O Engano dos Sentidos e o Papel da Memória: Contra o Mito da Tábula Rasa.
Introdução: O Bezerro de Ouro dos Empiristas
Desde Locke até os materialistas do século XXI, uma idolatria filosófica se mantém firme e crescente: a crença de que os sentidos são a base do conhecimento. Como se o olho, o ouvido, o tato, o paladar e o olfato – simples órgãos biológicos, sujeitos ao erro, à limitação e ao colapso – pudessem servir como fundamento seguro para a epistemologia. Como se o homem fosse realmente uma tábula rasa, um papel em branco sobre o qual o mundo externo imprime, por via sensorial, as letras da verdade.
Essa ideia não é apenas falsa. Ela é blasfema. É a tentativa de substituir o Verbo por impulsos nervosos, a revelação de Deus pelo ruído dos objetos. E, como toda idolatria, ela termina em loucura (Romanos 1:21-22).
I. O Ocasionalismo: Contra a Autonomia Sensorial
Como ensinavam Malebranche, Vincent Cheung e Gordon Clark – e como eu sempre defendi e sustentei com veemência – os sentidos não são fontes de conhecimento. Eles são, na melhor das hipóteses, ocasiões providenciais nas quais Deus nos lembra ou nos revela algo. Como afirma Cheung:
“A ideia de que a sensação por si só produz conhecimento é completamente sem base. O empirista que olha para uma maçã e conclui que a maçã existe com base em sua experiência sensorial está apenas fazendo uma inferência injustificada. Nenhuma dedução lógica o leva de uma sensação a um objeto externo.”
Ou seja, ver algo vermelho, redondo e brilhante não justifica dizer que há uma maçã fora da mente. O que justifica isso é Deus, que soberanamente concede o conhecimento, e que pode usar a sensação como ocasião – não como causa – para a iluminação do entendimento.
II. Contra a Ilusão Racionalista
Do outro lado da trincheira filosófica, encontramos os racionalistas. Se os empiristas querem fundar o conhecimento sobre os sentidos, os racionalistas tentam construí-lo com a razão humana autônoma. Mas tanto um quanto o outro se ajoelham diante de falsos deuses: os primeiros adoram o corpo, os segundos, a mente caída.
A razão, separada da revelação, não passa de um espelho quebrado. Como Clark demonstrou, a razão é útil apenas quando subordinada à Palavra de Deus. O problema não está no uso da lógica – que, por si mesma, é reflexo da mente de Deus – mas no pressuposto da autonomia racional. A razão humana, apartada da Escritura, é como uma lâmpada desconectada da tomada: potencialmente brilhante, mas atualmente inútil.
III. Os Sentidos Como Ocasião, Nunca Causa
Voltemos aos sentidos. Se não são fontes de conhecimento, o que são?
A resposta é: instrumentos providenciais que Deus pode usar como ocasião para ativar a memória ou ensinar algo novo pela Sua revelação direta. Isso significa que os sentidos não fornecem dados crus que depois são processados pela mente, como ensina o empirismo. Em vez disso, a mente já possui categorias reveladas por Deus, e os eventos sensoriais são apenas o cenário providencial para que essas verdades sejam lembradas, aplicadas ou expandidas pelo Espírito.
Por exemplo: ao ver um raio no céu, um cristão pode se lembrar do poder de Deus (Jó 37:3). Mas ele não aprendeu sobre o poder de Deus a partir do raio. Ele já sabia disso pela Escritura. O raio apenas serviu como ocasião providencial para a memória funcionar.
Da mesma forma, alguém pode ver um texto bíblico impresso em uma página e compreender sua verdade. Mas a impressão visual da tinta no papel não causou o entendimento. Foi o Espírito de Deus que, soberanamente, usou aquela ocasião sensorial para ensinar o coração.
Podemos dizer que O empirismo destrói a alma ao dar à retina o papel que pertence ao Espírito. Os sentidos não são autores da verdade, são mensageiros providenciais. O olho não gera a luz da razão; ele apenas vê quando Deus acende o farol da revelação.
IV. A Memória: Uma Ferramenta Intelectual Providencial
E o que dizer da memória? A memória não é uma biblioteca autônoma, onde o homem armazena sua sabedoria como um hamster estoca comida. A memória também está sob o controle da providência divina.
Na cosmovisão bíblica, Deus não apenas revela verdades novas por ocasião dos sentidos, como também faz lembrar as verdades já reveladas. Foi o próprio Cristo que prometeu aos seus discípulos que o Espírito Santo lhes faria lembrar todas as coisas que Ele lhes havia dito (João 14:26). Ou seja, até a memória, quando frutífera, é fruto da ação divina.
Portanto, quando alguém “se lembra” de algo ao ver uma imagem, ouvir uma música ou sentir um aroma, isso não é uma ação meramente psicológica. É um evento providencial. O sentido forneceu a ocasião, mas foi Deus quem ativou a lembrança.
V. Implicações Práticas e Apologéticas
Essa perspectiva tem implicações monumentais para a epistemologia e para a apologética:
O conhecimento não é empírico nem racional no sentido autônomo: é revelacional e ocasionalista.
A apologética cristã não deve defender a confiabilidade dos sentidos em si, mas sim a confiabilidade de Deus, que pode usar os sentidos como meios contingentes para comunicar a verdade.
A epistemologia cristã começa com axiomas revelados, como “a Bíblia é a Palavra de Deus”. Tudo o mais é deduzido disso.
A dúvida cética sobre os sentidos é justificada – mas só a cosmovisão cristã ocasionalista pode superar essa dúvida, não reforçá-la.
Conclusão: Revelação ou Nada
Se a mente é um espelho, ele é feito por Deus. Se os sentidos são janelas, são janelas de uma casa que Deus construiu. Se a memória é um arquivo, ela é gerida por um bibliotecário soberano.
No final das contas, só há duas opções: ou o homem crê na revelação de Deus, ou naufraga no mar escuro da dúvida, da autonomia, da carne e do caos.
O empirista olha para o mundo e tenta entender a mente. O racionalista olha para a mente e tenta entender o mundo. O cristão olha para a Escritura e entende ambos.
Como conclui Vincent Cheung:
“A única epistemologia válida é aquela que começa com a revelação divina. Todo o resto é ignorância sistematizada.”
Podemos concluir que: Os sentidos são servos cegos; só veem quando o Rei manda luz. E a mente é escrava caída; só se ergue quando Deus fala. Portanto, não conhecemos nada por nós mesmos, mas tudo por Cristo, o Logos revelado
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