segunda-feira, 28 de setembro de 2020

Mas Quem é Você, Ó Homem?

 


Mas algum de vocês me dirá: “Então, por que Deus ainda nos culpa? Pois, quem resiste à sua vontade?” Mas quem é você, ó homem, para questionar a Deus? “Acaso aquilo que é formado pode dizer ao que o formou: ‘Por que me fizeste assim?’” O oleiro não tem direito de fazer do mesmo barro um vaso para fins nobres e outro para uso desonroso? (Romanos 9:19–21)

Paulo demonstrou nos versículos anteriores que se um homem alcança a salvação através de Jesus Cristo, isso não depende da vontade ou decisão da pessoa, mas de Deus que escolhe mostrar misericórdia a esse indivíduo. Então, um homem não crê ou até mesmo se opõe a Deus não porque decide isso por si mesmo, mas porque Deus escolheu endurecê-lo para o seu próprio propósito. O apóstolo conclui: “Portanto, Deus tem misericórdia de quem ele quer, e endurece a quem ele quer” (v. 18).
Um homem crê em Jesus porque Deus faz com que ele creia em Jesus. Outro homem é endurecido contra o evangelho porque Deus faz com que ele seja endurecido. O caminho de cada pessoa é determinado antes de ela nascer, mesmo na eternidade antes da criação do mundo. Suas decisões não determinam seu caminho, mas seu caminho pré-determinado determina suas decisões. O destino de um homem não é determinado, mas sim revelado por suas escolhas, isto é, pelo que Deus faz com que ele decida de acordo com o propósito divino.


Esta é uma das doutrinas bíblicas mais simples e explícitas. No entanto, é também a doutrina mais detestada porque apresenta mais claramente Deus como Deus, e até mesmo os cristãos não gostam muito de Deus. Nessa doutrina, nos defrontamos com o que significa ser Deus, e somos compelidos a mostrar se realmente o reconhecemos como o soberano total, ou se desejamos manter o controle sobre alguns aspectos de nós mesmos e para entreter a ilusão de que é de fato possível fazer isso. Mesmo que os crentes e os teólogos prestem reconhecimento à soberania de Deus, muitos poucos recebem essa doutrina de sua causação direta e total de todas as coisas, sem tentar escapar por si mesmos. Ou condenariam esta verdadeira versão de Deus e depois o resgatariam reduzindo-o a algo menor.


Então Paulo antecipa discordância. Ele espera que alguém lhe diga: “Então, por que Deus ainda nos culpa? Pois, quem resiste à sua vontade?”. Em outras palavras, se Deus é aquele que endurece o homem para que ele não possa buscar a justiça ou crer na verdade, então por que Deus ainda condena e pune o pecador? A objeção não faz sentido a menos que se assuma que a responsabilidade pressupõe a liberdade, de modo que uma pessoa deve ser livre para tomar suas próprias decisões, se ela for responsabilizada por elas. Mas Deus não concede essa suposição; de fato, todos esses versículos anteriores descartaram isso. Uma pessoa é condenada e punida por seus pecados porque transgrediu os mandamentos de Deus. A causa de suas transgressões é irrelevante. Se alguém transgrediu, então é um transgressor.


Paulo continua a responder ao desafio e, no processo, revela discernimentos adicionais sobre a doutrina. Ele declara que o oleiro tem o direito de fazer da mesma massa um vaso para uso honroso e outro para uso desonroso. O apóstolo tem feito o contraste entre dois tipos de pessoas — os eleitos, ou aqueles que Deus predeterminou para se tornar cristãos, e os réprobos, ou aqueles a quem Deus predeterminou para permanecer não cristãos. Assim, o vaso honroso representa o cristão, e o vaso desonroso representa o não cristão. O vaso honroso provavelmente seria exibido na casa como uma prova da riqueza e do refinamento do proprietário. Por outro lado, um vaso desonroso provavelmente se refere a uma lata de lixo ou até a um vaso sanitário. Assim, Deus pensa que os réprobos são as latas de lixo e os vasos sanitários deste mundo. Sabemos vasos sanitários estão cheios de… de algo que cheira a incredulidade, ciência e religião não cristãs.


A Bíblia contradiz a opinião quase unânime dos teólogos cristãos, já que a exposição que a Bíblia faz da doutrina não deixa espaço para liberdade e autodeterminação em nenhum sentido, ou a noção de que a soberania divina é compatível com estes. O que importa se o controle do oleiro sobre o barro é compatível com os desejos do barro? Acaso aquilo que é formado pode dizer ao que o formou: “Por que você me fez assim?”. O homem não é representado como dizendo, de algum modo: “Por que você ordenou passivamente que eu deveria usar meu poder de autodeterminação para ao mesmo tempo decidir se tornar o que você decretou que eu deveria ser?”. Não, ele diz: “Por que você me fez assim?”. Você. Você me fez. Você me fez assim.

Por contato direto, e com suas próprias mãos, o oleiro molda o barro no vaso que ele quer que ele se torne. Embora isso se aplique tanto ao honroso quanto ao desonroso, a objeção refere-se àqueles a quem Deus “culpa” — está principalmente preocupado em como o vaso desonroso é feito. A resposta de Paulo significa que o Deus ativamente manuseia o homem iníquo para transformá-lo em quem ele é. Ele faz isso usando o “mesma massa” do qual ele faz os vasos honrosos, e não algum material com traços desonrosos existentes. Em outras palavras, as características do réprobo vêm diretamente e inteiramente das mãos de Deus e de nenhum outro lugar. Paulo não vê nada de errado nisso. Deus tem o direito de transformar um homem em sua obra-prima e outro homem em um vaso sanitário. Quem diz que um oleiro mestre não deve fazer um vaso sanitário se ele quiser fazer um? E quem é o vaso sanitário para dizer ao oleiro: “Por que você me fez assim?”. Mas até mesmo um vaso sanitário queixoso é mais esperto do que aquele que clama “Eu tenho livre-arbítrio!”, ou até mesmo “Eu não sou coagido!”.

A verdade da fé cristã é clara e óbvia. Nunca há uma boa objeção contra ela, mas ela deve ser reverentemente aceita. E porque a verdade é clara e óbvia, toda objeção contra a fé cristã é sempre estúpida e má. Porque toda objeção contra a fé cristã é estúpida e má, devemos atacar todas as objeções, e, para evitar que a questão seja evitada, devemos respondê-la também. Porém mais do que isso, é característico da Bíblia atacar a pessoa que faz a objeção. Isso porque sempre que uma pessoa questiona a fé cristã, isso significa necessariamente que há algo errado com ela.

Paulo não diz: “Ó homem maravilhoso e inteligente, por que você faz uma objeção tão ultrajante contra Deus?”. Não, o apóstolo ataca o próprio homem — “Mas quem é você, ó homem, para questionar a Deus?”. Esta é uma pergunta retórica — ele quer dizer que o homem é um joão-ninguém e que deve calar a boca. Paulo não é estúpido como nossos pregadores e teólogos. Eles nos dizem que os não cristãos podem ser sinceros e inteligentes e ainda fazer objeções contra Deus. De onde veio esse absurdo? Talvez tenham aprendido com os não cristãos, que estão sempre desesperados para afirmar sua sinceridade e inteligência. Ou talvez os pregadores e teólogos desejem elogiar seu próprio desafio contra Deus. Mas Jesus disse que a boca fala da abundância do coração. O não cristão faz objeções porque é pecador, um rebelde — ele não apenas age como um, mas ele é um. Qualquer cristão que faça uma contribuição significativa na pregação e no debate deve criticar e menosprezar a pessoa — o próprio não cristão — e não apenas seus argumentos e suas ações.


Quem é você, ó não cristão, para desafiar a verdade de Deus, quando a Bíblia declara que você já sabe sobre ele? Como um covarde, como uma criancinha traumatizada, você reprime esse conhecimento para que não precise lidar com a realidade. Quem é você para rejeitar um veredicto de culpado quando a Bíblia mostra que todos pecaram e ficaram destituídos da glória de Deus? Você responde: “Quem é você para me julgar?”. Bem, quem é você para me dizer que eu não posso declarar o julgamento de Deus sobre você? Quem é você para recusar o evangelho? Você não é um ninguém. Você não é nada.

Quem é você, ó legalista, ó moralista religioso, para recusar Jesus Cristo, quando a própria Lei lhe diz para abandonar seus próprios esforços e depender dele como seu mediador e campeão? Quem é você para pensar que você pode ser igual ou melhor? Quem é você para dizer que pode alcançar o céu pelo que considera boas obras, quando Deus as renunciou como trapos imundos? Você não é ninguém. Você não é nada.
Quem é você, ó arminiano, para dizer que Deus não decreta e causa todas as coisas somente por sua própria vontade e para seu próprio propósito sem considerar a fé e decisão do homem, mas causar a fé e a decisão do homem por causa de sua decreto eterno? Quem é você para pensar que o homem tem o poder de escolher, até mesmo decidir seu destino eterno? Quem é você para dizer que Cristo poderia pagar o preço para redimir um homem, e ainda assim perder o homem para a ira de Deus? E quem é você para dizer que um homem, uma vez apreendido por Deus, pode arrancar-se das mãos de Cristo? Você não é ninguém. Você não é nada.

Quem é você, ó calvinista, para dizer que Deus não pode ser o autor do pecado, e aquele que diretamente cria e endurece os homens maus? Quem é você para dizer que Deus meramente passa pelos réprobos, quando a Escritura declara que ele os forma por suas próprias mãos como um oleiro molda barro em latas de lixo e vasos sanitários? Seu hipócrita! Você finge defender a justiça e a santidade de Deus, quando o assunto surge apenas porque você o julgou pelo padrão do homem. Com uma mão você rouba a Deus de sua soberania divina, e com outra você o recompensa na justiça humana. Quem és tu, ó homem, para pensar que podes fugir com isto? Você não é ninguém. Você não é nada.


Quem é você, ó teólogo reformado? Você é muito melhor que o arminiano? Repetidas vezes, com um pé na ortodoxia e o outro na blasfêmia, você gera inúmeros paradoxos e contradições, e chama isso de alto mistério de Deus! Ó vaidade de vaidades, uma teologia de futilidade sistemática!
Caiam fora todos vocês! Deus exerce controle total e imediato sobre todas as coisas, incluindo as decisões e destinos de todos os homens. Assim como ele molda seus escolhidos em suas obras-primas, ele molda os réprobos em receptáculos de lixo e fezes. Diferentemente de nossos pregadores e teólogos, o oponente de Paulo pelo menos entende a doutrina, que é Deus quem cria e endurece o pecador, mas o pecador ainda é culpado e punido. Deus endurece quem ele quer endurecer (v. 18), para que eles não possam crer e ser salvos. Ele faz isso pelo seu poder ativo e direto, como um oleiro molda o barro (v. 21). Esses homens estão preparados para a destruição (v. 22). Eles não podem resistir à sua vontade, mas ele ainda os culpa e pune (v. 19). Ele pode fazer isso porque ele é Deus, e ninguém pode proferir coisa alguma contra ele (v. 20).

Vincent Cheung. But Who are You, O Man? Disponível em Sermonettes — Volume 5, pp. 66–69. 

Traduzido por Luan Tavares em 07/02/2019.

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