Por Yuri Schein
Uma análise da visão de Gordon Haddon Clark, Cornelius Van Til, Vincent Cheung, Herman Dooyeweerd e outros pressuposicionalistas sobre insuficiência da Revelação Geral para a salvação.
INTRODUÇÃO:
Desde os primórdios da filosofia cristã, teólogos têm discutido se a natureza, por si só, seria suficiente para revelar Deus de forma salvadora. O apóstolo Paulo afirma em Romanos 1 que os atributos invisíveis de Deus, “o seu eterno poder e a sua divindade”, são “claramente vistos” por meio das coisas criadas. Mas essa revelação, embora suficiente para tornar o homem indesculpável, não é suficiente para conduzi-lo ao conhecimento salvífico de Cristo. Gordon Haddon Clark, em sua obra God’s Hammer, foi incisivo ao mostrar que a revelação geral, além de obscurecida pelo pecado, é insuficiente em si mesma. Aqui se encontra o ponto decisivo: não é apenas que o homem rejeita a mensagem, mas que a natureza, enquanto tal, nunca ofereceu um evangelho completo, muito menos as normas éticas e revelações necessárias para guiar o homem à salvação. Além disso, Robert L. Reymond em sua obra "Teologia Sistemática" diz que embora "os céus declarem a Glória de Deus" (Sl 19.1) ele o faz de uma maneira não embasada em raciocínio indutivo como uma avaliação evidencialista, pois ele faz isso sem expressar palavras (vs 3-4). Assim meu ponto é que essa revelação geral não advém de uma análise das coisas através de um raciocínio indutivo, mas que de alguma maneira, Deus causa em nós o conhecimento de si mesmo na criação.
O PROBLEMA DA REVELAÇÃO GERAL:
A história das religiões humanas é testemunha clara dessa insuficiência. Babilônios, egípcios, hindus, budistas, muçulmanos, indígenas americanos ou mesmo filósofos iluministas, todos examinaram a mesma natureza. Entretanto, as conclusões a que chegaram são múltiplas e contraditórias. Van Til chamaria isso de “supremacia da interpretação autônoma”: o homem, tentando ser seu próprio ponto de partida, lê a natureza como quem lê um livro em língua estrangeira sem conhecer o alfabeto. O resultado só poderia ser confusão.
Cornelius Van Til expôs que “não existe fato bruto” (no brute fact). Tudo que o homem interpreta já está carregado de pressuposições, e estas, quando não são bíblicas, distorcem radicalmente o significado da realidade. Herman Dooyeweerd, com seu conceito de “absolutização de aspectos da criação”, mostrou que as cosmovisões pagãs sempre transformam partes da realidade em divindades: o tempo, a matéria, o destino, o prazer. Assim, a própria diversidade de interpretações sobre a natureza não é um problema apenas do pecado obscurecendo a mente, mas da insuficiência da própria natureza como meio de revelação plena.
Isso nos leva a fazer uma breve digressão até o Éden onde o homem que tinha o conhecimento por meio da revelação proposicional (Deus falava diretamente a Adão e lhe dava ordens e ensinava), caiu em pecado comendo o fruto da árvore do Conhecimento do Bem e do Mal (não aceita mais a revelação proposicional de Deus do que é certo e errado, antes, com base em suas próprias opiniões decide o que é certo e errado) assim o "conhecimento do bem e do Mal" nada mais é do que na verdade obscuridade, é uma decisão arbitrária do homem sobre o que é bom ou mal.
A ILUSÃO DA ÉTICA NATURAL:
Clark é contundente: se a revelação geral fosse suficiente para estabelecer normas éticas, jamais teríamos o infanticídio institucionalizado em Esparta, a prostituição cultual em Babilônia, o sacrifício humano entre os cananeus ou a naturalização da pedofilia em Roma. A multiplicidade de sistemas morais não é mero desvio de uma lei moral evidente, mas a prova cabal de que Deus nunca designou a natureza para ser suficiente neste quesito.
Vincent Cheung aprofunda esse ponto quando afirma que “o conhecimento moral e o conhecimento salvífico pertencem ao mesmo pacote: a Escritura. Fora dela, não há ética absoluta, mas apenas opiniões humanas em colisão”. Isso mostra que até os valores morais que parecem universais (como “não matar”) são mal interpretados fora da Escritura. Afinal, muitos povos permitiram matar estrangeiros, bebês ou escravos sem remorso.
A CRIAÇÃO FALA, MAS NÃO GRITA:
Paulo, em Romanos 1, não ensina que a natureza revela a cruz, mas apenas que ela revela o poder e a divindade de Deus. É suficiente para a condenação, não para a salvação. Jonathan Edwards, em sua doutrina do criacionismo contínuo, foi ainda mais radical: cada átomo do universo é sustentado pelo decreto divino a cada segundo. Mas Edwards nunca confundiu isso com uma mensagem completa de salvação, a revelação especial sempre foi necessária.
Clark ironiza os que acreditam que os céus, por si, provam a onipotência: “mais estrelas poderiam ser criadas, mais complexidade poderia existir, e ainda assim não haveríamos chegado ao conceito de onipotência infinita”. Bertrand Russell olhou para o mesmo cosmos e viu apenas um universo indiferente e sem sentido. Isso só reforça o ponto: a interpretação da natureza depende de pressupostos prévios.
A QUEDA DE ADÃO E O PRECEDENTE DA REVELAÇÃO ESPECIAL:
Um ponto magistral levantado por Clark é o de Gênesis 2. Adão, recém-criado, não poderia deduzir, pelo exame do Jardim, seu propósito existencial. Ele não saberia que deveria multiplicar-se, dominar a terra, abster-se da árvore proibida. Esses deveres não eram dedutíveis empiricamente. Eles lhe foram dados por meio de revelação especial direta de Deus. Esse precedente é crucial: desde o princípio, a orientação ética e espiritual do homem dependeu de revelação verbal e proposicional.
Portanto, a tentativa moderna de substituir a Bíblia pela “ciência” como guia da moral e da salvação é apenas a repetição da tentação da serpente: “é verdade que Deus disse?”. Quando se nega a revelação especial, não resta um caminho neutro pela natureza, mas apenas o abismo do relativismo.
O HUMANISMO COMO HERDEIRO PARASITA:
Gordon Clark observa que as aparentes semelhanças entre valores humanistas e valores bíblicos não provêm de uma dedução da natureza, mas da herança cultural cristã que o Ocidente carrega. É parasitismo epistemológico: os incrédulos vivem de capitais morais que não podem justificar dentro do seu próprio sistema. Greg Bahnsen desenvolveu esse argumento na apologética transcendental: “sem Deus, você não pode provar nada”. Se o ateu clama por justiça, dignidade, igualdade, está tomando emprestado fundamentos que só têm sentido dentro da cosmovisão bíblica.
CONCLUSÃO
A revelação geral é real, mas insuficiente. Sua função é condenar, não salvar. Ela testemunha do poder de Deus, mas não nos ensina sua vontade salvadora. Para isso, sempre foi necessária a revelação especial, a Palavra inspirada. Clark, Van Til, Cheung e Edwards convergem nesse ponto: qualquer tentativa de fundamentar conhecimento, moral ou salvação apenas na natureza resulta em idolatria ou niilismo.
A revelação geral nos deixa sem desculpa; a revelação especial, em Cristo e nas Escrituras, nos dá a única esperança. Sem a Bíblia, o homem está perdido na babel de interpretações humanas. Mas com ela, “temos a mente de Cristo” (1 Co 2:16).
#revelacaogeral #evidencialismo #pressuposicionalismo #escrituralismo #empirismo #epistemologia #etica
Nenhum comentário:
Postar um comentário