terça-feira, 22 de setembro de 2020

Duas Coisas Bobas (Vincent Cheung)


Uma doutrina de compatibilismo é frequentemente afirmada. Dizem que a soberania de Deus é compatível com a liberdade do homem, porque as decisões do homem não são coagidas, mas esse homem sempre age de acordo com o seu desejo mais forte. Então, essa suposta liberdade é frequentemente usada como base para a responsabilidade moral do homem.

No entanto, se a soberania de Deus é exaustiva, então tudo é explicado por ela, incluindo os desejos do homem e o fato de que ele age de acordo com seus desejos. Portanto, o fato de que não há coerção não é uma indicação de liberdade, mas um reflexo de que Deus controla todas as coisas. E mesmo que haja resistência, isso não indica liberdade, mas que, para seu próprio propósito, Deus está fazendo com que uma coisa reaja contra outra.
Em outras palavras, a doutrina da soberania divina é um princípio tão abrangente que todo o restante é explicado e interpretado por ela. Sob este princípio, o compatibilismo é irrelevante. Como existe apenas uma causa verdadeira, a compatibilidade não pode ser usada para demonstrar nada a não ser dizer que essa causa é compatível consigo mesmo. Dizer que qualquer coisa sob este sistema é compatível com outra coisa é não dizer nada além de que Deus é compatível consigo mesmo.
Se afirmo que tenho poder sobre a minha porta, você pode pensar que é muito esperto e salientar que fechar a porta é compatível com o fechamento da porta. Claro! E a porta não é coagida! Mas isso não garante liberdade à porta — ela não se fecha por sua vontade própria e poder. A declaração falha em demonstrar qualquer outra coisa além de reafirmar que tenho poder sobre a porta.
Da mesma forma, dizer que Deus é soberano e que o homem decide de acordo com seu próprio desejo é dizer que Deus fazendo com que um homem tenha um desejo e decida de acordo com esse desejo é compatível com Deus sendo soberano. Mas isso só me diz como Deus usa sua soberania, ou o que ele faz com ela. Se o objetivo é esculpir um lugar para a liberdade humana, ou demonstrar algo que não seja para reafirmar a soberania de Deus, é totalmente mal sucedido. É uma das coisas mais bobas da teologia.
Alguns tentaram resgatar a doutrina alegando que eu a deturpei. Eles dizem que os teólogos não chamam isso de um tipo de liberdade, ou se chamam ou não, eles não a tornam uma base para a responsabilidade moral. Eu tenho duas respostas para isso. Primeiro, essas pessoas evidentemente não sabem o que o compatibilismo ensina. Os teólogos de fato o chamam de uma espécie de liberdade, e muitos, se não a maioria deles, realmente o tornam uma base para a responsabilidade moral. Eu documentei isso com alguns dos mesmos teólogos que eles afirmam confiar na definição da doutrina. Segundo, se a doutrina nunca é chamada de um tipo de liberdade, e nunca usada como base para a responsabilidade moral, isso pode torná-la menos absurda, mas também a torna ainda menos relevante. Torna-se uma observação enganosa que não prova nada. E se o único objetivo é que as decisões humanas não são coagidas, eu já respondi isso acima.
Às vezes dizem que minha posição bíblica se assemelha ao panteísmo, já que sustenta que Deus é a única causa real. Mas isso não é tanto uma objeção a ser respondida quanto uma suposição a ser exposta e maravilhada com horror. A pessoa que faz essa objeção assume que Deus é identificado com o que ele controla ou causa, de forma que se Deus controla e causa todas as coisas, então ele é identificado com todo o universo, resultando em panteísmo. A Escritura e eu rejeitamos essa suposição, e não há nada inerente à ideia de que Deus é a única causa que compele uma identificação com o panteísmo. Não é impossível ou contraditório afirmar que Deus controla e causa todas as coisas, mas que ele não está identificado com essas coisas. Ele pode controlar totalmente uma rocha e não ser a rocha. A menos que haja um argumento para forçar essa identificação, não há mais nada a dizer como resposta.
A doutrina bíblica é muito mais simples: Deus é soberano e o homem não é livre. A soberania divina é incompatível com a liberdade do homem. Isso não tem nada a ver com responsabilidade moral, uma vez que a responsabilidade moral refere-se ao ato de prestar contas, e Deus responsabiliza o homem; portanto, o homem é responsável. A liberdade humana não tem entrada lógica na discussão.
Vincent Cheung. Two Silly Things, do livro Sermonettes — Volume 2, pp. 78–79.
Traduzido por Luan Tavares em 15/08/2019.
Sobre o autor: Vincent Cheung é um pregador e escritor cristão. Ele e sua esposa moram nos Estados Unidos.