quinta-feira, 15 de maio de 2025

Marcião, o Editor da Blasfêmia

 

Marcião, o Editor da Blasfêmia

Marcião de Sinope (c. 85–160 d.C.) foi um homem tão impressionado com sua própria opinião que decidiu corrigir o próprio Deus. Escandalizado com o Antigo Testamento, resolveu rejeitá-lo por completo, alegando que o Deus dos hebreus não poderia ser o Pai de Jesus. Seu projeto? Um cristianismo sem judeus, sem Lei, sem criação, sem justiça — um cristianismo light, feito sob medida para mentes sensíveis à verdade, mas não sensíveis ao pecado.

Só que o produto final é exatamente o oposto da fé cristã: uma heresia tão escancarada que os pais da Igreja (inclusive Tertuliano) escreveram volumes inteiros só para refutar essa abominação elegante.

I. A Schizofrenia Teológica: Dois Deuses

O coração da heresia de Marcião é a teologia dualista. Ele propôs a existência de dois deuses:

O Deus justo do Antigo Testamento, um demiurgo mal-humorado, criador do mundo material, regulador da Lei, vingativo, tribal e cruel.

O Deus bom do Novo Testamento, Pai de Jesus Cristo, totalmente estranho à criação e à justiça, que veio salvar pela graça e misericórdia sem qualquer juízo.

Essa tentativa de bipartição de Deus é blasfêmia metafísica em estéreo. Marcião arrancou a doutrina da imutabilidade divina, pisou em cima da revelação progressiva e, no processo, inventou um politeísmo funcional com uma capa de monoteísmo. Calvino já teria cuspido no chão ao ouvir isso.

Mas a Escritura declara: “Eu, o Senhor, não mudo” (Malaquias 3:6) e “Jesus Cristo é o mesmo ontem, hoje e eternamente” (Hebreus 13:8). Se Deus mudou, Ele não é Deus. E se o Pai de Jesus é outro ser que não o Criador, então a cruz não tem qualquer sentido.

II. A Bíblia Segundo Marcião: Tesoura e Cola

Marcião também montou a primeira “bíblia herege” da história. Ele aceitou apenas um Evangelho — uma versão mutilada de Lucas — e dez cartas paulinas, também editadas à sua imagem e semelhança. Tudo o que parecia judaico, legal, ou baseado no Antigo Testamento era cortado sem piedade.

Isso não é exegese, é vandalismo textual. Tertuliano, em seu Adversus Marcionem, ridiculariza essa prática: “Marcião, com uma tesoura em vez de fé, forma seu evangelho do que lhe agrada e rejeita o restante.”

Marcião foi o precursor de todos os liberais bíblicos, neoteólogos, desconstrucionistas e pastores pop da atualidade: “Aceite a parte que você gosta, rejeite a parte que ofende.” Mas Paulo disse o contrário: “Toda a Escritura é inspirada por Deus” (2Tm 3:16) — incluindo Levítico, Jeremias e Deuteronômio.

III. Cristologia sem Carne, Salvação sem Justiça

Como bom gnóstico prático, Marcião também negava a encarnação literal de Cristo. Para ele, Jesus apenas pareceu ter um corpo (docetismo), pois Deus bom não poderia ter contato com a carne criada pelo demiurgo.

Assim, Jesus não nasceu, não sofreu, não morreu de verdade, e portanto, não redimiu ninguém. É uma cruz sem sangue, um Redentor sem corpo, um evangelho sem escândalo.

Mas Hebreus 2:14 destrói essa teologia-fantasma: “Visto, pois, que os filhos têm participação comum de carne e sangue, destes também ele, igualmente, participou.” Se Cristo não se fez carne, não se fez mediador. E se não há mediação, não há salvação.

IV. Graça sem Lei: a Ética Evaporada

Ao rejeitar o Antigo Testamento, Marcião também descartou toda base para ética objetiva. O Decálogo? Cancelado. Os profetas? Demitidos. A justiça de Deus? Substituída por sentimentalismo etéreo.

Marcião inaugura assim o “amor sem verdade”, ou o “deus do abraço”, que é o precursor de toda teologia liberal moderna. Ele quer um Cristo sem coroa de espinhos, um evangelho sem juízo final, um céu onde nenhum pecado é condenado — porque tudo é “graça”.

Mas Romanos 3:31 desafia esse veneno: “Anulamos, pois, a lei pela fé? De maneira nenhuma! Antes, confirmamos a lei.” A graça de Deus nunca é antinomiana — ela é uma graça que cumpre, não que cancela.

Silogismos Demolidores contra Marcião

Silogismo 1 – Onto-teológico

1. Se há dois deuses eternos, o cristianismo não é monoteísta.

2. O cristianismo é monoteísta.

3. Logo, Marcião não é cristão.

Silogismo 2 – Epistemológico

1. Se a Bíblia é a revelação completa de Deus, mutilá-la é rejeitar a autoridade divina.

2. Marcião mutila as Escrituras.

3. Logo, Marcião rejeita a autoridade de Deus.

Silogismo 3 – Cristológico

1. Se Cristo não teve corpo, não pode ter morrido pelos pecadores.

2. Marcião nega a encarnação real.

3. Logo, a salvação de Marcião é ilusão sem cruz.

Conclusão: o Pai dos Hereges Modernos

Marcião foi o avô espiritual dos “desconstrutores”, dos teólogos progressistas, dos críticos textuais seculares e dos crentes que querem um Jesus sem Antigo Testamento, sem ira, sem Lei, sem inferno. Sua teologia é tão sofisticada quanto o Twitter: baseada em sentimentos, sem fundamento, e mortalmente antibíblica.

Mas o Senhor Jesus nos ensina: “Não penseis que vim revogar a Lei ou os Profetas; não vim revogar, mas cumprir” (Mateus 5:17). Marcião revogou tudo. Jesus cumpriu tudo. Entre os dois, só há um Salvador. E não é o de Sinope.


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