Justino Mártir: o Filósofo de Cristo ou o Filósofo de Platão?
Após Inácio de Antioquia ter deificado o bispo, Justino Mártir entra em cena como o apologeta que buscava tornar o cristianismo palatável aos olhos do mundo greco-romano. Mas para isso, Justino trocou a espada do Espírito pela toga da Academia. O “mártir filósofo”, como é chamado com reverência em círculos patrísticos, tentou defender Cristo... usando as armas do paganismo. E ao fazer isso, traiu a epistemologia revelacional e preparou o terreno para o sincretismo entre Jerusalém e Atenas que dominaria a igreja medieval.
I. A Conversão Mal Explicada
Justino narra sua conversão nos seguintes termos:
> “Resolvi então dedicar-me à filosofia... Após ouvir diversos mestres, cheguei à conclusão de que o cristianismo era a verdadeira filosofia.”
(Diálogo com Trifão, cap. 8)
Para Justino, o cristianismo é apenas a conclusão lógica do itinerário filosófico que começa com Sócrates, atravessa Heráclito e culmina em Cristo. Cristo é o Logos, sim — mas para Justino, o Logos já iluminava os gregos muito antes da encarnação. Em sua Primeira Apologia (cap. 46), ele afirma:
> “Todos os que viveram segundo o Logos são cristãos, mesmo que tidos por ateus, como entre os gregos Sócrates, Heráclito e semelhantes.”
Essa é a gênese do inclusivismo pagão: a ideia de que o paganismo contém “sementes do Verbo”, e que Sócrates e companhia podem ser considerados cristãos anônimos. Esse é o avô espiritual do Vaticano II e da “luz do Logos” nas religiões do mundo.
Vincent Cheung refuta com precisão essa ideia:
> “Cristo não é a conclusão da filosofia pagã — ele é sua refutação. Os filósofos gregos eram falsos profetas; suas palavras não levam ao Pai, mas ao inferno.”
(The Word of God Is the Word of God, p. 18)
II. O Sincretismo Platonizante
Justino não apenas se inspira na filosofia grega; ele a canoniza informalmente. Sua cristologia e antropologia são influenciadas por categorias platônicas. A imortalidade da alma, como ele a descreve, é mais helenista que bíblica. Ele nunca abraça a ressurreição corporal como o centro do escaton, mas dá ênfase à alma imortal, à maneira de Platão.
Gordon Clark observa:
> “A imortalidade da alma, nos termos de Platão, é uma heresia. A Bíblia ensina a ressurreição do corpo, não a sobrevivência da alma em um éter metafísico.”
(Three Types of Religious Philosophy, p. 105)
Ao adotar o dualismo platônico, Justino ajuda a afastar o pensamento cristão da esperança escatológica bíblica — “a redenção do corpo” (Rm 8:23) — e o empurra para a metafísica helênica.
III. O Uso da Filosofia como Norma
Justino acredita que os gregos chegaram à verdade por meio do Logos sem nome. Ora, isso anula o ensino de Paulo em 1 Coríntios 1:
> “Visto como, na sabedoria de Deus, o mundo não conheceu a Deus por sua própria sabedoria, aprouve a Deus salvar os crentes pela loucura da pregação.” (1Co 1:21)
Paulo declara que a sabedoria grega é impotente para conhecer Deus; Justino diz que ela já O conhecia parcialmente. Paulo chama a cruz de escândalo e loucura; Justino quer emoldurá-la com lógica aristotélica e categorias socráticas.
John Frame, criticando a tendência de se submeter a revelação às categorias filosóficas, diz:
> “Quando se aceita um sistema filosófico como ponto de partida, mesmo que parcialmente, a autoridade final da Escritura é negada na prática.”
(The Doctrine of the Knowledge of God, p. 86)
Justino, nesse sentido, é um precursor da teologia natural aristotélica medieval. Ele se tornou o pai da apologética clássica — aquela que tenta provar Deus primeiro pela razão autônoma, e só depois pela Escritura. Mas como disse Lutero, a razão humana é uma prostituta: ela sempre trairá seu verdadeiro Senhor.
IV. O Problema Epistemológico
O problema de Justino é epistemológico: ele não parte da revelação como fundamento do conhecimento. Em vez disso, sua abordagem é evidencialista e naturalista. Ele quer mostrar que o cristianismo é racional dentro das categorias do mundo, quando deveria dizer que o mundo só é racional porque o cristianismo é verdadeiro.
Gordon Clark responde:
> “Não é que a razão humana leve ao cristianismo. É a revelação cristã que nos dá razão.”
(A Christian View of Men and Things, p. 20)
Justino tentou defender a fé cristã, mas fez isso com as ferramentas erradas — martelando o Evangelho com os pregos de Platão.
V. Conclusão
Justino Mártir é um paradoxo. Morreu por Cristo, mas viveu filosoficamente por Platão. Seu zelo é digno de honra; sua epistemologia, de reprovação. Ele representa a primeira grande traição intelectual dentro do cristianismo: a ideia de que a fé precisa do aval da razão humana para ser defendida.
O cristão pressuposicionalista deve olhar para Justino como um aviso: o caminho da filosofia não redime o Evangelho — apenas o deturpa. O sincretismo de Justino deu à luz a teologia escolástica e o romanismo, e seus descendentes ainda hoje tentam provar Deus com as ferramentas dos idólatras.
Como disse Van Til:
> “Não há ponto de contato entre o pensamento do incrédulo e a verdade de Deus, a menos que este seja regenerado.”
(The Defense of the Faith, p. 100)
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