quinta-feira, 15 de maio de 2025

Orígenes: o Alquimista da Heresia

Orígenes: o Alquimista da Heresia

Se Justino Mártir flertou com Platão, Orígenes de Alexandria o desposou em aliança blasfema. Justino tentou dar ao cristianismo uma cara racional; Orígenes o reformulou inteiramente à imagem da filosofia neoplatônica. Ele é o pai da alegoria desenfreada, o avô da apocatástase (restauração universal) e o bisavô do romanismo místico. Sua influência é tão vasta quanto sua confusão. Se há uma figura no cristianismo primitivo que sistematizou a heresia com zelo religioso, esse é Orígenes.

I. A Escritura como Labirinto Alegórico

Orígenes dividia a interpretação bíblica em três níveis: corpo, alma e espírito — eco direto da tricotomia platônica e do sistema neoplatônico de Fílon. O sentido literal era visto como inferior, quase indigno; o verdadeiro ouro da revelação só podia ser encontrado nas camadas ocultas da alegoria.

Em sua Homilia sobre Levítico, ele diz:

> “As passagens da Escritura que parecem absurdas ou impossíveis não devem ser desprezadas, mas interpretadas espiritualmente, pois escondem grandes mistérios.”

Ou seja, se a Bíblia disser algo que sua razão platônica não aceita, alegorize. Se ela disser que Deus endurece corações, crie um "sentido espiritual". Se afirmar que há inferno eterno, reinterprete como purificação pedagógica.

Calvino já condenava essa abordagem:

> “A alegoria é a embriaguez dos intérpretes. Onde a Escritura fala claramente, eles tropeçam em labirintos.”

(Comentário sobre Gálatas, introd.)

Gordon Clark é ainda mais severo:

> “Alegorizar é mentir. É trocar o significado de Deus pelo da imaginação humana.”

(What Do Presbyterians Believe?, p. 50)

II. A Subordinação do Filho

Orígenes sustentava uma eterna subordinação ontológica do Filho ao Pai. Embora chamasse o Filho de “Deus”, acreditava que ele era um deuteros theos — um “segundo deus”, inferior ao Pai. Isso não é trinitarianismo — é semiarianismo avant la lettre.

Em De Principiis, ele escreve:

> “O Filho é a imagem da bondade do Pai, mas não a bondade plena em si; pois o Pai é maior.”

Isso é uma heresia que preparou o caminho para Ário, a quem se atribui a negação formal da divindade de Cristo. Mas o ovo foi chocado no coração platônico de Orígenes.

A Escritura, ao contrário, diz:

> “Nele habita corporalmente toda a plenitude da divindade.” (Colossenses 2:9)

“Eu e o Pai somos um.” (João 10:30)

Vincent Cheung explica:

> “A distinção funcional na Trindade não implica inferioridade ontológica. Quem diz que o Filho é menor em essência nega a própria divindade.”

(Systematic Theology, p. 87)

III. A Heresia do Inferno Temporário

Orígenes defendeu a apocatástase: a ideia de que no fim, todos — inclusive Satanás — serão restaurados à comunhão com Deus. Isso anula o juízo, a santidade divina e a necessidade de redenção.

Segundo ele:

> “A punição é pedagógica, não eterna... todos os seres racionais serão restaurados.” (De Principiis, I, 6, 3)

Ora, o texto de Apocalipse 20:10 diz:

> “O diabo... será atormentado de dia e de noite pelos séculos dos séculos.”

Não há espaço para purgatório, regeneração dos demônios ou anulação do inferno. A justiça de Deus é eterna como sua glória.

Jonathan Edwards, falando do inferno:

> “A eternidade da punição glorifica a santidade de Deus. Negá-la é blasfêmia contra seu caráter.”

(The Justice of God in the Damnation of Sinners, p. 114)

IV. O Evangelho como Processo, não como Obra Consumada

Orígenes não cria na justificação pela fé como ato forense e consumado. Para ele, a salvação era um processo de ascensão intelectual e moral, uma escada mística pela qual a alma se purificava e se unia ao Logos. Em vez da cruz ser o ápice da revelação, ela é apenas um degrau.

Ele rejeita a substituição penal e interpreta o sacrifício como símbolo educativo.

Mas a Escritura diz:

> “Cristo morreu por nossos pecados, segundo as Escrituras.” (1Co 15:3)

“Porque com uma só oferta aperfeiçoou para sempre os que estão sendo santificados.” (Hebreus 10:14)

Gordon Clark, mais uma vez, corrige:

> “Ou Cristo pagou tudo de uma vez, ou então não é Salvador. A salvação é objetiva e completa, não subjetiva e contínua.”

(Faith and Saving Faith, p. 33)

V. Conclusão: A Mente Carnal Fantasiada de Espírito

Orígenes representa o triunfo da razão autônoma vestida de mística. Seus escritos misturam piedade e paganismo, verdade e fantasia, Bíblia e Babel. Ele é a junção de Platão com a cruz, a síntese do erro espiritualizado.

Cornelius Van Til diria que Orígenes tentou “reinterpretar o conteúdo da revelação dentro de um esquema racionalista”, traindo a fonte de toda verdade.

Orígenes foi um gênio? Sim. E também um herege. Um artesão do erro. Um alquimista espiritual que trocou a rocha da revelação pela fumaça das abstrações neoplatônicas.

Seu destino? Ser queimado nas fogueiras do Concílio de Constantinopla II. Mas antes disso, queimou muitas almas com suas doutrinas sutis e letais.



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