terça-feira, 17 de junho de 2025

Demolindo o milênio literal com base no Salmo 110, o texto favorito do Novo Testamento

O texto mais citado não é Apocalipse 20 — é Salmo 110

Vamos começar lembrando um fato desconcertante (para quem se importa com Bíblia): o texto mais citado no Novo Testamento inteiro não é Apocalipse 20 — onde o tal “milênio” aparece em termos altamente simbólicos —, mas sim o glorioso Salmo 110:

"Disse o Senhor ao meu Senhor: Assenta-te à minha direita até que eu ponha os teus inimigos por estrado dos teus pés.” (Sl 110.1)

Ora, que coincidência conveniente para os pós-apóstolos milenistas ignorarem: o versículo mais citado no Novo Testamento ensina que Jesus, desde sua ascensão, está REINANDO. Ele não se levanta até que todos os inimigos sejam colocados sob seus pés.

Inclusive o último deles — a morte (1Co 15.26).

Salmo 110, Atos 2, Hebreus 1, 10, 1 Coríntios 15 — todos dizem a mesma coisa:

O Reino de Cristo já começou. E termina quando a morte for vencida.

Paulo escreve em 1 Coríntios 15.24-26:

“Depois virá o fim, quando ele entregar o Reino a Deus, o Pai, quando houver destruído todo principado, bem como toda potestade e poder. Pois é necessário que ele reine até que tenha posto todos os inimigos debaixo dos seus pés. O último inimigo a ser destruído é a morte.”

Vejamos:

Ordem dos eventos Segundo Paulo, inspirado por Deus

Jesus reina agora Desde sua ascensão (cf. Sl 110; At 2.33-36)

Reina até destruir os inimigos Incluindo a morte (último inimigo)

Depois entrega o Reino ao Pai Porque missão cumprida

Mas o pré-milenista, em sua glória analógica, nos quer convencer que Jesus desce para reinar na terra APÓS a ressurreição, num tipo de burocracia escatológica celestial onde o Salvador reina, depois entrega, mas depois volta a reinar só mais um pouquinho, no milênio... porque, sei lá, Deus gosta de enredos confusos?

O argumento do lago de fogo não salva o pré-milenismo — ele o enterra

Imagine a cena: confrontado com o fato de que a morte é vencida na ressurreição, o pré-milenista sai pela tangente:

"Não, veja bem, Paulo diz que o último inimigo é vencido, mas isso acontece quando a morte é lançada no lago de fogo em Apocalipse 20.14. Então ainda tem um espacinho pra milênio depois da ressurreição!"

Ah, claro, como não pensamos nisso? Jesus fica sentado esperando até a morte ser lançada no lago de fogo, e só então Ele se levanta. Isso quer dizer que Ele não desce antes disso.

Ou seja:

👉 Se a morte é vencida na ressurreição, então não há reino milenar depois.

👉 Se a morte é vencida no lago de fogo, então Cristo não pode descer antes disso.

Em ambos os casos, não tem milênio terrestre nenhum com Jesus pisando em Jerusalém como prefeito glorificado.


O trono é no céu, não em Jerusalém

A citação de Salmo 110 em Atos 2.33-36 deixa isso claro:

“Exaltado, pois, à destra de Deus, tendo recebido do Pai a promessa do Espírito Santo, derramou isto que vedes e ouvis. Porque Davi não subiu aos céus, mas ele próprio declara: ‘Disse o Senhor ao meu Senhor: Assenta-te à minha direita.’ [...] Portanto, saiba com certeza toda a casa de Israel que a esse Jesus, que vós crucificastes, Deus o fez Senhor e Cristo.”

Jesus já reina, e o trono não está em Jerusalém com bandeirinhas israelenses e ministério de turismo pronto para o “milênio”.


Como diz Herman Bavinck:

"A exaltação de Cristo à destra de Deus é o cumprimento da promessa de um reino. A ideia de um reino terreno posterior é, portanto, uma regressão, não um avanço.”


O pré-milenismo é uma sandália da humildade teológica… só que do tamanho errado

Ele reduz o reinado glorioso do Senhor a um tipo de governo geopolítico com templo, sacrifício de animais (em certos modelos), peregrinações e, provavelmente, passaporte de vacinação do Anticristo. É como tentar enfiar o universo dentro de uma tenda do tabernáculo.


Como escreveu Augustus Strong, mesmo no século XIX:

"A ideia de um reino terreno é tão inferior ao reino espiritual presente de Cristo, que seria um retrocesso na teologia cristã aceitar isso como cumprimento.”


Teólogos que zombam — com classe


John Owen:

“A noção de um reino terreno futuro de Cristo ignora a glória do evangelho presente e a eficácia de sua obra completa.”


Anthony Hoekema:

“Apocalipse 20 deve ser lido à luz de todo o Novo Testamento, e não o contrário. O reinado de Cristo já está em andamento, e o ‘milênio’ é simbólico do período entre a primeira e segunda vinda.”


G.K. Beale:

“A interpretação literal de Apocalipse 20 gera contradições com textos explícitos como 1 Coríntios 15 e Salmo 110. Qualquer sistema que colida com tais fundamentos doutrinários deve ser rejeitado.”

Conclusão lógica: O trono é eterno, o milênio literal é efêmero (e não bíblico)


A partir de Salmo 110 e 1Co 15:

1. Jesus só se levanta do trono quando a morte for vencida.

2. A morte é vencida na ressurreição física m ou no lago de fogo.

3. Em qualquer dos casos, não há espaço cronológico para um milênio literal após isso.


Sobre o Reino:

1. Jesus reina agora, desde sua ascensão.

2. Ele reina até destruir todos os inimigos.

3. Depois entrega o Reino ao Pai.

4. Um reinado futuro terreno seria depois da entrega — o que é impossível.

5. Logo, o reinado milenar literal contradiz o próprio esquema paulino.


 Epílogo 

Vamos ser honestos: defender um milênio literal exige a mesma destreza teológica que interpretar Apocalipse com jornal na mão e mapa de Israel na outra. É um caso clássico de inverter a regra de ouro da exegese:

Em vez de “interpretar os textos obscuros à luz dos claros”, o pré-milenismo faz o oposto:

Ele interpreta todo o Novo Testamento à luz de seis versículos apocalípticos simbólicos.

Isso é o equivalente exegético a tentar montar um quebra-cabeça de 1.000 peças começando por uma peça borrada.



A PIADA DO MILÊNIO: UMA DEMOLIÇÃO PRESUPOSICIONALISTA DO PRÉ-MILENISMO E FUTURISMO




Introdução: A Grande Ilusão de um Reino Futuro

Vivemos numa época em que a Igreja precisa urgentemente de uma teologia robusta, enraizada nas Escrituras e no progresso real da revelação — e não em fantasias dignas de roteiros hollywoodianos. Entre os maiores engodos que assolam a mente evangélica moderna está o pré-milenismo futurista — esse conto de fadas escatológico que insiste em enfiar um “reino” terreno entre a Segunda Vinda de Cristo e a eternidade, como se o Senhor tivesse esquecido alguma etapa no seu plano eterno e agora fosse improvisar um "reinado literal de mil anos em Jerusalém". Convenientemente, algumas visões e sub grupos dentro do pré milenismo ainda incluem: um templo reconstruído, sacrifícios restaurados (?), e um Jesus glorificado brincando de Rei de Israel enquanto os gentios assistem pela janela.

Vamos aos fatos. A teologia reformada histórica, os dados bíblicos e a lógica da revelação nos obrigam a desmontar esse castelo de areia com uma marreta exegética e presuposicional. E faremos isso com sarcasmo, porque como dizia Calvino: “A verdade de Deus merece mais reverência do que os sonhos humanos”.

1. O Novo Testamento Aplica as Promessas do Antigo Testamento à Igreja, Não a um “Israel Futuro”

Um dos pilares do futurismo é a ideia bizarra de que promessas feitas a Israel no Antigo Testamento aguardam cumprimento literal em um suposto "milênio" vindouro. Mas o Novo Testamento, em total desprezo à literalidade dispensacionalista, aplica essas promessas à Igreja agora.

Paulo declara em 2 Coríntios 1:20:

“Porque quantas são as promessas de Deus, tantas têm nele o sim; por isso também por ele é o amém, para glória de Deus, por nosso intermédio.”

Tente encontrar uma brecha para "cumprimentos duplos" nesse texto. Boa sorte. As promessas foram cumpridas em Cristo, e ponto. Isso significa que a herança de Israel pertence à Igreja porque a Igreja é o verdadeiro Israel. Como Anthony Hoekema pontua:

“O Novo Testamento não ensina um retorno a um Israel nacional, mas sua integração ao povo de Deus em Cristo.”
(The Bible and the Future, p. 196)

O pré-milenismo precisa desesperadamente de uma dicotomia entre Israel e a Igreja, mas Paulo a destrói sem misericórdia em Romanos 9:

“Não pensemos que a Palavra de Deus falhou. Porque nem todos os que são de Israel são israelitas.” (Rm 9:6)

Ou seja, as promessas continuam firmes — mas são para os eleitos, não para um etnos.

Perceba como Paulo impossibilita também a ideia do duplo cumprimento, ele responde uma pergunta implicita no texto: "Então Deus quis construir uma nação e não conseguiu? As promessas dele na Bíblia não se cumpriram?" Ele responde de maneira enfática: "E NÃO PENSEMOS que a palavra de Deus haja falhado" ou seja, nós não podemos, de maneira alguma pensar que Deus não cumpre suas promessas, e depois disso ele responde que as promessas de Deus se cumprem naqueles que Deus escolheu, esses são os verdadeiros Israelitas, o verdadeiro povo de Deus (Rm 9) esses são aqueles que Deus chamou "Dentre os judeus e também dentre os gentios" vs 24. Assim, Paulo não diz que as promessas de Deus ainda se cumprirão em um Israel étnico futuro em um Reino milenar literal, porém deixa claro que a Palavra de Deus vai ser cumprida cabalmente (Rm 9.28) ou seja, em breve Deus salvaria o remanescente de Israel (Isaías 10-22-23)

2. Não Existe “Reino Messiânico” Pós-Ressurreição. Ponto.

Se existe algo mais ridículo do que um reino de mil anos depois da ressurreição dos mortos, ainda não foi inventado. Paulo é claro como cristal em 1 Coríntios 15:

“Então virá o fim, quando ele entregar o Reino a Deus, o Pai, quando houver destruído todo principado, bem como toda potestade e poder. Pois é necessário que ele reine até que haja posto todos os inimigos debaixo dos pés. O último inimigo a ser destruído é a morte.” (1Co 15:24-26)

Note a ordem:

  • Cristo reina agora ("é necessário que ele reine até…"),
  • Ele destrói todos os inimigos,
  • O último inimigo é a morte,
  • Depois disso vem o fim, não um novo governo literal em Jerusalém.

Se a morte é o último inimigo e ela é destruída na ressurreição, então não há mais inimigos para serem derrotados depois. O que sobra para um milênio literal? Nada. A não ser que se queira chamar a eternidade de “milênio”, o que além de patético, seria heresia de calendário.

Geerhardus Vos conclui:

“Não há espaço para um reino intermediário depois da ressurreição. O fim é consumado ali.”
(Pauline Eschatology, p. 274)

3. A Conversão de Israel Acontece Sem Milênio, Sem Terceiro Templo e Sem Espetáculo

Outro pilar do futurismo é que “Israel” — essa entidade política metafísica — precisa ser restaurada com templo, terra e sacrifícios. Mas o texto bíblico é claro: a conversão futura de judeus (Rm 11:26) ocorre por meio do Evangelho, sem necessidade de aparições teofânicas, revoluções militares ou inaugurações cerimoniais em Jerusalém.

A profecia diz que eles serão enxertados novamente, mas na mesma oliveira — a Igreja.

“Eles também, se não permanecerem na incredulidade, serão enxertados; pois Deus é poderoso para os tornar a enxertar.” (Rm 11:23)

Nada de nova era judaica milenial. Não há necessidade de um espetáculo do Messias como mágico itinerante para convencer judeus modernos. A Palavra e o Espírito bastam. Jesus mesmo diz:

“Bem-aventurados os que não viram e creram.” (Jo 20:29)

Achar que judeus precisam ver Cristo glorificado reinar em carne para se converterem é simplesmente rejeitar a suficiência das Escrituras.

4. A Aliança Davídica se Cumpre em Cristo, Não em Tel Aviv

O Salmo 89 e outras profecias davídicas são interpretadas no Novo Testamento como cumpridas em Jesus Cristo e em seu reinado atual, não em algum milênio teatral no futuro.

Atos 2:30-36 destrói qualquer tentativa de adiar o trono de Davi:

“Sendo, pois, profeta, e sabendo que Deus lhe havia prometido com juramento que do fruto de seus lombos, segundo a carne, levantaria o Cristo, para o assentar no seu trono… Deus o ressuscitou… exaltado, pois, pela destra de Deus…”

A ressurreição é a entronização de Cristo no trono de Davi. Herman Ridderbos diz:

“O reino de Deus está agora presente porque Cristo reina agora. O trono de Davi é celestial.”
(The Coming of the Kingdom, p. 143)

Você quer mais prova? Hebreus 1 diz que Jesus já está “assentado à direita da Majestade nas alturas”. Não há lugar para tronos alternativos.

5. Futurismo: Um Roteiro de Ficção Científica com Citações Bíblicas Fora de Contexto

O futurismo em si é uma aberração teológica importada dos delírios de John Nelson Darby, alimentada pelo dispensacionalismo americano e comercializada por best-sellers como "Deixados para Trás", que substituíram a exegese por fanfic apocalíptica.

John Murray despreza isso elegantemente:

“A expectativa de um reino terreno vindouro contradiz a consumação escatológica bíblica.”
(Collected Writings, vol. 2, p. 383)

A ideia de que Cristo veio, morreu, ressuscitou, ascendeu, reina à direita de Deus… mas ainda precisa reinar na Terra por mil anos antes de finalmente entregar o Reino — é simplesmente um insulto à lógica bíblica e à suficiência de sua obra.

Conclusão: O Maior Problema Não é o Milênio. O Problema É o Dispensacionalismo

Vamos encerrar com honestidade brutal: o tal “problema do milênio” não é o maior problema para o cristianismo. Nunca foi. Nunca será. O problema é, sempre foi, e sempre será… o dispensacionalista. É ele quem não suporta a ideia de um Deus que cumpre Suas promessas como Ele quer, quando quer, para quem quiser — mesmo que isso signifique dissolver as fronteiras étnicas, geográficas e geopolíticas em Cristo.

Portanto, zombem do milênio literal. Escarneçam da ideia de que Jesus depois de ter se humilhado e sido glorificado, vai se levantar do seu trono antes que se cumpram as promessas de Deus "até que sejam colocados todos os inimigos debaixo de seus pés" (Sl 110, 1 Co 15), ou então da ideia ridícula com um templo carnal e sistema levítico reciclado. E quando alguém vier defender essa palhaçada, ofereça a ele a Bíblia aberta em 1 Coríntios 15. Ou um mapa de Jerusalém. Ambos servem para mostrar o quanto ele está perdido.


segunda-feira, 16 de junho de 2025

Israel vs Irã: A Guerra que Pode Mudar o Mundo — e o Que a Bíblia Diz Sobre Isso

Israel vs Irã: A Guerra que Pode Mudar o Mundo — e o Que a Bíblia Diz Sobre Isso




Introdução: O Mundo em Alerta

Enquanto os olhos do mundo se voltam para o Oriente Médio, Israel e Irã se enfrentam numa escalada de tensão que ameaça desestabilizar a geopolítica global. Mísseis cruzam os céus, alianças se firmam nos bastidores, e milhões se perguntam: Estamos às portas da Terceira Guerra Mundial?


Mas para quem crê nas Escrituras, a pergunta mais importante é:

Essa guerra cumpre alguma profecia bíblica? Estaríamos no princípio das dores profetizado por Jesus?


Contexto: Por que Israel e Irã estão em guerra?

Israel e Irã são inimigos ideológicos e estratégicos há décadas.

Israel é uma democracia ocidentalizada no coração do mundo islâmico.

Irã é uma república teocrática xiita que sonha em "varrer Israel do mapa".


A tensão aumentou por:

Programas nucleares iranianos

Apoio do Irã a grupos como o Hezbollah e Hamas

Bombardeios israelenses preventivos na Síria e no Líbano

Ataques coordenados por milícias pró-Irã

Em 2025, isso tudo explodiu num conflito direto, com consequências que ninguém consegue prever completamente.


Profecia Bíblica e a Guerra

Muitos cristãos pensam imediatamente em textos como:

Mateus 24:6-7

“E ouvireis falar de guerras e rumores de guerras... Porquanto se levantará nação contra nação...”


Jesus não disse que cada guerra seria um sinal direto do fim, mas que elas seriam parte do cenário geral do fim dos tempos.


Ezequiel 38–39: A Guerra de Gogue e Magogue

Alguns associam Irã (antiga Pérsia) com os povos aliados de Gogue no ataque a Israel.

Embora a interpretação futurista veja isso como ainda por vir, há quem defenda um cumprimento parcial já no período pós-exílio ou até na Era da Igreja, como argumentam alguns reformados.


Apocalipse 16:12-16 – Armagedom

A ideia de uma guerra final envolvendo Israel também encontra eco em Apocalipse, mas não devemos cair no erro de usar qualquer manchete como se fosse cumprimento automático da profecia.

A Escritura vem primeiro; os eventos vêm depois.


O Perigo da Escatologia Sensacionalista

É tentador transformar cada conflito em cumprimento imediato da profecia. Isso alimenta canais, vende livros, e dá cliques. Mas também pode enganar muitos.

Não é hora de histeria. É hora de vigilância.


Como disse Jesus:

“Vede que não vos assusteis.” (Mt 24:6)


O Papel do Cristão em Tempos de Guerra

1. Informar-se com discernimento

Busque fontes confiáveis, não apenas teorias conspiratórias.


2. Orar pela paz (1Tm 2:1-2)

Sim, a Bíblia profetiza conflitos, mas nunca proíbe a oração por paz.


3. Evangelizar com ousadia

A guerra assusta, mas também desperta perguntas espirituais.

Use essa ocasião para apontar para Cristo, o Príncipe da Paz.


Conclusão: A Guerra é Real. A Esperança é Maior

Israel e Irã podem estar em guerra.

As nações podem tremer.

Mas o trono de Deus permanece firme (Salmo 103:19).

A Bíblia não nos foi dada para adivinhar datas, mas para anunciar verdades eternas. E a maior delas é:

“O Senhor reina; tremam os povos.” (Salmo 99:1)



domingo, 15 de junho de 2025

O Abandono Conjugal

 O Abandono Conjugal e o Direito ao Divórcio no Cristianismo Bíblico

Análise Ética, Exegética e Pastoral

“Deus nos chamou à paz.” (1 Coríntios 7:15)

Introdução

A Bíblia permite o divórcio em certos casos excepcionais, como a infidelidade sexual (porneía) e o abandono. Este estudo foca especificamente na natureza do abandono conjugal, buscando compreender, a partir da Escritura, da teologia reformada e de exemplos práticos, quando um cristão está biblicamente livre para se divorciar por abandono — mesmo quando o cônjuge não sai fisicamente de casa, mas rompe o pacto por outras formas funcionais de deserção.

1. O abandono em 1 Coríntios 7:15

Paulo reconhece que o casamento pode ser rompido legitimamente quando o cônjuge descrente se aparta (chōrizetai, no grego), ou seja, se separa, rompe o convívio conjugal.

Silogismo 1:

P1: A Escritura permite o divórcio quando há abandono real do vínculo conjugal.

P2: Abandono real pode ocorrer por separação física ou qualquer forma de cessação intencional das obrigações conjugais.

C: Portanto, o divórcio é lícito quando há abandono real, seja físico ou funcional.

2. O ato de expulsar o cônjuge de casa

Se uma pessoa expulsa o cônjuge de casa, ela é, de fato, quem o abandona, ainda que permaneça no lar.

Exemplo hipotético:

Joana e Pedro vivem juntos, mas Joana, por desdém e hostilidade constante, expulsa Pedro de casa, muda a fechadura e diz: “Nunca mais apareça aqui”. Nesse caso, ela é a parte abandonadora.

Wayne Grudem: “O abandono não exige necessariamente uma partida física. Pode ser caracterizado por qualquer ação que impossibilite a vida conjugal de maneira legítima e contínua.”¹

Silogismo 2:

P1: Quem impede o cônjuge de cumprir o pacto conjugal rompe o pacto.

P2: Expulsar o cônjuge de casa impede esse cumprimento.

C: Portanto, quem expulsa o cônjuge de casa comete abandono.

3. A recusa contínua de intimidade sexual

A recusa sistemática e deliberada de relações sexuais, sem justificativa bíblica, é uma violação direta do dever conjugal.

Exemplo hipotético:

Carlos e Letícia são casados há 6 anos. Letícia decide, sem causa médica ou teológica, que não manterá mais relações com Carlos, e isso perdura por anos. Nesse caso, ela abandonou um dos fundamentos do casamento.

John Frame: “A recusa em cumprir deveres conjugais básicos pode configurar abandono funcional, mesmo que o cônjuge ainda durma na cama ao lado.”²

Silogismo 3:

P1: O casamento implica deveres mútuos essenciais, incluindo a intimidade.

P2: A recusa contínua e impenitente de tais deveres destrói a essência do casamento.

C: Portanto, tal recusa constitui abandono.

4. Outras formas de abandono funcional

Além da expulsão e da recusa sexual, há formas graves de abandono funcional, como:

- Violência física ou emocional recorrente

- Negligência material grave e contínua

- Infidelidade persistente e não arrependida

- Separação emocional completa e deliberada

Jay Adams: “Se o pacto conjugal é rompido pela recusa contínua de viver como cônjuge, o divórcio pode ser legítimo.”³

Silogismo 4:

P1: Um casamento sem convivência verdadeira é um casamento só no nome.

P2: A Escritura permite que o vínculo seja desfeito quando o casamento é de fato destruído.

C: Portanto, a presença física não é garantia de um casamento válido.

5. A liberdade do cônjuge fiel

“... não está sujeito à servidão.” (1Co 7:15) — Isso significa que o crente não está preso ao vínculo, e está livre para casar-se novamente.

Exemplo prático:

Ana é cristã. Seu marido, Renato, abandona a fé, recusa o convívio, não a toca por 3 anos, não provê, e a expulsa emocionalmente de sua vida. Mesmo vivendo na mesma casa, ele abandonou Ana de fato. Segundo a Escritura e os teólogos reformados, Ana está livre.

Conclusão

A doutrina bíblica do abandono conjugal não se restringe ao ato físico de ir embora, mas abrange todas as formas em que o pacto matrimonial é quebrado de maneira intencional, contínua e destrutiva. O cristão não está condenado a uma vida de escravidão e agonia quando o outro cônjuge destrói o casamento.

“Deus nos chamou à paz.” (1Co 7:15)


Notas de rodapé

1. 1. Wayne Grudem, *Christian Ethics: An Introduction to Biblical Moral Reasoning*, Crossway, 2018, p. 939-943.

2. 2. John Frame, *The Doctrine of the Christian Life*, P&R Publishing, 2008, p. 810.

3. 3. Jay E. Adams, *Marriage, Divorce, and Remarriage in the Bible*, Zondervan, 1980, p. 82-90.


quarta-feira, 11 de junho de 2025

Quatro erros de interpretações Pré milenistas/futuristas




 1. Interpretar o Antigo Testamento sem a luz do Novo Testamento

 Erro:

Os futuristas e dispensacionalistas frequentemente interpretam profecias do Antigo Testamento (como Isaías, Ezequiel, Daniel, etc.) como se fossem independentes do Novo Testamento. Eles tomam literalmente promessas sobre a terra, o templo, o sacrifício e o reino terreno de Davi, ignorando que o Novo Testamento reinterpreta essas promessas de forma cristocêntrica e espiritual.


Exemplo:

A promessa da terra a Abraão (Gn 17) é aplicada universalmente a todos os crentes em Romanos 4:13 — "herdeiro do mundo".

A promessa do templo é cumprida em Cristo (Jo 2:19-21), na Igreja (Ef 2:21-22) e não em um terceiro templo literal em Jerusalém.

Regra reformada:

"O Novo Testamento é a chave para interpretar o Antigo."

2. Interpretar os Profetas (como João em Apocalipse) sem a luz dos Mestres (como Paulo)

Erro:

Os futuristas tratam Apocalipse 20 (que menciona o “milênio”) como a base de toda escatologia, sem considerá-lo à luz das doutrinas claras dos apóstolos — especialmente Paulo, que expõe com precisão a ordem da ressurreição, a parúsia, e o fim dos tempos (1 Cor 15, 2 Ts 1–2, Rm 8).

Exemplo:

Em 1 Coríntios 15:23-26, Paulo diz que Cristo virá, os mortos ressuscitarão, e virá o fim – sem milênio intermediário.

Os pré-milenistas inserem um reino terreno de 1000 anos entre a volta de Cristo e o fim, algo ausente em todos os ensinos apostólicos.


 Regra reformada:

"As porções mais difíceis devem ser interpretadas pelas mais claras."

 3. Interpretar textos claros com base em textos obscuros

Erro:

Eles tomam Apocalipse 20, um texto altamente simbólico e com múltiplas imagens apocalípticas, como base para reinterpretar textos doutrinários claros e literais como 1 Coríntios 15, 1 Tessalonicenses 4, João 5:28-29, etc.

Exemplo:

João 5:28-29 fala de uma única ressurreição geral para salvos e perdidos.

Apocalipse 20 é interpretado como duas ressurreições separadas por mil anos, forçando uma dicotomia que não está nos textos doutrinários.

Regra reformada:

“Não se deve estabelecer doutrina com base em textos escuros, mas sim à luz dos textos didáticos e explícitos.”


4. Ignorar que Deus falou aos profetas por símiles, figuras de linguagem, e querer tudo literal

Erro:

Os futuristas, pré-milenistas e dispensacionalistas frequentemente interpretam todas as profecias, especialmente as apocalípticas (como as do livro de Apocalipse), de forma estritamente literal, sem reconhecer que Deus usou símiles, metáforas, símbolos e outras figuras de linguagem para comunicar verdades espirituais profundas.


Exemplo:

Em Atos 2:16-17 (citando Joel 2:28-32), Pedro explica que o que os judeus estavam vendo no Pentecostes não era algo literal, mas cumprimento de uma profecia com linguagem simbólica.

O apóstolo Paulo também adverte que a profecia nem mesmo vem por vontade humana, mas é inspirada pelo Espírito e falada por pessoas movidas por Ele (2 Pd 1:21), o que envolve revelação com formas simbólicas e espirituais.

Em Apocalipse 12:10, as imagens de dragões, bestas e anjos não são literalmente criaturas físicas, mas representam realidades espirituais e poderes demoníacos.


Regra reformada:

A Escritura deve ser interpretada conforme seu gênero literário e contexto, reconhecendo símbolos e figuras para evitar erros e heresias.”


Resumo final dos quatro erros hermenêuticos:

1. Interpretar o Antigo Testamento sem a luz do Novo Testamento.

2. Interpretar os profetas sem a luz dos mestres apostólicos, como Paulo.

3. Interpretar textos claros com base em textos obscuros e simbólicos.

4. Interpretar figuras de linguagem e símiles como literalidades estritas.


Conclusão: Os erros são hermenêuticos, não apenas escatológicos

O pré-milenismo e o dispensacionalismo invertem a hierarquia da revelação.

Eles colocam o símbolo acima do ensino, a sombra acima da substância, e a narrativa judaica acima da realidade cristológica.

Cristo já reina (Ef 1:20-22; At 2:30-36), a ressurreição é futura e única (1 Co 15), e todas as promessas são “sim” e “amém” nele (2 Co 1:20).


O Reino Antes da Ressurreição: A Impossibilidade do Pré-Milenismo à Luz de 1 Coríntios 15




A escatologia bíblica é clara ao afirmar que a vitória de Cristo sobre todos os seus inimigos ocorre antes da ressurreição dos mortos. Qualquer tentativa de posicionar um "Reino milenar terreno" após a vinda de Cristo e a ressurreição dos crentes é uma distorção grotesca do ensino paulino. O pré-milenismo, com sua insistência em um reinado futuro após a derrota do último inimigo (a morte), é lógica e exegeticamente insustentável.

1. A Ordem Escatológica de Paulo

O apóstolo Paulo declara:

“Cada um por sua ordem: Cristo as primícias, depois os que são de Cristo, na sua vinda. Depois virá o fim, quando tiver entregado o Reino a Deus, ao Pai, e quando houver aniquilado todo império, e toda potestade e força.” (1Co 15.23–24)


A sequência revelada pelo Espírito Santo é simples:

1. Cristo ressuscita.

2. Os crentes ressuscitam na sua vinda.

3. “Depois virá o fim”, quando todo poder rival é destruído e o Reino é entregue ao Pai.

Não existe uma era futura entre a ressurreição e o fim. A própria estrutura do texto elimina qualquer intervalo para um reino terreno milenar.


2. O Último Inimigo e a Trombeta Final

Paulo prossegue:

“Porque convém que [Cristo] reine até que haja posto a todos os inimigos debaixo de seus pés. Ora, o último inimigo que há de ser aniquilado é a morte.” (1Co 15.25–26)

Se a morte é destruída na ressurreição (v. 52), e é o último inimigo, então não há mais batalhas escatológicas após isso. Logo, o pré-milenismo, que postula uma era de governo terreno com ainda mais rebeliões, é falsificado pela própria lógica do texto.



"Todos seremos transformados... ante a última trombeta; porque a trombeta soará, e os mortos ressuscitarão incorruptíveis...” (1Co 15.51–52)

Apocalipse 11 nos mostra o significado dessa última trombeta:

“O sétimo anjo tocou a trombeta... os reinos do mundo vieram a ser do nosso Senhor e do seu Cristo... chegou o tempo dos mortos serem julgados... e de destruíres os que destroem a terra.” (Ap 11.15–18)

Essa é claramente a última cena da história. Nenhum novo período ou milênio é possível após essa trombeta.


3. Silogismos Contra o Pré-Milenismo


Silogismo 1:

Premissa maior: O Reino é entregue ao Pai depois que todos os inimigos são vencidos (1Co 15.24).

Premissa menor: A ressurreição ocorre quando o último inimigo (a morte) é vencido (1Co 15.26).

Conclusão: Logo, não pode haver ressurreição no início do Reino de Jesus, pois ocorre após o Reino dele.


Silogismo 2:

Premissa maior: A última trombeta marca a ressurreição e o juízo final (1Co 15.52; Ap 11.15).

Premissa menor: O pré-milenismo exige eventos após a última trombeta.

Conclusão: Logo, o pré-milenismo contradiz a Escritura e é falso.


4. Testemunho de autores Calvinistas

> “O Reino de Cristo não será suprimido por um novo caos apocalíptico. Ele dominará até que o último inimigo — a morte — seja destruído, e então não restará mais nenhum.”¹

“Cristo reinará por meio da Palavra até que o mundo seja trazido ao seu domínio. Isso não é otimismo — é Escritura.”²

“A consumacão do Reino não se dá num período posterior à ressurreição, mas com ela. A Igreja não espera um milênio: ela aguarda a glorificação.”³

“A vitória do Reino ocorrerá na história, antes da vinda de Cristo. O crescimento do Evangelho entre as nações é garantido.”⁴

“O Reino que Cristo estabeleceu crescerá como o grão de mostarda até se tornar uma grande árvore, na qual as nações acharão abrigo.”⁵

> “A história redentiva aponta não para um colapso apocalíptico, mas para uma culminação gloriosa da Igreja sobre a terra.”⁶

"O futuro pertence ao Senhor, não ao caos milenar dispensacionalista.”⁷

“Cristo é Rei agora. E a Igreja deve proclamar essa soberania com plena esperança de vitória.”⁸



Notas de rodapé:

1. John Owen, The Death of Death in the Death of Christ.

2. Vincent Cheung, Systematic Theology.

3. Charles Hodge, Systematic Theology.

4. Jonathan Edwards, A History of the Work of Redemption.

5. João Calvino, Comentário sobre Mateus 13.

6. B. B. Warfield, The Millennium and the Apocalypse.

7. R. C. Sproul, The Last Days According to Jesus.

8. Kenneth Gentry, He Shall Have Dominion.





sexta-feira, 6 de junho de 2025

Contra o Concorrentismo e o Compatibilismo: Uma Defesa Ocasionalista

 

Contra o Concorrentismo e o Compatibilismo: Uma Defesa Ocasionalista

Introdução

O debate sobre a causalidade divina e a responsabilidade humana permeia séculos da teologia cristã. A tradição reformada, por meio de autores como João Calvino, Jonathan Edwards, Gordon Clark e Vincent Cheung, sustentou uma doutrina fortemente monergista da providência: Deus é a causa imediata e exclusiva de todas as coisas — inclusive dos atos morais das criaturas. Em contraste, o Concorrentismo e o Compatibilismo — posições populares entre tomistas, molinistas reformados e alguns calvinistas inconsistentes — afirmam que Deus coopera ou concorre com a criatura, mas que esta possui uma causalidade própria em nível secundário ou subordinado.

Neste capítulo, defenderemos que tais visões são incoerentes, antibíblicas e metafisicamente absurdas, especialmente à luz do ensino de Atos 17:28, o qual será o ponto focal da crítica.

I. A Causalidade Exclusiva de Deus: Quatro Argumentos Bíblicos Fundamentais

1. As criaturas sequer são chamadas de causas em relação a Deus

Quando José fala aos seus irmãos, ele afirma:

“Não fostes vós que me enviastes para cá, e sim Deus.”¹

E:

“Vós, na verdade, intentastes o mal contra mim; porém Deus o tornou em bem.”²

As ações humanas, embora reais, não são ontologicamente causais diante de Deus. O pecado dos irmãos foi o próprio plano de Deus para exaltar José.

2. A analogia do autor e personagem

“Os teus olhos viram a minha substância ainda informe, e no teu livro foram escritos todos os meus dias, cada um deles escrito e determinado, quando nenhum deles havia ainda.”³

Deus é o Autor soberano da história. Um personagem num romance não “concorreria” com o autor para produzir as ações do enredo. Seria absurdo afirmar que um personagem “coopera” com o autor em nível causal. Assim também é com Deus.

3. Jesus sustenta todas as coisas continuamente

 “Ele é antes de todas as coisas, e nele tudo subsiste.”⁴

Isso implica o criacionismo contínuo: cada átomo, pensamento e evento moral permanece existindo apenas porque Jesus ativamente o mantém.

4. Todas as coisas são causadas em Deus, e não em paralelo com Ele

“Nele fomos também feitos herança, predestinados segundo o propósito daquele que faz todas as coisas conforme o conselho da sua vontade.”⁵

“Assim como tu não sabes qual o caminho do vento, nem como se formam os ossos no ventre da mulher grávida, assim também não sabes as obras de Deus, que faz todas as coisas.”⁶

“Nosso Deus está nos céus; faz tudo o que lhe agrada.”⁷

“Ele sustenta todas as coisas pela palavra do seu poder.”⁸

II. A Redução ao Absurdo da interpretação dos aristotélicos de Atos 17:28

 “Pois nele vivemos, nos movemos e existimos...”⁹

Os compatibilistas alegam que o trecho “nele nos movemos” significa que produzimos nossos próprios movimentos, e que Deus apenas nos capacita ou sustenta. Isso implicaria uma espécie de “concorrência” ontológica onde Deus coopera com a criatura para que ela atue de forma autônoma, embora subordinada.

No entanto, tal leitura é gramatical e logicamente insustentável. Vejamos por quê:

1. Os três verbos são paralelos

A estrutura da frase é trina:

“Nele vivemos, nos movemos e existimos.”

Se o segundo verbo, “nos movemos”, é entendido como ação autônoma capacitada por Deus, o mesmo raciocínio deveria ser aplicado aos outros dois verbos. Mas então “nele existimos” significaria que produzimos nossa própria existência, o que é absolutamente absurdo. A criatura não causa sua própria existência. A existência da criatura é derivada e sustentada a cada instante pelo Criador.

2. O argumento leva ao politeísmo funcional

Se aceitarmos que a criatura é causa de si mesma em qualquer nível real de existência, então temos duas causas ontológicas independentes no universo: Deus e a criatura. Isso é o núcleo do politeísmo: mais de uma fonte de causalidade absoluta. É o mesmo erro ontológico de Platão, Aristóteles e dos pagãos que Paulo combate em Atos 17.

III. Testemunho de Autores Reformados e Ocasionalistas

Vincent Cheung:

“Se é ‘em Deus’ que nos movemos, então o movimento é um produto do sustento e do decreto divino, não da autonomia da criatura. O texto não diz que Deus apenas ‘permite’ ou ‘habilita’, mas que tudo o que somos e fazemos é nEle.”¹⁰

Jonathan Edwards:

“O ser da criatura depende constantemente de uma causa positiva. Remova a causa, e o ser cessa.”¹¹

Se existir é depender totalmente de Deus, o mesmo vale para mover-se ou agir moralmente.

Gordon Clark:

“Sustentar é causar. Se o movimento ocorre, e Deus o sustenta, Ele o causa. Caso contrário, o movimento é autônomo — o que é impossível.”¹²

João Calvino:

“Se o movimento não procede de Deus, mas apenas depende dEle, então a criatura se move por si mesma, o que é contra a doutrina bíblica.”¹³

Robert L. Reymond:

“Atos 17:28 ensina que todas as operações ontológicas do ser criado estão continuamente dependentes de Deus. A filosofia da autonomia humana é, portanto, heresia.”¹⁴

Herman Bavinck:

“As causas segundas não agem senão na medida em que Deus age nelas e por meio delas.”¹⁵

IV. Ocasionalismo como a única alternativa coerente

Se Deus é a única causa real, então as criaturas não são agentes ontológicos independentes, mas ocasiões nas quais Deus manifesta seu decreto. Isso não nega a realidade das ações humanas, mas define corretamente sua natureza metafísica.

O Concorrentismo, ao postular uma “causa secundária” ativa e real, acrescenta um princípio causal independente à ontologia cristã, tornando-se incompatível com o monoteísmo bíblico.

Conclusão

O Concorrentismo e o Compatibilismo falham:

Biblicamente, ao ignorarem a estrutura de textos como Atos 17:28 e Efésios 1:11;

Filosoficamente, ao multiplicarem causas ontológicas sem necessidade e sem motivos racionais

Teologicamente, ao insinuarem uma autonomia da criatura que contradiz a soberania absoluta de Deus.

A única posição fiel à Escritura e à razão santificada é o Ocasionalismo calvinista: Deus é a causa exclusiva de toda existência e movimento. As criaturas não concorrem com Deus, pois não possuem em si mesmas nenhuma causalidade verdadeira.

“A vontade do homem é como um cavalo. Se Deus cavalga sobre ele, ele vai para onde Deus quer. Se o diabo cavalga sobre ele, ele vai para onde o diabo quer. Mas o homem por si mesmo não pode escolher o cavaleiro.”¹⁶

Todo movimento — físico, moral, espiritual ou intelectual — é causado por Deus, e apenas ocorrido na criatura. Esta é a doutrina bíblica, esta é a doutrina reformada, esta é a verdade.

Notas de Rodapé

1. Gênesis 45:8

2. Gênesis 50:20

3. Salmo 139:16

4. Colossenses 1:17

5. Efésios 1:11

6. Eclesiastes 11:5

7. Salmo 115:3

8. Hebreus 1:3

9. Atos 17:28

10. Vincent Cheung, The Author of Sin, 2004, p. 15.

11. Jonathan Edwards, Of Being, in The Works of Jonathan Edwards, Yale University Press, vol. 1, p. 394.

12. Gordon Clark, God and Evil: The Problem Solved, 1996, p. 34.

13. João Calvino, Institutas da Religião Cristã, III.21.5.

14. Robert L. Reymond, A New Systematic Theology of the Christian Faith, 2nd ed., Thomas Nelson, 1998, p. 350.

15. Herman Bavinck, Dogmática Reformada, vol. 2, p. 618.

16. Martinho Lutero, De Servo Arbítrio, 1525.