por Yuri Schein
O uivo de Jetto estremeceu o vale morto, reverberando entre as árvores secas como o grito de um deus esquecido. A flecha, fincada em seu peito, brilhava como se fosse feita da própria lua, tremeluzindo contra as sombras que se contorciam em torno de seu corpo. Derek, arqueiro de olhos fixos e respiração pesada, mantinha o arco retesado, a corda ainda vibrando pelo disparo.
— Eu acertei… mas não é suficiente. — murmurou, ofegante, como se temesse que sua voz quebrasse o fio tênue que mantinha a besta contida.
Jetto caiu de joelhos, sua forma de lobisomem morto-vivo oscilando em trevas que se dissipavam e retornavam, como ondas de um mar corrompido. Seu hálito era pestilento, cheirando a carne podre e ferro oxidado. Ainda assim, em seus olhos avermelhados surgiu algo: não apenas fúria, mas dor… e consciência.
— Ikarus… Tomas… ajudem-me… — a voz de Jetto soou, misto de humano e fera, rasgada, quase irreconhecível.
Raella, com o cajado em mãos, avançou um passo, hesitante. A aura mágica que cercava Jetto era poderosa, um torvelinho de maldição antiga, talvez impossível de purificar. Ela ergueu o olhar para os demais.
— A maldição ainda pode ser quebrada. Mas… custará caro.
Thomas Walker, ainda com o sangue fervendo e as asas abertas, respirou fundo e respondeu, firme:
— Caro? O preço já foi pago. Rickson morreu, quase caímos todos nesta emboscada… Quantos mais precisamos perder?
Ikarus, apoiado em seu escudo, o peito sangrando do golpe que o lançara contra a árvore, ergueu a voz, embora fraca:
— Não se trata de números, Thomas. É Jetto… nosso irmão de armas.
Um silêncio mortal tomou conta do grupo. Apenas o farfalhar do vento entre galhos secos e os murmúrios espectrais da maldição preenchiam o vale. O luar parecia observar, frio e impassível.
Derek abaixou lentamente o arco, mas sua expressão não escondia a tensão.
— Se vocês hesitarem, eu não o deixarei viver para nos destruir.
Jetto, com um esforço sobre-humano, baixou a cabeça e, em um raro momento de humanidade, disse:
— Se não puderem… libertem-me. Mas não me deixem ser servo dessa treva.
Raella, chorando em silêncio, ergueu o cajado. A ponta irradiou uma mistura de luz branca e sombras dançantes — sua magia vermelha, o equilíbrio entre a cura e a condenação. Ela murmurou palavras arcanas que pareciam cortar o véu da própria maldição. As trevas em volta de Jetto uivaram, resistindo, como se mãos invisíveis tentassem segurá-lo.
O grupo recuou. O chão tremeu. Jetto soltou um último uivo, que se partiu entre agonia e alívio. O corpo dele caiu ao solo, humano outra vez, o peito marcado pela flecha de Derek, mas os olhos finalmente serenos.
Raella ajoelhou-se ao lado dele.
— Ele está livre… — sussurrou, com a voz embargada.
Thomas cerrou os punhos, furioso, mas não contra Jetto — contra a floresta, contra as maldições, contra o destino que parecia querer dilacerar cada um deles.
Ikarus colocou a mão no ombro do meio-dragão, firme, mesmo ferido.
— Ele morreu como um de nós. Isso não muda.
O grupo, agora carregando dois corpos — Rickson e Jetto —, reuniu o pouco de forças que restava. Derek os guiou adiante, suas flechas presas à aljava como último alento de esperança. Passaram pelo vale morto em silêncio, sob a lua crescente que parecia zombar de sua dor.
À frente, a floresta viva começava a reaparecer, mas sua beleza soava quase cruel depois do que haviam enfrentado. Era como se a vida da mata não pertencesse mais a eles. O vento trouxe um sussurro, e todos se entreolharam, em alerta. A Dríade ainda os aguardava.
E, agora, estavam ainda mais enfraquecidos.

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