Por Yuri Schein
A narrativa de Sansão ocupa os capítulos 13 a 16 de Juízes. Tradicionalmente, muitos intérpretes veem Sansão apenas como um herói trágico, um juiz forte e ao mesmo tempo moralmente frágil. Mas se lermos a história em conexão com a totalidade da revelação bíblica, especialmente à luz de Cristo e da consumação do Reino, percebemos que Sansão é um tipo da vitória messiânica e um prenúncio do triunfo da Igreja no mundo, precisamente o que o pós-milenismo afirma.
Sansão foi levantado por Deus em tempos de opressão filisteia. O anjo do Senhor prometeu a Manoá e sua esposa que o filho seria nazireu desde o ventre, “e ele começará a livrar Israel das mãos dos filisteus” (Jz 13.5). A frase “começará a livrar” é fundamental: Sansão não completaria a obra, mas inauguraria um processo que aponta para uma libertação maior, exatamente como Davi derrotou Golias, mas a vitória final só se cumpre em Cristo (1Co 15.25-28).
O Espírito do Senhor em Sansão e a expansão do Reino
Repetidamente lemos: “O Espírito do Senhor o possuía” (Jz 14.6, 14.19; 15.14). Isso antecipa o derramamento do Espírito em Pentecostes (At 2), onde não apenas um homem é capacitado, mas toda a Igreja recebe poder para testemunhar até os confins da terra. Sansão aponta para a vitória escatológica, mas o Espírito em Atos garante que essa vitória se torne realidade histórica.
Enquanto Sansão derrota mil homens com uma queixada de jumento (Jz 15.15), a Igreja derrota nações inteiras com a espada da Palavra. O episódio é simbólico do cumprimento da promessa: “O Senhor disse ao meu Senhor: Assenta-te à minha direita, até que eu ponha os teus inimigos debaixo dos teus pés” (Sl 110.1; cf. Hb 10.13).
A queda do templo de Dagom e a destruição da idolatria
O clímax da narrativa está em Juízes 16.23-30, quando Sansão, já cego e humilhado, ora ao Senhor e derruba as colunas do templo de Dagom, matando mais na morte do que em toda a sua vida. Este episódio é escatológico: o poder de Deus abate os ídolos e destrói os inimigos em um ato de juízo. Paulo ecoa esse tema ao dizer que Cristo despojou os principados e potestades, triunfando sobre eles na cruz (Cl 2.15).
Assim, a queda do templo filisteu é um prenúncio da queda da Babilônia em Apocalipse 18, e do fim de todos os falsos deuses. Como escreveu João Crisóstomo:
“Sansão, ao morrer, destruiu mais inimigos do que em sua vida. Assim também Cristo, ao morrer, derrubou o império do diabo e libertou multidões.”¹
O pós-milenismo se apoia justamente nessa progressão: o juízo contra os ídolos já foi decretado em Cristo e será manifestado na história pela expansão do Reino.
Sansão como tipo de Cristo e da Igreja vitoriosa
Sansão é um tipo imperfeito, mas que aponta diretamente para Cristo: ambos nasceram de maneira milagrosa (Jz 13; Mt 1-2), foram consagrados desde o ventre, ambos foram entregues por seus próprios compatriotas aos inimigos (Jz 15.11; Jo 19.15), e ambos conquistaram a vitória suprema através da morte.
Por isso os Reformadores viam em Sansão uma figura da obra redentora. Calvino comenta:
“Assim como Sansão destruiu os inimigos em sua morte, Cristo, pela morte de cruz, derrubou Satanás e todos os poderes que oprimiam os homens.”²
Esse paralelismo mostra que Juízes não é apenas história antiga, mas um mapa teológico da vitória escatológica do Reino.
Crítica ao futurismo e ao amilenismo
Contra o futurismo: Os futuristas leem a vitória contra os ídolos apenas como algo reservado para um suposto milênio político literal em Israel. Mas o texto mostra que a vitória já foi inaugurada: o templo de Dagom caiu, assim como a cruz já derrubou o império satânico (Cl 2.15). Esperar por um reino futuro em Jerusalém é recusar a eficácia da vitória já realizada por Cristo e expandida na Igreja.
Contra o amilenismo: Os amilenistas dizem que o Reino não triunfa na história, apenas no céu. Mas Sansão, ainda em sua fraqueza, foi instrumento para uma vitória histórica e visível. Negar que o Reino avança no tempo presente é negar a própria lógica de Juízes: Deus entra na história, humilha os inimigos e exalta Seu nome entre as nações.
O pós-milenismo, ao contrário, lê Sansão como o paradigma do triunfo histórico de Cristo e da Igreja, mesmo quando aparentemente derrotados.
Ecos no Novo Testamento
Hb 11.32 inclui Sansão entre os heróis da fé, não como fracasso, mas como exemplo de confiança em Deus.
Em Rm 16.20, Paulo assegura: “Em breve o Deus de paz esmagará Satanás debaixo dos vossos pés.” Essa é a lógica da história de Sansão: mesmo cego e acorrentado, o povo de Deus é usado para esmagar os inimigos.
Ap 2.26-27 promete aos santos: “Ao vencedor darei autoridade sobre as nações, e com cetro de ferro as regerá, e as despedaçará como a um vaso de oleiro.” Aqui o eco da vitória de Sansão é evidente.
Testemunho histórico
Desde os Pais da Igreja, a história de Sansão foi lida cristologicamente e escatologicamente:
Irineu: “A morte de Sansão contra os filisteus era figura da morte de Cristo, pela qual o diabo foi derrubado.”³
Agostinho: “Assim como Sansão destruiu os inimigos na sua morte, assim Cristo, pela cruz, conquistou a vitória suprema.”⁴
Jonathan Edwards: “A vitória de Sansão sobre os filisteus é símbolo do triunfo do Reino de Cristo sobre os reinos deste mundo.”⁵
Assim, a tradição cristã confirma a leitura pós-milenista: Sansão aponta para a vitória histórica e progressiva do Reino, não para uma derrota melancólica da Igreja.
A história de Sansão em Juízes 13–16 não é mero relato folclórico, nem apenas tragédia moral, mas uma profecia em ato do triunfo de Cristo e de Sua Igreja. O Espírito que o capacitou é o mesmo que hoje expande o Reino; a queda do templo de Dagom antecipa a queda de todos os ídolos; sua morte vitoriosa prenuncia a cruz e a consumação histórica da vitória do Reino.
O pós-milenismo, portanto, não é uma invenção otimista moderna, mas a leitura coerente da Bíblia como uma história unificada de vitória. Como Sansão, a Igreja triunfa mesmo em meio à aparente fraqueza, porque a força vem do Senhor, e porque Cristo já reina até que todos os inimigos sejam postos debaixo de seus pés.
Referências
1. João Crisóstomo, Homiliae in Iudices, Hom. 9.
2. João Calvino, Comentário sobre Juízes, ad loc.
3. Irineu de Lião, Adversus Haereses, IV, 20.
4. Agostinho, Cidade de Deus, Livro XVIII, cap. 21.
5. Jonathan Edwards, History of Redemption, Sermão 15.
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