domingo, 11 de maio de 2025

Jonathan Edwards, o Ocasionalismo e o Criacionismo Contínuo: O Calvinismo que Você Finge que Não Está na Sua Prateleira

 Jonathan Edwards, o Ocasionalismo e o Criacionismo Contínuo: O Calvinismo que Você Finge que Não Está na Sua Prateleira

"A grande e universal causa de todas as coisas é Deus.”

— Jonathan Edwards, Miscellanies, Entrada 94

1. Introdução: O Elefante Ocasionalista na Sala Reformada

O que você pensa quando ouve a palavra “ocasionalismo”? Um devaneio cartesiano? Uma heresia francesa de Malebranche? Talvez. Mas deveria pensar em Calvino, Westminster, Jonathan Edwards e sua Bíblia reformada. O ocasionalismo não é uma doutrina periférica para calvinistas sérios. Ele é apenas o nome técnico para aquilo que todo verdadeiro calvinista já crê — ou deveria crer — se não tivesse vendido sua alma para Aristóteles com um carimbo de “graça comum”.

2. Calvino: O Pão Não Alimenta por Si Mesmo

João Calvino, o próprio pai do calvinismo, refutaria boa parte dos reformados modernos com uma única frase. Em suas Institutas, ele escreve:

 “Pois é certo que nem o pão alimenta por si mesmo, nem o vinho reanima por si mesmo, mas que este é um efeito da secreta operação de Deus, pois Ele com Sua própria virtude nutre nossos corpos por meio destes instrumentos que Ele destinou para este fim.”

— Institutas da Religião Cristã, Livro I, Capítulo XVII, §5

Sim, você leu corretamente. O pão não alimenta. A natureza não tem poderes causais em si. A causalidade da criatura não é autônoma, não é ontológica, não é concorrente. A criatura é um meio, uma aparência, uma ocasião para o verdadeiro Causador: Deus. Calvino está sendo mais ocasionalista do que os próprios seguidores de Malebranche, e tudo isso mais de 50 anos antes de Malebranche nascer. E ainda assim, alguns reformados modernos seguem se humilhando diante das “causas segundas” como se fossem deuses menores.

3. Jonathan Edwards: O Criador Que Sustenta Criando

Jonathan Edwards (1703–1758), o mais poderoso metafísico da tradição calvinista, levou esse princípio às últimas consequências. Ele escreve:

 “A subsistência das coisas criadas por Deus no ser é completamente equivalente a uma criação contínua ex nihilo.”

(Works, Yale Edition, vol. 6, p. 337)

Edwards não brinca de “conservação ontológica” como os escolásticos. Ele afirma que, se Deus parar de pensar ou sustentar uma criatura, ela deixa de existir — não metaforicamente, mas literalmente. Isso é criacionismo contínuo. Isso é ocasionalismo reformado. Isso é calvinismo de verdade.

4. Gordon Clark: As Causas Secundárias São Máscaras da Idolatria Aristotélica

Gordon H. Clark (1902–1985) foi talvez o mais temido e imitado filósofo reformado do século XX — embora muitos tenham se esforçado bastante para imitá-lo sem o citar, como bons semipelagianos disfarçados de calvinistas com pós-graduação.

Clark é um defensor claro do determinismo bíblico, da soberania absoluta de Deus, e do que equivale a um ocasionalismo reformado sem nenhum tipo de vergonha escolástica.

a) As causas secundárias são nada

Para Gordon Clark qs chamadas causas secundárias não significam absolutamente nada por si mesmas. Clark desmonta a mitologia das “causas secundárias” que muitos reformados modernos adoram como se fossem santos padroeiros da física divina. Ele chama o termo de nominalismo piedoso — ou seja, palavras vazias que tentam manter uma ilusão de causalidade nas criaturas, quando o próprio sistema reformado afirma que Deus é o único verdadeiro agente ontológico.

b) O que Westminster chama de “causa secundária”, Malebranche chama de “ocasião”

Em The Lord God of Truth, ele observa:

 “O que os teólogos de Westminster chamavam de causas secundárias, Malebranche chamava de ocasiões.”

— Gordon H. Clark, The Lord God of Truth, p. 26, 48-49

Para Clark, isso não é um problema. É uma tradução terminológica. A Westminster não nega o ocasionalismo, ela apenas o disfarça em linguagem mais diplomática. Mas o conteúdo teológico é o mesmo: só Deus causa. As criaturas são instrumentos — ou para ser mais preciso, ocasiões — da vontade divina.

c) Determinismo Total: até os pecados são determinados

Em Predestination, Clark explica:

 “Deus controla todas as coisas — não apenas as ações boas, mas também os pecados dos homens.”

— Gordon H. Clark, Predestination, p. 19

E ainda:

 “O pecado é, em certo sentido, parte do plano de Deus. Deus decretou que ele aconteceria.”

— idem, p. 27

Clark não faz malabarismo moralista para defender Deus. Ele não corre para a trincheira tomista da “conservação divina” para tentar livrar Deus da responsabilidade ontológica de ser o Causador de tudo. Ele afirma: Deus decretou o pecado. Deus causa tudo.

d) A palestra sobre Isaías 45 — “Eu formo a luz e crio as trevas; Eu faço a paz e crio o mal”

Na palestra sobre Isaías 45:7, Clark declara:

 “Isaías não tem problema algum em dizer que Deus cria o mal. A Escritura diz isso. Se você tem um problema com isso, o problema é com a sua filosofia, não com o texto bíblico.”

Clark então aponta que a palavra hebraica usada para “mal” é רָע (raʿ) — a mesma usada para descrever catástrofes, juízos e até ações morais más. Ele critica os intérpretes que tentam suavizar o texto, dizendo:

 “Os exegetas tentam dizer que Deus apenas permite o mal. Mas Isaías diz que Ele cria. E não há outra palavra hebraica ali para confundir o leitor. É a mesma palavra usada para os atos perversos de homens ímpios.”

Clark termina a seção com sarcasmo clássico:

 “Se você insiste que Deus não cria o mal, então vá brigar com Isaías. Ou então reescreva a Bíblia e pare de fingir que é reformado.”

e) Teoria do Conhecimento e Determinismo Ontológico

Em Thales to Dewey, Clark mostra que a verdadeira causa de tudo não pode estar na criatura porque isso seria epistemologicamente impossível. A causalidade das criaturas é uma inferência ilegítima da filosofia empírica:

“A noção de causalidade baseada na observação sensorial é inválida. Não há como derivar conhecimento necessário a partir da experiência. Portanto, a ideia de causa-efeito na natureza não pode fundamentar a teologia.”

— Gordon H. Clark, Thales to Dewey, p. 293

Ou seja: se você baseia a causalidade na observação, você já perdeu. O empirismo não pode salvar nem mesmo um copo d’água da incerteza. Somente Deus como causa imediata dá conta do conhecimento, da ontologia e da salvação.

Ou seja, “causa secundária” é apenas a forma piedosa que os reformados antigos usavam para dizer “ocasionalismo”, antes que a patrulha escolástica-polida da faculdade reformada mais próxima viesse acusá-los de platonismo.

5. Vincent Cheung: Deus Causa Tudo, Inclusive o Teu Desconforto com Isso

Vincent Cheung, na linha de Clark e Edwards, escreve:

 “Dizer que Deus apenas permite o mal ou simplesmente deixa as coisas acontecerem não é bíblico. Isso é covardia filosófica. A Escritura diz que Deus causa tudo.”

(The Author of Sin, p. 18)

E também:

 “Se Deus não causa algo, então não pode acontecer.”

(Systematic Theology, p. 72)

Os cristãos que dizem que “Deus apenas permite” o mal estão apenas tentando manter uma aparência de reverência ao mesmo tempo em que salvam o livre-arbítrio ou uma versão batizada da física newtoniana. Mas no fim, essa piedade é uma blasfêmia sofisticada.

6. Alvin Plantinga: O Ocasionalismo Faz Mais Sentido

Até mesmo Alvin Plantinga, em seu artigo Law, Cause, and Occasionalism, admite:

 “Do ponto de vista da economia metafísica e da coerência teológica, o ocasionalismo pode ter vantagem sobre teorias que atribuem causalidade a substâncias criadas.”

(Faith and Philosophy, Vol. 1, No. 2, 1984, p. 174)

Plantinga não se rendeu totalmente — mas deu mais pontos ao ocasionalismo do que à causalidade concorrente que se tornou o evangelho alternativo de certos reformados aristotélicos. Quando até os filósofos analíticos começam a entender, talvez seja hora de parar de fingir que “causas secundárias” são mágicas.

7. Robert L. Reymond: Deus Causa o Mal (Sim, Você Leu Certo)

Robert Reymond, em sua Teologia Sistemática, afirma:

 “Afirmo que Deus causa decretatoriamente o mal, como ele é a causa decretatória de todas as coisas.”

(A New Systematic Theology of the Christian Faith, p. 399)

Embora Reymond, por respeito ao vocabulário reformado, negue que Deus seja “autor do pecado” (em sentido moral), ele claramente afirma que Deus causa todas as coisas. Ele nunca diz que a vontade das criaturas é uma causa independente ou que o mal ocorre sem a determinação divina. Ele não é covarde como os seguidores de Tomás.

8. Westminster: O Cânone do Calvinismo Confessa o Ocasionalismo

A Confissão de Fé de Westminster, Capítulo V, §1:

 “Deus, o grande Criador de todas as coisas, sustenta, dirige, dispõe e governa todas as criaturas, ações e coisas, desde a maior até a menor, por Sua sábia e santa providência...”

Sustenta. Dirige. Governa. Desde a maior até a menor. Desde a salvação de um eleito até a queda de uma folha. Isso não é deísmo. Isso não é dualismo. Isso é ocasionalismo — só que escrito com sotaque escocês.

9. Conclusão: O Calvinismo É Ocasionalismo ou É Nada

A ideia de que o mundo age com alguma causalidade independente de Deus é tão antibíblica quanto o arminianismo. É o último suspiro da filosofia pagã antes de morrer nas mãos da revelação. Você pode tentar salvar Tomás, Aristóteles ou Leibniz, mas não vai conseguir salvar o calvinismo da Escritura — e muito menos o Deus que a inspirou.

Negar o ocasionalismo é negar a soberania de Deus na prática. É dizer que há buracos no governo divino, que há zonas de autonomia na realidade. E isso não é calvinismo — é idolatria mascarada de prudência teológica.


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