domingo, 28 de setembro de 2025

⚒️ Deus, Tentação e Causalidade: Distinção entre Agente Responsável e Causa Real



Por Yuri Schein

Na tradição metafísica clássica, particularmente na mecânica aristotélico-tomista, a causalidade é entendida de forma mediada: um agente age segundo sua natureza, e a causa se manifesta em categorias distintas — causa material, formal, eficiente e final. Contudo, essa abordagem se mostra insuficiente quando confrontada com a soberania absoluta de Deus e a realidade do pecado humano. No ocasionalismo, à maneira de Gordon Clark e Vincent Cheung, a causalidade é direta e imediata. Nada ocorre fora do encargo ativo de Deus. Toda ação, seja ela material ou espiritual, externa ou interna, é causada diretamente por Ele.


🌀 Tentação: Metafísica versus Experiência

A tentação ilustra com perfeição essa distinção. Deus causa a carne, o diabo e todas as circunstâncias que promovem a tentação. Ele determina o movimento de cada partícula de matéria e cada inclinação da vontade criada. No entanto, isso não transforma Deus no tentador dentro da experiência humana. Na perspectiva do indivíduo, a carne e o diabo atuam como agentes responsáveis — eles são os “tentadores” na narrativa e no exercício da escolha moral.

Tiago 1.13 deixa isso claro: “Deus não tenta ninguém com o mal.” Aqui, Tiago não discute causalidade metafísica; discute responsabilidade do agente. Deus permanece absolutamente soberano, mas a criatura é a que experiencia e responde à tentação. Assim, podemos afirmar: Deus causa a tentação, mas a criatura é o agente responsável em sua esfera de experiência.


⚔️ Causalidade Absoluta

Como causa real, Deus é o originador de tudo (Ef 1.11; Ec 11.5). Nenhum evento material ou espiritual escapa de sua vontade efetiva. O pecado, seja interno ou externo, está dentro do alcance de sua causalidade (Ap 17.17; Ez 14.9; Is 63.17). Esta não é uma afirmação de relativização do mal, mas o reconhecimento da soberania incontestável de Deus: Ele ordena e executa todas as coisas, inclusive as que nas Escrituras chamamos de mal.


🧩 Silogismo Ocasionalista

P1. Deus causa a tentação (Ef 1.11).

P2. Deus não tenta ninguém (Tg 1.13).

C. Tiago 1.13 não trata da causalidade, mas da responsabilidade do agente.


Este silogismo deixa evidente o ponto central do ocasionalismo: a causalidade metafísica e a responsabilidade moral não se confundem. Deus é a causa de tudo, mas não é o agente responsável pelas decisões humanas dentro da história. A tentação ocorre, é verdadeira, e a criatura é a que padece e responde — mas a origem última é divina.

⚙️ Conclusão

A confusão entre agente e causa é antiga. Aristóteles, Tomás de Aquino e seus seguidores tendem a pensar a causalidade como algo “autônomo” da criatura. O ocasionalismo corrige isso: a criatura existe, age e experimenta, mas tudo é causado por Deus, desde a menor inclinação da carne até o maior ato maligno do diabo. Assim, Tiago e Efésios não se contradizem; complementam-se: um fala da responsabilidade experiencial, o outro da causalidade absoluta.

No fim, reconhecer esta distinção é essencial para qualquer teologia reformada que pretenda ser consistente com a Escritura e a soberania divina. Não há espaço para ambiguidades: Deus causa todas as coisas, mas não é tentador, exceto na medida em que determina, por sua vontade, a realidade em que a tentação se manifesta.

Deus e a Causa da Natureza Humana

 


Por Yuri Schein

A maioria ainda pensa em um Deus que “permite” o mal, como se Ele fosse um espectador resignado diante da queda da criatura. Essa visão é mais filosofia pagã do que Escritura. A Bíblia não apresenta um Deus que se limita a assistir ao enredo, mas um Senhor que “faz todas as coisas conforme o conselho da sua vontade” (Ef 1.11). Isso significa exatamente o que está escrito: todas as coisas, inclusive as intenções mais malignas.

Antes da prática do pecado, existe a natureza pecaminosa. E quem causa essa natureza? Não o acaso, não o “livre-arbítrio” autônomo, mas o próprio Deus. Paulo declara: “Deus encerrou a todos debaixo da desobediência, para com todos usar de misericórdia” (Rm 11.32). A Queda não foi acidente de percurso, mas decreto eterno. O mesmo Deus que ordena a salvação é aquele que ordena a perdição, pois “a Escritura diz a Faraó: Para isto mesmo te levantei, para em ti mostrar o meu poder” (Rm 9.17).

Foi Deus quem criou Satanás (Cl 1.16), e foi Ele quem determinou que o coração desse anjo se corrompesse (Ez 28.15-16). É Deus quem causa todos os pensamentos e atos malignos dos demônios (Jó 1.12; 2.6). Foi Ele quem decretou a tentação de Eva (Gn 3.1-6), e mesmo não sendo o tentador direto (Tg 1.13), foi o Autor da existência da própria tentação. Foi Ele quem causou que Adão e Eva pecassem (Gn 3.6; Rm 5.12). Se houvesse um só evento fora de Seu decreto, Ele deixaria de ser Deus.

O apóstolo Paulo reforça com a imagem do oleiro: “Ou não tem o oleiro poder sobre o barro, para da mesma massa fazer um vaso para honra e outro para desonra?” (Rm 9.21). Note: não existe “massa caída” sem que o oleiro a tenha feito assim. É Deus quem endurece (Rm 9.18), quem envia operação do erro para que creiam na mentira (2Ts 2.11), quem põe um espírito mau para atormentar (1Sm 16.14), quem cria a luz e as trevas, a paz e o mal (Is 45.7).

Isso fere o orgulho humano, mas protege a glória divina. Se o homem peca, é porque Deus o destinou como vaso de ira. Se o homem crê, é porque Deus o predestinou como vaso de misericórdia. “Porque dele, e por ele, e para ele, são todas as coisas” (Rm 11.36).

A história não é um campo de batalha em que Deus “permite” a ação de forças independentes. É um palco em que o Autor decreta cada linha, cada ato, cada queda e cada redenção. A Escritura nunca fala de um Deus que tenta salvar todos mas falha — isso é teologia arminiana de feira. O Deus da Bíblia é o que “opera em vós tanto o querer como o efetuar” (Fp 2.13), e também o que “endurece a quem quer” (Rm 9.18).

Negar isso é tentar salvar a reputação de Deus com categorias humanas, como se Ele precisasse de advogados. Mas a verdadeira defesa da glória divina é admitir o que a Escritura ensina: não há absolutamente nada que Deus não cause.

Contra a Teologia Natural

 


Por Yuri Schein

A humanidade sempre se fascinou com a ideia de alcançar Deus por meio do intelecto, da observação da natureza ou da filosofia. Desde Aristóteles e os estoicos até os escolásticos medievais, o esforço para conhecer a divindade sem a intervenção direta de Deus tem sido constante. Esse empreendimento, conhecido como teologia natural, busca estabelecer verdades sobre Deus apenas através da razão humana e da contemplação da criação. Contudo, a Escritura é clara: o homem é incapaz de chegar a Deus por seus próprios recursos. A fé cristã surge, portanto, como o testemunho mais contundente da limitação humana e da absoluta necessidade da ação divina.

1. O Diagnóstico Bíblico: O Homem Não Busca a Deus

Paulo declara sem meias palavras:

“Não há quem entenda; não há quem busque a Deus” (Romanos 3:11).

Este versículo não é apenas retórico; é diagnóstico. Ele revela que o homem, por si mesmo, é incapaz de perceber a Deus de maneira adequada. A razão humana, embora capaz de organizar conceitos, produzir argumentos e contemplar o cosmos, está irremediavelmente limitada pelo pecado. A teologia natural pode apontar para Deus, mas jamais pode transformar o coração humano ou gerar arrependimento. O conhecimento natural de Deus é superficial e, em última análise, incapaz de conduzir à salvação.

2. A Falência da Teologia Natural

Historicamente, sistemas filosóficos e teológicos que dependem apenas da razão humana — de Platão aos escolásticos, de Tomás de Aquino aos filósofos modernos — sempre enfrentaram o mesmo problema: eles produzem admiração intelectual, mas não comunhão real com Deus. A razão pode inferir a existência de um Criador (Romanos 1:20), mas não pode conceder fé, arrependimento ou reconciliação. A teologia natural, por mais lógica que seja, permanece limitada à superfície do divino, incapaz de penetrar a santidade infinita de Deus.

3. Fé como Subversão da Autossuficiência Humana

A fé não é apenas um complemento da razão; ela é sua correção e transcendência. Ela revela que a iniciativa de conhecer a Deus não depende do homem, mas de Deus. Abraão, Moisés e Davi não confiaram em deduções filosóficas ou cálculos lógicos; eles creram no Senhor e obedeceram à Sua Palavra. Cada ato de fé registrado nas Escrituras demonstra que o verdadeiro conhecimento de Deus é concedido, não conquistado.

Além disso, a fé é experiencial, não meramente proposicional. Não se trata apenas de saber que Deus existe, mas de ser alcançado por Ele. É isso que distingue a fé da teologia natural: a primeira transforma o coração; a segunda apenas entretém o intelecto.

4. A Dependência Total do Homem em Relação a Deus

O ocasionalismo divino reforça esta realidade. Todo conhecimento, percepção ou insight do homem depende da ação contínua de Deus. Cada pensamento, cada compreensão e cada ato de discernimento só existem porque Deus os permite. A fé revela essa dependência absoluta, mostrando que o intelecto humano isolado é impotente.

Silogismo básico que ilustra este ponto:

1. Deus é a causa primeira de todo conhecimento.

2. O homem só conhece o que Deus permite.

3. Portanto, o homem jamais poderia conhecer Deus por si mesmo.

A conclusão é clara: a teologia natural, desprovida de fé, é incapaz de produzir conhecimento verdadeiro de Deus.

5. Evidência Bíblica da Superioridade da Fé

A Escritura fornece múltiplas confirmações desse princípio:

Romanos 1:20 – a criação revela Deus, mas não concede salvação.

Efésios 2:8-9 – a salvação é dom de Deus, não obra do homem.

João 6:44 – ninguém pode vir a Cristo sem que o Pai o atraia.

Hebreus 11 – a fé é o instrumento pelo qual os heróis da história bíblica conheciam e agradavam a Deus.

Cada passagem demonstra que o acesso a Deus depende de Sua iniciativa, e não do intelecto ou observação natural do homem.

6. O Perigo do Orgulho Intelectual

Quando a razão humana se torna o critério último para conhecer Deus, ela inevitavelmente se transforma em idolatria. A teologia natural sem fé conduz ao orgulho intelectual, à vaidade espiritual e à rejeição da soberania divina. O homem se vê capaz de compreender e até controlar o divino, esquecendo-se de que sua mente e percepção são produtos da própria vontade de Deus.

Silogismo adicional:

1. Se a razão humana pudesse alcançar Deus, então o homem seria autossuficiente.

2. O homem é finito e dependente de Deus para toda compreensão.

3. Logo, a razão humana isolada não pode alcançar Deus.

Conclusão: Fé é Testemunho Vivo da Dependência Humana

A fé é, portanto, o testemunho mais evidente da incapacidade do homem de chegar a Deus por meios naturais. Ela mostra que todo esforço humano para conquistar o divino é insuficiente. A teologia natural pode admirar Deus, pode organizar conceitos sobre Ele, mas não O conhece. Apenas a fé, sustentada pela Palavra e pelo Espírito Santo, torna possível o conhecimento real, espiritual e transformador de Deus.

Em última análise, a lição é clara: ninguém jamais alcançará Deus sozinho. Todo intelecto, toda lógica e todo raciocínio humano dependem de Deus para existir e operar. Reconhecer essa limitação não é fraqueza; é a entrada para a verdadeira sabedoria. A fé não apenas corrige a pretensão humana, mas revela a glória irresistível de Deus, incomensurável, soberana e absolutamente inacessível à razão isolada.

A teologia natural é uma tentativa falha; a fé é a única ponte viva para Deus. Não há alternativa.

O delírio da Red Pill



Por Yuri Schein

O fenômeno Red Pill é o exemplo clássico de como a humanidade prefere uma ilusão perigosa à verdade desconfortável. Na superfície, parece um manual de “despertar para a realidade”: homens que acordaram para a suposta tirania das mulheres, da sociedade e do feminismo. Mas, ao olhar mais de perto, vemos um culto de autopiedade misturado com pseudociência social e retórica de ódio.

Os gurus da Red Pill falam como se tivessem decodificado o universo, mas seu sistema é feito de heurísticas simplistas, preconceitos e observações anedóticas. Eles criam uma narrativa onde tudo é manipulação feminina e eles são eternos mártires de um mundo injusto. A Bíblia chama isso de “enganos e filosofias vãs” (Cl 2.8), mas o Red Pill transforma isso em dogma de macho alfa.

O curioso é que, apesar de toda a agressividade retórica, o Red Pill é apenas um exercício de covardia emocional. Ele evita o verdadeiro problema: a responsabilidade moral, espiritual e intelectual do próprio indivíduo. Ao culpar o outro, o Red Pillista nunca enfrenta seu próprio pecado, suas próprias falhas, seu próprio orgulho. É o típico moralismo invertido: você é culpado, eu sou vítima, e Deus não entra na equação.

Do ponto de vista apologético, o Red Pill é apenas mais uma expressão do velho paganismo grego: uma idolatria da força, da manipulação e da autossuficiência. Assim como os sofistas prometiam poder e conhecimento, os Red Pills prometem controle social e superioridade emocional. Mas, sem a soberania de Deus, tudo se desmorona. O Red Pill é uma filosofia para impotentes disfarçados de sábios, um reflexo moderno da queda do homem: o desejo de dominar sem submeter-se ao Criador.

A verdadeira “red pill” bíblica não está em manipular outros, mas em submeter-se à soberania de Deus, reconhecer o próprio pecado e viver segundo a verdade revelada. Tudo o mais — seja feminismo, sociedade ou Red Pill — é vaidade, fumaça que confunde e escraviza. Quem procura despertar na mentira, jamais verá a luz.