terça-feira, 13 de maio de 2025

Xenofonte de Atenas: O Teólogo do Senso Comum e da Moral "Burguesa

 Xenofonte de Atenas: O Teólogo do Senso Comum e da Moral "Burguesa"

Se Platão converteu Sócrates em um profeta das ideias eternas, Xenofonte o transformou em um guru estoico pré-fabricado — uma mistura de coach motivacional, conselheiro de carreira e filósofo de salão de chá. Em suas obras, especialmente nos Memoráveis e na sua versão da Apologia de Sócrates, Xenofonte tentou restaurar a reputação moral de seu mestre, fazendo dele uma espécie de herói da sensatez ética. Mas o resultado é uma caricatura ainda mais estéril e patética do que o Sócrates metafísico de Platão.

O Sócrates de Xenofonte não busca o conhecimento das causas últimas, nem contempla Formas Eternas: ele apenas quer viver bem, educar jovens, obedecer às leis da cidade e — pasme — agradar aos deuses sem saber quem são. É um moralista pagão, um democrata tímido e um espiritualista raso. Em outras palavras, é um excelente exemplo de tudo o que um cristão não deve ser.

1. Um Sócrates Ético, Mas Ignorante de Deus

Xenofonte começa os Memoráveis com uma tentativa desesperada de salvar Sócrates da acusação de impiedade, não com base na verdade, mas em relações públicas. Seu argumento é: “Sócrates acreditava em deuses e fazia sacrifícios. Logo, não era ateu.” Parabéns, Xenofonte. Também poderíamos dizer que porque alguém acende vela e reza para estátuas, então tem conhecimento de Deus.

Gordon Clark, em Senhor Deus da Verdade, comenta com ironia: “Não é o ato de crer em deuses que redime, mas crer no Deus verdadeiro. Os gregos acreditavam em muitos deuses, e eram todos falsos. A idolatria nunca é virtude epistemológica.” Calvino diz com veemência que “o coração humano é uma fábrica de ídolos” (Institutas I.11.8). Portanto, que Sócrates tenha oferecido galos a Esculápio (como Platão registra) ou libações a Apolo (como Xenofonte afirma) não é sinal de piedade, mas de ignorância culpável — ignorância essa que o próprio Xenofonte celebra como sabedoria.

2. A Ética do Bom Senso: Moralismo Sem Fundamento

O Sócrates de Xenofonte ensina virtudes como justiça, moderação, obediência à lei e piedade aos deuses. Ele dá conselhos práticos, fala contra o luxo, elogia a frugalidade e valoriza o trabalho. Seria o filósofo perfeito para uma propaganda da Natura ou do Bradesco.

Mas a pergunta pressuposicional é: por quê? Por que ser justo? Por que obedecer à cidade? Por que sacrificar aos deuses? Xenofonte responde com argumentos de conveniência social, utilidade pessoal e tradição. É a moralidade do status quo. Nada de revelação divina, nada de lei transcendente, nada de imago Dei. Apenas o bom e velho pragmatismo pagão.

Vincent Cheung detona essa mentalidade em Presuppositional Confrontations: “A ética sem revelação é apenas conformidade cultural. O homem pode viver como um ‘cidadão exemplar’ e ainda estar condenado diante de Deus, porque seus pressupostos são idólatras. A bondade pagã é apenas rebelião polida.”

Carl F. Henry, em God, Revelation and Authority, reforça: “A ética verdadeira deve estar ancorada em uma revelação proposicional divina. Sem isso, tudo se reduz a relativismo, mesmo que disfarçado de virtude.” Xenofonte, portanto, substitui a verdade de Deus por máximas de senso comum. Sua ética é como um pão bonito feito com fermento estragado — parece apetitoso, mas mata o que se alimenta dela.

3. A Apologia de Sócrates: O Evangelho Segundo o Autoengano

Na versão de Xenofonte da Apologia de Sócrates, o filósofo não se apresenta como profeta do logos, nem como alguém com uma missão divina. Ele apenas afirma que viveu com moderação, educou jovens, nunca cometeu injustiça e sempre seguiu o conselho de seu daimonion — uma espécie de intuição divina.

Isso é patético. Em vez de confessar seus pecados diante do Deus Santo, Sócrates se vangloria de sua conduta moral. Em vez de clamar por misericórdia, gaba-se de ser irrepreensível. Em vez de implorar perdão, exibe suas boas ações como moeda de troca com o destino. Ele teria sido um excelente católico romano, se tivesse nascido séculos depois.

Clark, em Três Tipos de Filosofia Religiosa, explica: “O problema do paganismo não é apenas a falta de conhecimento verdadeiro, mas o orgulho de pensar que já o possui. Sócrates está convencido de sua virtude, e por isso sua ignorância é incurável.” O apóstolo Paulo responde: “Destruindo sofismas e toda altivez que se levanta contra o conhecimento de Deus” (2 Coríntios 10:5).

4. O Sócrates Como Educador: O Evangelho da Autodisciplina

Xenofonte mostra Sócrates como mentor de jovens, alguém que ensina os moços a serem produtivos, disciplinados e úteis à sociedade. Ele repreende a luxúria, incentiva a temperança, elogia o labor manual e a parcimônia econômica. Parece um mestre de ética protestante... até você perceber que tudo isso está fundamentado no nada absoluto.

Calvino, ao comentar o dilema de Eutífron, diz que os filósofos gregos — Platão, Aristóteles e seus seguidores — não conseguiram definir o bem sem depender de alguma forma da vontade divina. Mas como não tinham a revelação, se perderam em especulações. Ele comenta: “Não nego que se encontram nos filósofos antigos alguns dizeres piedosos e sublimes. Mas vemos que em nenhum deles há firmeza, nem retidão, porque não têm o fundamento: o verdadeiro conhecimento de Deus.”

Eis o veredito: a pedagogia moral de Sócrates via Xenofonte é um castelo de cartas. Sem revelação, é apenas adestramento ético para a perdição.

5. O “Teísmo” Implícito de Xenofonte: O Agnosticismo com Roupagem de Piedade

Xenofonte defende que Sócrates acreditava nos deuses e que seguia a sua voz interior (o famoso daimonion). Mas nunca especifica quem são esses deuses, o que eles revelaram, ou como se pode conhecê-los com certeza. Em resumo: Sócrates é um teísta sem teologia, um crente sem fé, um religioso sem Escritura.

Isso o torna primo-irmão dos teístas contemporâneos que dizem “acredito em algo superior” e “sigo minha consciência”. Para eles, o Deus que fala é inconveniente; preferem um deus que apenas sussurra impressões subjetivas.

Cheung despreza essa postura como o que ela é: covardia filosófica. Ele escreve: “A crença em um ser supremo sem proposições reveladas não é fé, mas superstição organizada. É um ateísmo educado.” Xenofonte pensava estar salvando Sócrates da acusação de impiedade, mas apenas reforçou o argumento: o filósofo de Atenas era piedoso como um pagão devoto de Zeus — o que, biblicamente, equivale a um idólatra condenado.

Epílogo – O Fracasso Elegante da Moralidade Sem Revelação

Xenofonte queria mostrar que Sócrates era um homem justo, sensato, piedoso e educador — mas terminou por provar que ele era apenas um incrédulo sofisticado, vivendo de máximas éticas sem fundamento metafísico. É o fracasso elegante da moralidade sem revelação. Uma vida “boa”, mas sem Deus — e, portanto, má até o osso.

Calvino tem razão: “De nada adianta ao homem parecer virtuoso aos olhos do mundo, se não está fundamentado na verdade de Deus.” (Institutas I.2.1). Sócrates, seja em Platão ou em Xenofonte, não chega à fé. E, como disse Carl Henry: “Não há ponte do homem para Deus; a ponte só existe de Deus para o homem, pela revelação e pela graça.”

O que Xenofonte nos dá, no fim das contas, é uma estátua moral feita de areia. Bonita, admirável, pedagógica — e absolutamente inútil. Se essa é a “melhor face” da filosofia grega, então louvado seja o Deus que destrói a sabedoria dos sábios e reduz a nada o entendimento dos entendidos (1 Coríntios 1:19).


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