O Ser Estático de Melisso e o Deus Vivo da Escritura
“Pois em ti está o manancial da vida; na tua luz vemos a luz.”
— Salmo 36:9
Introdução: O Samosiano do Ser Imutável
Melisso de Samos, discípulo tardio da escola eleática fundada por Parmênides, é o tipo de pensador que torna a metafísica antiga uma verdadeira ginástica para o bom senso. Sua tese fundamental é simples: o ser é eterno, ilimitado, imutável e incorpóreo. Nada muda. Nada se move. Tudo é um. O pluralismo é uma ilusão. O devir é miragem. O movimento é ilusão dos sentidos. E como não poderia deixar de ser, o mundo como você o percebe... é basicamente fake news ontológica.
Melisso levou às últimas consequências a metafísica estática de Parmênides. Mas ao fazê-lo, transformou o cosmos em uma estátua congelada e a experiência em um engodo universal. Sua divindade filosófica — se é que podemos chamar assim — não é apenas impessoal: é inconsciente, imobilizada, e teologicamente inútil. Não há revelação, relação, redenção ou glória. Apenas "ser".
Como Gordon Clark diria: “um conceito assim pode servir para uma aula de lógica formal, mas não para um credo, um consolo, ou uma cosmovisão cristã.”
O Ser de Melisso: Um Cemitério Metafísico
O que Melisso de Samos nos propõe não é um universo vivo, mas um eterno cadáver ontológico. Tudo é um, sim — mas sem distinção, sem identidade pessoal, sem causalidade e sem propósito. Sua lógica é tão seca quanto implacável:
• O ser não pode ter começado, porque nada vem do nada.
• O ser não pode mudar, porque mudança implica em tornar-se algo que antes não era.
• O ser é ilimitado, porque limites implicam em não-ser.
• Portanto, o ser é eterno, uno, imutável, incorpóreo e infinito.
Melisso elimina o tempo, o espaço, a multiplicidade e a distinção. O universo vira uma gelatina infinita de "ser puro", sem dinâmica, sem personalidade e sem qualquer justificativa para o que chamamos de realidade observada. E, como se não bastasse, toda a linguagem humana torna-se inapropriada para falar da realidade — afinal, dizer "isto se move" seria, segundo ele, um erro fundamental.
A esse ponto, até mesmo Parmênides deve ter levantado uma sobrancelha filosófica e dito: "Calma, rapaz."
Théodore de Bèze: O Deus Que Não É Uma Pedra
Teodoro de Beza, sucessor de Calvino, não escreveu contra Melisso, mas suas doutrinas sobre a revelação, soberania e predestinação são o antídoto perfeito para esse ontologismo grego paralisante. Beza escreve:
“A palavra de Deus é o espelho em que contemplamos não apenas o que Ele é, mas o que Ele deseja que saibamos e vivamos.”
— Théodore de Bèze, Confessio Christianae Fidei
Ora, se a realidade é um bloco eterno e imutável de ser sem revelação, então não há espelho, não há contemplação, não há revelação e — francamente — não há teologia. O deus de Melisso não diz "Eu Sou o que Sou" (Êx 3:14), mas apenas "eu sou... pronto, já era". O Ser de Melisso é ontologicamente mudo.
Beza também escreveu:
“A predestinação é a chave da teologia; e quem não começa por ela, não sabe o que diz de Deus.”
— Ibid.
Se o universo é eternamente idêntico a si mesmo, então não há eleição, providência, redenção ou predestinação. Deus não escolhe, não age, não decreta. Tudo já "é" — mas sem direção, sem vontade, sem inteligência.
Nesse cenário, até o ateísmo é mais emocionante.
Francis Turretin: Contra os Decretos do Nada
Francis Turretin, gigante da teologia escolástica reformada, é impiedoso com qualquer sistema que negue os decretos de Deus, a criação ex nihilo e a contingência da ordem criada sob a soberania divina. Ele diz:
“Negar os decretos é negar o Deus das Escrituras; pois Ele tudo determinou antes da fundação do mundo, não por necessidade, mas por livre e sábio conselho.”
— Francis Turretin, Institutio Theologiae Elencticae
Melisso não tem espaço para decretos. Para ele, não há tempo, não há escolha, não há "antes" ou "depois". Só um oceano congelado de ser absoluto. Isso faz de seu sistema não apenas anti-bíblico, mas anticrístico. Porque se tudo sempre foi como é, e nada pode mudar... então nem a cruz ocorreu. A encarnação seria uma ilusão. E o túmulo vazio? Metáfora, se tanto.
Turretin continuaria:
“Deus é imutável, sim, mas Ele causa mudanças em Suas criaturas conforme Sua vontade. Esse é o mistério da providência.”
— Ibid.
Melisso confunde o ser divino com a criação. Ele eleva a metafísica ao altar e destrona o Deus das Escrituras. No seu modelo, tudo é um — e Deus vira o universo, ou pior, uma abstração mental.
John Knox: Pregando Contra a Pedra
John Knox, o reformador escocês que pregava como se estivesse diante de demônios armados, não teria paciência para o "ser absoluto" de Melisso. Para ele, toda teologia sem o Cristo encarnado é blasfêmia maquiada de sofisticação. Knox proclamava:
“Pregamos Cristo, o poder e a sabedoria de Deus, contra todas as imaginações dos homens.”
— John Knox, Sermons on Isaiah
Melisso quer nos convencer de que mudança é ilusão. Knox, por outro lado, vê na mudança — na encarnação, crucificação e ressurreição de Cristo — o coração do plano de Deus.
Para Knox:
“Onde Cristo não é pregado como o único mediador, ali está o inferno, mesmo que chamem aquilo de filosofia.”
— Ibid.
O deus de Melisso, que não fala, não encarna, não decreta e não julga, é o inferno lógico. Uma eternidade estagnada, onde nem Deus pode agir. Knox pegaria seu bastão escocês metafórico e quebraria essa filosofia como se fosse um ídolo de madeira.
Conclusão: Da Estagnação Filosófica à Glória Revelada
O sistema de Melisso de Samos é o paraíso dos niilistas e o inferno dos teólogos. Ele oferece coerência formal à custa de toda relevância existencial, moral e epistemológica. Seu "deus" não se move, não vê, não quer, não decreta, não salva. A realidade, segundo ele, é uma bolha ontológica parada no tempo — um túmulo sem epitáfio.
Mas como diz a Escritura:
“Porque dEle, por Ele e para Ele são todas as coisas. Glória, pois, a Ele eternamente. Amém.”
— Romanos 11:36
Não vivemos num bloco ontológico inerte. Vivemos num cosmos que geme e espera a redenção (Rm 8:22), sob o decreto soberano do Deus trino que fala, age, e se encarna. Melisso ficou com o "ser". Nós ficamos com o Verbo (João 1:1).
E ao contrário do ser absoluto sem rosto do filósofo de Samos, o nosso Deus, como disse Turretin, “é espírito infinito em ser e perfeição, subsistindo em três pessoas, conhecendo tudo de si mesmo e de suas obras, e governando todas as coisas segundo o conselho da Sua vontade.”
É difícil ser mais claro que isso. Melisso escreveu metafísica. Os profetas escreveram Escritura. A quem ouviremos?
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