domingo, 14 de setembro de 2025

Ad’Heim: A Lenda dos Três Desertores

 


por Yuri Schein 

O vento sussurrava nas folhas negras da Árvore Negra, carregando um aroma antigo, como se a própria madeira respirasse memórias de eras esquecidas. A clareira parecia pulsar de expectativa, cada raiz vibrando com vida, enquanto o grupo se acomodava, ainda sentindo os efeitos do teste que haviam acabado de superar. Os corpos em decomposição de Jetto e de outro companheiro jaziam a poucos metros, silenciosos lembretes da mortalidade e do peso de suas escolhas.

— Vocês pedem respostas… — começou o Ent, sua voz reverberando como o eco de mil troncos ancestrais — mas saibam que a história que vou contar é mais antiga do que qualquer um de vocês pode imaginar. A criação de Ad’Heim, que muitos chamam Adhein na língua mais antiga, não surgiu sozinha. Antes de toda luz e sombra, antes das florestas e dos mares, existiram os Hunens, quinze guardiões criados para manter a ordem do cosmos.

O ar pareceu se densificar, e raízes se curvaram em torno da clareira, como se preparassem a cena para uma narrativa sagrada.

— Cada Hunen era imenso, mais poderoso do que qualquer criatura que os mortais hoje ousam chamar de deus — continuou — e cada um tinha um papel específico. Mas entre os quinze, três eram superiores a todos os outros, três cujo poder excedia a compreensão da criação. Korangar, o mais antigo, mais poderoso e perigoso, conhecido entre os mortais pelo conceito que ele próprio encarna: o Caos.

O Ent fez uma pausa, e o vento levou folhas negras que giravam como pequenos tornados, cada uma refletindo luz em tons de verde e dourado, como se lembrassem das eras antigas.

— Korangar foi o primeiro a perceber que sua função era limitada: ele deveria proteger, guardar, observar… mas a ordem o aprisionava. E mesmo conhecendo a consequência de abandonar seu dever, escolheu fazê-lo. Sua decisão não foi feita por ódio ou rebeldia, mas por curiosidade e desejo de provocar mudanças — disse o Ent, suas palavras vibrando com um poder ancestral.

— Ele não partiu sozinho — continuou, e as folhas suspensas balançaram como em aprovação — persuadiu Otroneu, seu irmão, guardião do Nada, um conceito tão abstrato que apenas contemplá-lo causa vertigem. Otroneu, cuja função era manter o Nada, a ausência de tudo, também sentiu a monotonia de sua tarefa e foi convencido a abandonar seu papel. Juntos, Korangar e Otroneu decidiram que suas existências poderiam ser mais do que simples vigilância.

A clareira parecia se expandir, tornando-se mais vasta do que a percepção humana poderia abarcar, como se a própria Árvore Negra recriasse visões de eras anteriores.

— Mas não pararam por aí — disse o Ent, sua voz ganhando profundidade, quase como se ecoasse por toda Ad’Heim — Drodekh, o guardião da magia, observava o fluxo do mundo, a essência da criação que se espalhava em feixes e ondas. Korangar e Otroneu o convenceram de que, pela natureza da magia, ele não deveria restringi-la, mas permitir que fluísse livremente, sem regência. Drodekh, ainda mais sábio que os outros, compreendeu a lógica e tornou-se o terceiro a abandonar o dever que lhe fora dado.

Um silêncio pesado caiu sobre a clareira. As sombras se alongaram, e o grupo sentiu o peso de mil eras sobre seus ombros, a sensação de estar diante de segredos que nem mesmo os livros mais antigos poderiam registrar.

— Os outros doze Hunens não concordaram com eles — concluiu o Ent, com uma gravidade que fez o chão tremer levemente — e embora vissem os três desertores como traidores de sua função, decidiram não intervir. O mundo foi deixado em suas mãos, mas os observavam à distância, silenciosos, permitindo que Korangar, Otroneu e Drodekh vagassem por Ad’Heim, não como guardiões, mas como avatares, experimentando, interferindo, testando… e moldando eras sem que qualquer mortal suspeitasse de sua presença.

O Ent fez uma pausa final, suas folhas negras ondulando suavemente no ar parado.

— Esta é a verdade que poucos lembram e menos ainda compreendem — disse, e a voz parecia se fundir com a própria árvore — três irmãos que abandonaram seus destinos divinos para caminhar livremente, deixando a criação observar suas ações e aprender com os ecos de suas escolhas. Vocês agora têm em mãos um fragmento do mundo que eles tocaram, e é apenas o começo do que Ad’Heim revelará a vocês.

O grupo permaneceu em silêncio, absorvendo cada palavra. A magnitude da história esmagava suas mentes, a consciência de estarem diante de um passado tão antigo que transcendia o tempo, fazendo-os sentir-se pequenos e ao mesmo tempo parte de algo maior.

A clareira permaneceu imóvel, mas parecia respirar com vida própria, como se o Ent tivesse insuflado uma presença invisível em cada folha negra, em cada raiz torcional. E no centro, os brincos de Valeth continuavam flutuando, pulsando com uma energia antiga, um lembrete silencioso de que os testes e as histórias da criação ainda não haviam terminado.


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