por Yuri Schein
O dispensacionalista aponta para Atos 1:6-7 como se fosse uma profecia cronológica de Israel, ignorando o contexto histórico, teológico e escatológico:
“Então, perguntaram-lhe os discípulos: Senhor, restaurarás tu neste tempo o reino a Israel? E disse-lhes Jesus: Não vos compete saber os tempos ou as estações que o Pai estabeleceu pela sua própria autoridade.”
Para o observador atento, esta passagem revela mais sobre a limitação humana e a soberania divina do que sobre calendários ou territórios futuros. Vamos destrinchá-la detalhadamente, integrando a teologia calvinista, o ocasionalismo de Gordon Clark e Vincent Cheung, e a perspectiva pós-milenista preterista parcial.
O Erro da Expectativa Humana
Os apóstolos perguntam sobre “restaurarás tu neste tempo o reino a Israel?” — revelando três pontos cruciais:
Racionalidade limitada: Eles pensavam em um reino físico, político e nacional, resumido em Jerusalém e Davi, refletindo uma cosmovisão judaica terrena.
Cronologia humana: “Neste tempo” indica expectativa de realização imediata, conforme cálculo humano.
Foco nacional: “A Israel” mostra que ainda não compreendiam o alcance universal do Messias.
O dispensacionalista se apega a essa limitação humana, mas Cristo não confirma a expectativa; corrige-a.
Cristo Redefine o Reino e Reafirma a Soberania
Jesus responde:
“Não vos compete saber” – afirma que a compreensão dos tempos e estações é exclusiva de Deus. Nenhum cálculo humano pode ditar o cumprimento das promessas.
“Os tempos ou as estações” – os termos gregos chronos e kairos indicam momentos que pertencem ao plano soberano de Deus, não a agendas humanas.
“Que o Pai estabeleceu pela sua própria autoridade” – sublinha a total soberania de Deus, central para a epistemologia ocasionalista: tudo ocorre segundo a vontade divina, e a percepção humana é apenas uma ocasião, não causa de nada.
O reino não depende de Israel literal; ele é espiritual, invisível e já presente em Cristo, inaugurando a vitória do Messias sobre o pecado, a morte e Satanás.
Romanos 9-11: Israel e a Eleição
A preterista parcial entende que Israel não foi rejeitado, mas parcialmente endurecido até a vinda de Cristo:
Romanos 9:22-23 mostra que Deus dispõe misericórdia ou endurecimento segundo Sua vontade, independentemente de cálculos humanos.
Romanos 11:25-26 explica que o endurecimento de parte de Israel não impede a inclusão dos gentios no Reino, e que a promessa final a Israel será cumprida em Cristo.
Logo, a ideia dispensacional de Israel literal recebendo um trono terrestre não é bíblica; o reino se cumpre em Cristo e na Igreja, sem contradizer a eleição e as promessas a Israel.
Antigo Testamento e Cristo
Textos como Isaías 9:6-7, Daniel 2:44 e Zacarias 14:9 apontam que o reino messiânico é eterno e universal:
Isaías 9:7 fala de um governo eterno e justiça infinita — não meramente um reino nacional temporário.
Daniel 2:44 anuncia que “o Deus dos céus estabelecerá um reino que não será destruído” — cumprido em Cristo, não em Israel físico.
Zacarias 14:9 descreve Deus como soberano universal, controlando “todos os povos da terra”, o que reforça o caráter espiritual e universal do reino, não limitado geograficamente.
O Reino Já Cumprido e o Pós-Milenismo
Como pós-milenista, reconhecemos que o reino de Cristo já começou:
É iniciado com a ressurreição e ascensão de Cristo, e se manifesta pelo crescimento do evangelho, avanço da Igreja e transformação da sociedade segundo princípios divinos.
A expectativa literalista de Israel terrestre é um equívoco histórico, e a “restauração” prometida já se cumpre em Cristo: espiritual, redentora e expansiva.
Lucas 17:20-21 reforça: “O reino de Deus não vem com aparência exterior... porque o reino de Deus está entre vós.”
Desmontando o Dispensacionalismo
O reino de Deus é estabelecido por Cristo, não por Israel físico (Lucas 17:20-21; João 18:36). O tempo da consumação final é exclusivo do Pai (Atos 1:7). Israel literal não é requisito para o cumprimento do reino em Cristo (Romanos 9-11).
Logo, a expectativa dispensacional de Israel restaurado politicamente é teologicamente inválida; o reino já começou e se expandirá até a consumação em Cristo, segundo a soberania absoluta de Deus.
Atos 1:6-7 Revela a Soberania de Deus
A pergunta dos apóstolos não valida a tese dispensacionalista; revela a limitação humana e a necessidade de submeter toda expectativa à soberania de Deus.
O reino de Cristo é espiritual e já presente.
Sua consumação será universal e visível apenas quando Deus o determinar.
A leitura literalista de Israel terrestre é uma leitura histórica e teológica equivocada, incapaz de compreender a obra já realizada em Cristo e a expansão do Reino pelo evangelho.
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