domingo, 14 de setembro de 2025

Ad’Heim: A Saga dos Três Avatares

 


por Yuri Schein 

O vento sussurrava através das folhas negras da gigantesca árvore, e cada galho parecia pulsar com a respiração de séculos, de eras que antecediam a própria memória dos mortais. O Ent, imenso e ancestral, moveu-se lentamente, sua voz como o ranger de troncos antigos, pesada, profunda, mas clara o suficiente para que cada membro do grupo pudesse ouvir sem esforço, mesmo que suas mentes lutassem para absorver a magnitude daquilo que se aproximava.

— Vocês conhecem agora a lenda dos três desertores — começou, sua voz carregando a reverberação de eras, como se cada palavra fosse gravada na própria madeira da clareira. — Mas há mais a se revelar. A história deles não termina quando decidiram abandonar seus papéis como guardiões da criação. Quando deixaram de ser Hunens, tornaram-se avatares, seres capazes de vagar entre o mundo físico e a essência da própria magia de Ad’Heim, encarnando a vontade do universo em formas que mortais poderiam compreender.

O Ent inclinou-se ligeiramente, e sua voz ressoou, cheia de reverência e peso:

— Cada um deles, ao vagar entre os reinos, assumiu nomes que disfarçavam a verdade de sua origem, anagramas de seus nomes originais, ecos do poder que ainda carregavam. Ragnarok, o primeiro e mais temido, que havia sido Korangar, guardião do Caos, tornou-se o lendário samurai viajante, seu nome uma sombra do original, uma lembrança oculta de sua verdadeira essência. Trounne, guardião do Nada, transformou-se em Neutro, um nome simples, quase banal, mas carregado de significado — ele agora refletia a harmonia e a quietude que seu poder poderia oferecer. E o terceiro, guardião da Magia, Drodekh, passou a se chamar Ordekh, um mestre das artes arcanas, mantendo nos anagramas de seu nome as chaves para compreender as forças invisíveis que sustentam toda a criação.

O Ent inclinou-se mais próximo, como se sussurrasse para o próprio solo, e a clareira inteira pareceu ouvir, a própria sombra da árvore se alongando e envolvendo o grupo em uma tapeçaria de histórias ancestrais.

— Foram esses nomes — continuou — que acompanharam cada batalha, cada gesto heroico ou ato de sacrifício. No tempo que se seguiu à deserção, os três irmãos vagaram por Ad’Heim, enfrentando não apenas monstros, guerras e ameaças mortais, mas também os próprios limites da consciência. Pois, ao assumir formas físicas e agir entre mortais, os avatares perderam grande parte da clareza que possuíam enquanto Hunens. A magia, o caos, o nada — todos ainda pulsavam dentro deles, mas obscurecidos pelas leis que governam este mundo. Leis criadas para limitar o poder absoluto, para que nem mesmo os filhos da própria criação pudessem manipular os reinos à vontade, preservando o equilíbrio que os mortais chamam de realidade.

O Ent moveu-se em círculos lentos, galhos pesados emitindo rangidos surdos, enquanto sua voz pintava imagens no ar como se ele próprio tecesse tapeçarias de memória:

— Então veio a Guerra dos Duzentos Anos. Seis reinos do Norte contra cinco reinos do Sul, mais um herói vindo da distante ilha de Kallon. A guerra se estendeu por décadas, arrastando cidades, florestas e montanhas para o caos. Mas os irmãos — Ragnarok, Neutro e Ordekh — não lutavam apenas com armas ou magia. Eles eram avatares dos Hunens, e mesmo com consciência parcial de seus poderes, ainda carregavam ecos da força original. Cada feixe de magia, cada golpe de espada e cada manobra estratégica era influenciada por algo além de suas próprias mentes mortais.

O Ent fez uma pausa, e o grupo sentiu o peso da magnitude daquilo que ele narrava:

— Ragnarok, com sua disciplina marcial e força quase sobrenatural, liderava ataques que partiam exércitos ao meio; Neutro, com calma e previsibilidade, sustentava linhas defensivas e estratégias de sobrevivência que nenhum general mortal poderia conceber; Ordekh, mesmo limitado, moldava magia e encantamentos que transformavam rios, tempestades e o próprio terreno em aliados da batalha. E ao seu lado, o herói de Kallon, único entre mortais, trouxe coragem, liderança e sacrifício, permitindo que as ações dos três fossem coordenadas com a precisão que mortais jamais poderiam alcançar sozinhos.

O Ent suspirou, galhos rangendo com uma reverberação profunda que parecia atravessar o próprio tecido do espaço:

— No final, os exércitos dos reinos do Norte e do Sul caíram, e a guerra finalmente terminou. Mas não sem custo. Os irmãos, apesar de sua vitória, não podiam mais acessar plenamente a vastidão de seus poderes originais. As leis do mundo, os limites impostos por Ad’Heim para manter a realidade estável, diluíram sua consciência, deixando-os com fragmentos do que eram como Hunens. Eles triunfaram, sim, mas como mortais, não como deuses. E foi assim que os três avatares se tornaram lendas — figuras de reverência e temor, cujos nomes, Ragnarok, Neutro e Ordekh, ainda ecoam entre reinos e gerações, mas cuja verdadeira natureza permanece oculta até mesmo dos mais sábios.

O Ent levantou-se lentamente, cada galho e raiz reverberando com peso ancestral, e seu tronco negro parecia pulsar com memórias e ecos do passado.

— Agora vocês conhecem o que nenhum mortal deveria ouvir tão cedo. — A voz reverberava como trovão contido — Vocês devem compreender que a história que testemunharam não é apenas de guerra ou poder, mas de responsabilidade. O que os irmãos carregavam dentro de si poderia ter destruído mundos, mas foram contidos pela própria estrutura deste lugar, pelas leis de Ad’Heim que mantêm o equilíbrio, impedindo que qualquer força absoluta corrompa o tecido da criação.

E, por fim, a sombra da árvore negra envolveu a clareira, deixando o grupo em silêncio absoluto, os corações batendo acelerados, enquanto a magnitude do que haviam acabado de ouvir se instalava dentro de cada um deles como uma marca indecifrável.

O Ent, finalmente, afastando-se lentamente, concluiu:

— Lembrem-se, mortais… o mundo é antigo, e a memória do poder ainda pulsa nos nomes que vocês ouviram. Guardem-na, pois o que está por vir exigirá mais do que força ou magia. Exigirá entendimento do que significa realmente carregar o peso da criação.

A clareira ficou em quietude, a árvore negra imóvel, imponente, e o grupo, ofegante e pensativo, percebeu que o passado não estava apenas em histórias, mas moldava cada passo que dariam dali em diante.

Nenhum comentário:

Postar um comentário