sábado, 30 de agosto de 2025

O Pós-Milenismo em Semente: Uma Exposição de Juízes 2.16-19

 Por Yuri Schein 

“Suscitou o Senhor juízes, que os livraram da mão dos que os saqueavam. Contudo, não obedeceram aos seus juízes; antes se prostituíram após outros deuses, e se inclinaram diante deles; depressa se desviaram do caminho em que andaram seus pais, obedecendo aos mandamentos do Senhor; porém não fizeram assim. Quando o Senhor lhes suscitava juízes, o Senhor era com o juiz, e os livrava da mão dos seus inimigos todos os dias daquele juiz; porquanto o Senhor se compadecia deles ante os gemidos que, pela opressão, lhes causavam os que os apertavam. Sucedia, porém, que falecendo o juiz, reincidiam, e se tornavam piores do que seus pais, andando após outros deuses, servindo-os, e inclinando-se diante deles; não deixavam as suas obras, nem o seu obstinado caminho.” (Jz 2.16-19)

O Ciclo de Juízes como Estrutura Escatológica:

O livro de Juízes é frequentemente lido apenas como um registro caótico de decadência moral, política e espiritual em Israel. Porém, como toda Escritura, ele aponta para Cristo (Lc 24.27). O padrão narrativo, queda, juízo, clamor, libertação, paz, é uma miniatura da história da redenção. Ele não deve ser interpretado como uma mera repetição sem saída, mas como tipologia pedagógica: cada juiz temporário aponta para o Juiz escatológico, Cristo, cuja libertação não é episódica, mas universal e definitiva.

O pós-milenismo lê Juízes não como um testemunho de derrota inevitável da Igreja na história, mas como o protótipo das vitórias progressivas de Cristo. O texto em foco mostra que, apesar da infidelidade do povo, Deus suscita governantes justos e garante vitórias históricas contra inimigos concretos. Isso é justamente o modelo da era messiânica: Cristo, o Juiz perfeito, vence e submete progressivamente as nações (Sl 2; Sl 110; 1Co 15.25).

O Senhor que Levanta Juízes é o Cristo que Reina

O texto insiste: “Suscitou o Senhor juízes” (Jz 2.16). Não foi iniciativa humana, não foi fruto da força militar de Israel, mas intervenção soberana de Deus. Aqui está a raiz ocasionalista da história: cada ato de libertação não nasce do livre-arbítrio humano, mas do decreto divino. Gordon Clark explica: “Deus é a causa do pensamento e da ação do homem. Se há vitória ou derrota, ela vem da mente de Deus e não da autonomia humana”[1].

Logo, o padrão tipológico se cumpre em Cristo: assim como Deus levantava juízes temporários para libertação parcial, Ele levantou um Juiz eterno para libertação universal. O Novo Testamento confirma: Deus o exaltou à destra e lhe deu toda autoridade nos céus e na terra (Mt 28.18). O pós-milenismo é, portanto, o desenvolvimento lógico de Juízes: se o Senhor sempre intervém para libertar Seu povo, quanto mais o fará em Cristo de modo global e irreversível.

A Presença de Deus com o Juiz e o Espírito Santo na Igrej

“O Senhor era com o juiz” (Jz 2.18).

Essa frase mostra que a vitória não dependia da habilidade do juiz, mas da presença de Deus. Ora, no Novo Testamento essa presença se intensifica: não apenas “com” um líder, mas em todo o povo de Deus pelo Espírito Santo (Jo 14.16-17; At 1.8). Se com juízes falhos e temporários Israel teve vitórias notáveis, quanto mais a Igreja, revestida do Espírito eterno, triunfará progressivamente na história.

A tese amilenista ou pré-milenista, que insiste em ver a história da Igreja como fracasso contínuo, não é coerente com o padrão de Juízes. Pois se até em meio à apostasia tribal Deus garantia libertações históricas e períodos de paz, por que em Cristo, o Juiz final, deveríamos esperar menos? Como ironiza Vincent Cheung: “Reduzir o reinado de Cristo a uma série de derrotas históricas é dizer que os juízes falhos foram mais eficazes que o próprio Rei do universo”[2].

O Pós-Milenismo Implícito: Vitória Progressiva e Descanso Real

A cada ciclo, o povo recaía. Mas o texto é claro: enquanto havia juiz levantado por Deus, os inimigos eram vencidos e o povo desfrutava descanso. Isso ecoa Hebreus 4: Josué e os juízes não deram o descanso pleno, mas tipificaram o descanso final que Cristo traria. E se o descanso messiânico já foi inaugurado na ressurreição (Hb 4.8-10), o pós-milenismo ensina que ele se expande historicamente, até cobrir as nações (Is 11.9; Mt 13.31-33).

A escatologia pessimista lê Juízes apenas pelo lado da recaída; o pós-milenismo, pelo lado da vitória crescente. O clímax do livro, a ausência de rei (Jz 21.25), aponta para a necessidade do Rei messiânico. E esse Rei já veio. Negar que Ele triunfará progressivamente na história é regressar ao caos tribal de Juízes, como se Cristo não tivesse assumido o trono.

A Compaixão de Deus e o Avanço do Evangelho

“O Senhor se compadecia deles ante os gemidos...” (Jz 2.18).

A motivação da intervenção divina não foi mérito humano, mas compaixão soberana. Assim também, a expansão do Reino não depende do mérito da Igreja, mas da graça irresistível de Deus. O pós-milenismo não é otimismo ingênuo no homem, mas confiança no decreto divino de Cristo conquistar as nações pela sua graça. Rushdoony escreve: “A história é a arena do domínio progressivo de Cristo; negar isso é negar que a compaixão de Deus se traduz em vitória histórica”[3].

Do Ciclo ao Clímax Escatológico

O ciclo de Juízes termina em frustração porque aponta para algo maior. O juiz morria, o povo recaía. Mas em Cristo temos um Juiz que não morre mais (Rm 6.9) e cujo reinado não conhece fim (Lc 1.33). O ciclo se rompeu. A vitória agora não é apenas episódica, mas cumulativa. Paulo confirma: “É necessário que Ele reine até que haja posto todos os inimigos debaixo de seus pés” (1Co 15.25).

O pós-milenismo é apenas a leitura consequente desse fato: o Juiz eterno está reinando, e o ciclo da derrota já foi quebrado. O padrão de Juízes só faz sentido como sombra do triunfo definitivo de Cristo na história.

Refutando o Molinismo e o Dispensacionalismo

O molinismo insiste que Deus apenas “prevê” os ciclos e os ajusta. Mas Juízes 2.16-19 é categórico: Deus suscita, Deus livra, Deus compadece. Não há espaço para contingência autônoma. A vitória vem do decreto eterno, não de “mundos possíveis” imaginários.

O dispensacionalismo, por sua vez, lê Juízes como prova de que o homem sempre falha, logo, apenas a intervenção cataclísmica final de Cristo trará vitória. Mas o texto não mostra apenas falha: mostra também períodos reais de vitória e descanso no tempo presente. Se isso foi verdade em sombras, quanto mais na realidade messiânica inaugurada.

Juízes 2.16-19 não é apenas uma nota sombria de apostasia, mas uma miniatura profética do Reino: o Senhor levanta juízes, está com eles, liberta o povo, concede descanso. O padrão tipológico aponta para Cristo, o Juiz definitivo, cuja vitória é global e irreversível. Ler Juízes à luz da cruz e da ressurreição só pode levar a uma conclusão: a história culmina não em derrota, mas no triunfo histórico do Reino de Deus.

O pós-milenismo não é uma invenção moderna; é a hermenêutica consequente da própria estrutura da revelação bíblica. Juízes, em sua tensão entre queda e vitória, aponta para o clímax em Cristo: o Juiz que reina eternamente e traz descanso às nações.


Referências

[1] Gordon H. Clark, Religion, Reason, and Revelation. Presbyterian and Reformed, 1961.

[2] Vincent Cheung, The Author of Sin. Boston: Reformation Audio Press, 2004.

[3] Rousas John Rushdoony, God’s Plan for Victory: The Meaning of Postmillennialism. Vallecito: Ross House Books, 1977.

Greg L. Bahnsen, Victory in Jesus: The Bright Hope of Postmillennialism. Texarkana: Covenant Media Press, 1999.

Kenneth L. Gentry,

 He Shall Have Dominion: A Postmillennial Eschatology. Draper: Apologetics Group Media, 2009.

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