Anaximandro e a Dança do Apeiron — O Nada Divinizado e a Falência da Filosofia Pré-Socrática por Yuri Andrei Schein
Anaximandro, discípulo de Tales e seu sucessor na gloriosa arte de tropeçar no próprio raciocínio, tentou dar um passo adiante em relação ao seu mestre — e como era de se esperar, caiu ainda mais fundo no abismo da especulação irracional. Se Tales já havia naufragado tentando construir o cosmos sobre a água, Anaximandro decidiu fazer pior: construir o universo sobre… nada. Nada específico. Nada concreto. Nada observável. Nada definível. Apenas o ápeiron — o indeterminado, o ilimitado, o indefinível. Em outras palavras, o “deus” da filosofia autônoma em sua forma mais pura: uma tentativa desesperada de evitar o Deus verdadeiro substituindo-O por um absoluto sem atributos, sem mente, sem palavra, e — portanto — sem valor.
I. O Ápeiron: O Deus da Ignorância Filosófica
O conceito de ápeiron é apresentado por Anaximandro como a substância originária de todas as coisas. Não água, fogo, ar ou terra — mas o indefinido. Aqui, temos um paradoxo digno de figurar nas obras humorísticas de Chesterton: um filósofo que acredita saber a origem de tudo… e diz que é “aquilo que ninguém pode conhecer”. Como R.J. Rushdoony diria, “o homem, quando nega a Deus, não se torna independente — ele apenas se escraviza ao nada” (The Foundations of Social Order). O ápeiron é, em essência, a divinização da ignorância. Ao invés de admitir sua incapacidade de conhecer o absoluto sem revelação, Anaximandro a transforma no próprio absoluto.
Esse tipo de pensamento não apenas falha epistemologicamente — ele insulta a inteligência. Pois se o princípio fundamental de tudo é o indeterminado, então tudo o que deriva dele também é indeterminado. E se tudo é indeterminado, então não há distinções, não há categorias, não há lógica, não há conhecimento. O ápeiron é a antítese da revelação — ele representa a tentativa do homem de fugir da luz divina mergulhando na escuridão da abstração total. Cornelius Van Til expressa isso claramente: “A razão autônoma tenta escapar de Deus, mas não encontra lugar para repousar os pés. Ela termina no nada ou no absurdo” (Christian Apologetics).
II. Filosofia sem Fundamentos: A Ontologia do Vácuo
O ápeiron é, literalmente, o tudo-nada. Ele é tudo no sentido de conter todas as coisas, e nada no sentido de não ser nenhuma delas. É a tentativa de criar um absoluto sem atributos, um fundamento sem estrutura, uma causa sem forma. Herman Dooyeweerd diagnosticou esse tipo de pensamento como a “dialética dos polos imanentes” — onde o pensamento humano oscila entre a absolutização da forma (racionalismo) e da matéria (irracionalismo). Anaximandro cai direto no polo irracionalista, fazendo do indefinido a raiz de todas as definições.
Mas essa fundação está afundada. Como pode algo indefinido gerar o definido? Como pode o caos produzir ordem? Como pode o impessoal gerar o pessoal? A Bíblia responde claramente: “Os céus proclamam a glória de Deus” (Sl 19:1), não do ápeiron. O cosmos não é um subproduto de uma substância cega e indefinida, mas a obra planejada de um Criador pessoal e racional. Anaximandro rejeita essa verdade e propõe o nada com aura metafísica como substituto. É como tentar explicar um livro dizendo que ele surgiu de uma explosão de tinta sem direção.
R.C. Sproul comenta sobre esse tipo de pensamento: “O irracionalismo é a morte da mente. Ele não pode produzir conhecimento, apenas confusão. E ainda assim, é o destino inevitável de todo pensamento que abandona o Deus da razão” (The Consequences of Ideas). O sistema de Anaximandro, ao rejeitar a inteligibilidade de Deus, resulta na ininteligibilidade total. Ele quer nos convencer de que tudo tem origem no indefinido — mas para afirmar isso, ele precisa usar linguagem, lógica, distinções conceituais, e categorias — tudo o que seu sistema, ironicamente, nega.
III. Moralidade no Vácuo: Justiça Cósmica Sem Juiz
Para piorar, Anaximandro ainda sugere que os opostos (quente e frio, seco e úmido, etc.) emergem do ápeiron e se combatem em um ciclo de justiça cósmica, onde cada elemento “paga uma penalidade” por sua transgressão. Mas quem estabelece essa justiça? Quem define essa penalidade? Qual lei regula esses ciclos? É aqui que a farsa se mostra por completo: Anaximandro fala como um profeta, mas sem um Deus. Ele invoca justiça sem um legislador, ordem sem um ordenador, punição sem um juiz.
O resultado? Um sistema moral que flutua no éter do simbolismo vago, sem autoridade real, sem sanção, sem propósito. Como Bahnsen explica: “O incrédulo quer roubar da cosmovisão cristã para dar sentido à sua própria. Ele usa categorias emprestadas para sustentar uma estrutura que, se fosse honesta, se autodestruiria imediatamente” (Van Til’s Apologetic). Anaximandro rouba a ideia de justiça, mas recusa a origem dela. Ele quer ordem sem soberania, quer teleologia sem Teos, quer moralidade sem Mandamento.
IV. A Revelação Contra o Indeterminado
O cristianismo reformado pressuposicional afirma que o conhecimento, a lógica, a moral e a ciência são possíveis apenas porque Deus revelou a Si mesmo. Essa revelação é proposicional, verbal, inteligível. O ápeiron é o anti-Verbo — uma tentativa demoníaca de sufocar a Palavra em uma massa disforme e amorfa de possibilidades infindáveis. Mas Cristo, o Logos, brilha nas trevas e as trevas não prevalecem (Jo 1:5).
Anaximandro, ao invés de se submeter ao Deus pessoal que fala, opta por um “deus” que jamais se revela. O resultado não é humildade intelectual, mas orgulho luciferiano: uma pretensa sabedoria que é, na verdade, a glorificação do mistério como substituto do conhecimento. Rushdoony novamente denuncia esse tipo de sistema como “tentativas humanas de criar uma ordem sem Deus — que terminam sempre em tirania ou em caos” (The One and the Many).
V. Conclusão: Do Apeiron ao Abismo
Anaximandro não nos deu uma filosofia — deu-nos um enigma oco. Sua proposta é um eco ancestral do niilismo moderno. Ele é o patrono dos existencialistas, dos místicos, dos agnósticos, e dos adoradores do “mistério sem dogma”. Ele é o padrinho das religiões orientais que falam do “Uno” sem atributos, das seitas esotéricas que veneram o incognoscível, e dos ateus pós-modernos que se escondem atrás do jargão acadêmico para dizer o mesmo que Anaximandro disse: “não sabemos, não queremos saber, e temos raiva de quem sabe”.
Mas o cristão, armado com a revelação infalível, responde com confiança: nós sabemos. Porque Deus falou. Porque Ele revelou Seu Ser, Sua vontade, e Seu propósito. Porque Ele não é ápeiron, mas Eu Sou. Porque Ele não é um abismo amorfo, mas um Pai pessoal. Porque Ele não é o indefinido, mas a Rocha eterna.
E assim, ao final, Anaximandro é deixado balbuciando no vácuo de sua própria filosofia, cercado pelo nada que ele mesmo adorava. A história não o absolve. A lógica não o sustenta. E a verdade o desmascara.
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