humana é uma prisão. Mas o evangelho vai além: só a graça de Deus pode intervir no nível mais profundo, mudando não apenas o que fazemos, mas o que desejamos. Filipenses 2:13 revela o segredo: “É Deus quem efetua em vós tanto o querer como o realizar, segundo a sua boa vontade.”

A série mostra um homem escravizado por ambição, violência e honra corrompida. A Bíblia mostra que todos nós estamos na mesma condição — até que Cristo rasgue as correntes do coração.

💥 A moral de Shelby é desespero. A moral de Cristo é libertação.