domingo, 14 de setembro de 2025

Ad’Heim: O Despertar de Angarkor




por Yuri Schein 

O Ent continuou, suas palavras carregadas de peso ancestral, o tronco e os galhos tremendo levemente como se a própria terra sentisse o terror descrito:

— Ragnarok… — começou, cada sílaba vibrando como trovões distantes — não suportou o luto. O desespero que tomou sua consciência rompeu as leis que antes limitavam Korangar. O que antes era apenas uma presença latente dentro de Ragnarok tornou-se uma força viva, consciente, sedenta, capaz de moldar a própria realidade. Assim nasceu Angarkor, um Avatar do Caos sem limites, cuja mera existência distorcia o tecido do espaço, deformava dimensões e ultrapassava qualquer força criada ou concebida pelo mundo.

Os galhos da árvore negra se curvaram com um vento carregado de tensão, e o grupo sentiu um frio profundo percorrer suas espinhas.

— Seus irmãos — continuou o Ent, a voz agora um sussurro grave e reverberante — Neutro e Ordekh permaneceram conscientes de suas personalidades, mas mantiveram os nomes derivados de seus próprios anagramas, adotando uma forma mais discreta. Mas Angarkor… não mais suportava limitações. Ele buscou vingança.

O Ent inclinou-se, e as folhas caíram lentamente, como uma chuva negra sobre a clareira:

— Ele exterminou não apenas os assassinos de sua família, mas uma cidade inteira, gigantesca, que rivalizava com Lenória Imperial em beleza e população. Hoje essa cidade é conhecida como as Ruínas do Reino Sul de Lenória. Cada rua, cada torre, cada praça foi obliterada pelo poder de Angarkor.

O Ent levantou um galho, apontando como se o grupo pudesse ver através do tempo:

— Ele não usava armas comuns. Ele transmutou a realidade em suas mãos, criando dois katares que pareciam absorver o próprio caos que habitava sua essência. Cada lâmina era negra como obsidiana, refletindo fragmentos de rubi e carvão, como se chamas internas dançassem sobre o metal. Elas não apenas cortavam carne ou ossos — rasgavam o espaço ao redor, criando uma distorção palpável, como se o mundo tremesse com cada movimento.

O Ent descreveu os golpes com riqueza de detalhes:

— Angarkor avançava com velocidade sobrenatural, girando e perfurando o ar ao mesmo tempo, seus katares emitindo uma aura vermelha e negra que ardia como fogo e sombra combinados. Cada corte desintegrava a matéria; o sangue jorrava em explosões vermelhas e negras, misturando-se com as cinzas das construções que colapsavam antes mesmo de serem atingidas. Criaturas humanas e mágicas eram dilaceradas em segundos, corpos pulverizados ou decapitados como se o próprio tecido da vida fosse instável diante de sua presença. O chão da cidade se tornou um mosaico de vermelho vivo, fragmentos de carne, cinzas e destroços, uma tapeçaria de caos que refletia a magnitude de seu ódio.

A aura de Angarkor era mais que energia: era distorção. O ar ao redor parecia vibrar, cada raio de luz se curvava para evitar tocar suas lâminas, sombras vivas dançavam em torno dele, e o espaço se dobrava como água sobre as lâminas afiadas dos katares. Cada movimento criava microfendas na realidade, e cada impacto reverberava através do tecido dimensional do mundo.

— Assim nasceu Angarkor — disse o Ent, a voz carregada de pesar — o Avatar do Caos, um ser cuja fúria transcende leis, dimensões e limites mortais. E é por isso que até mesmo objetos aparentemente comuns, como os brincos de Valeth, podem carregar fragmentos de destinos que nenhum mortal deveria tocar

O grupo ficou imóvel, absorvendo cada palavra. A clareira parecia respirar junto com os segredos recém-revelados, e o Ent, imóvel e colossal, finalizou:

— Vocês caminham agora sobre os passos de seres que dobraram a realidade e desafiaram o próprio tecido de Ad’Heim. Tudo o que vier a seguir… testará não apenas a força de seus corpos, mas a coragem e a consciência de suas almas.


O Ent permaneceu imóvel por um instante, as raízes pulsando levemente sob o solo, a copa sombreando toda a clareira como se quisesse proteger ou punir ao mesmo tempo. Seus galhos se erguiam, carregados de folhas negras que pareciam absorver a própria luz. Então, com uma voz profunda, que reverberava no ar e nos ossos do grupo, ele falou pela última vez:


— Agora… não há mais como eu continuar contando esta história. Tudo o que tinha de revelar… já chegou até vocês.


E como se obedecesse a uma vontade própria, o colossal ser começou a se transformar. Sua forma antropomórfica, quase humana em sua imponência, lentamente se fundiu com a essência da floresta. Os galhos se entrelaçaram, a casca se fechou e se enegreceu, até que o Ent não era mais visível como criatura viva. Tornara-se uma árvore negra, imóvel, silenciosa, mas carregada de uma presença ancestral tão poderosa que fazia o vento ao redor parecer hesitar em tocar suas folhas.


O grupo, ainda ofegante, olhou ao redor em silêncio. O peso das revelações recém-escutadas se misturava com o temor de ter diante de si uma força impossível de medir. Foi então que algo chamou a atenção de todos: do meio da floresta, atrás das árvores mortas que cercavam a clareira, começou a subir uma coluna de fumaça, negra e espessa, que se ergueu aos céus com uma imponência jamais vista.

Era enorme, tão vasta que parecia engolir o horizonte, e mesmo à distância, irradiava um calor sufocante, fazendo o ar tremer e o chão vibrar levemente sob seus pés. O cheiro de queimado e fuligem misturava-se à umidade da floresta morta, tornando o ambiente quase irrespirável.

O grupo permaneceu imóvel, observando, apreensivo, sem saber se aquela fumaça era apenas sinal de destruição ou o prenúncio de algo muito maior, algo que poderia mudar o destino de tudo o que conheciam em Ad’Heim.

E ali, na clareira silenciosa, com o Ent agora imóvel como árvore negra diante deles e a fumaça crescendo sem controle ao fundo, o capítulo chegava ao seu fim, deixando o grupo, e o leitor, à beira de um suspense terrível.

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