sábado, 13 de setembro de 2025

Ad'Heim: Ecos do Passado

 



O túnel apertado finalmente se abriu para uma câmara mais ampla, ainda úmida, mas com o chão menos irregular. O ar parecia carregar um frio que não vinha da própria caverna, mas de algo mais antigo, ancestral. Jetto parou abruptamente, farejando o ambiente com atenção quase sobrenatural, suas orelhas inclinadas e chifres quase roçando o teto baixo. “Aqui… é a saída mais distante,” murmurou ele, os músculos tensos, pronto para reagir a qualquer sinal de perigo. “É o caminho que nos leva longe da entrada, longe dos servos da Dríade. Mas… fiquem atentos. O ar aqui… não é natural. Tem algo preso neste lugar.”

O grupo avançou cautelosamente, e logo perceberam o motivo do alerta. Sombras etéreas começaram a surgir à sua volta, translúcidas, quase invisíveis à primeira vista, mas gradualmente tornando-se nítidas o suficiente para discernir figuras humanas, vagas e distorcidas. Eram fantasmas — ou talvez ecos de almas perdidas — que não avançavam, não falavam, não pareciam notar a presença do grupo. Caminhavam lentamente, repetindo gestos que pareciam familiares, mas distorcidos; um homem ajoelhando-se para pegar um objeto imaginário, uma mulher estendendo as mãos como se implorasse por perdão. Cada movimento era carregado de um peso silencioso, de uma tristeza profunda que parecia impregnar o ar, tornando cada passo do grupo pesado, quase doloroso.

Raella apertou o braço de Gillian, tremendo levemente. “O que são… o que aconteceu com eles?” sussurrou, a voz embargada pelo medo e pela fascinação.

Thomas Walker, com expressão grave, respirou fundo antes de falar, a luz pálida refletindo em seus olhos vermelhos e revelando sua seriedade. “Há uma lenda que percorre essas cavernas,” começou ele, a voz baixa, reverberando nas paredes rochosas. “Dizem que há muito tempo, um grupo de aventureiros veio à Floresta Encantada guiado por rumores de tesouros escondidos. Eles eram cobiçosos, gananciosos. Seu alvo… um par de brincos, pequenos, mas encantados com uma magia antiga e amaldiçoada, criados pela deusa Valeth, conhecida por sua justiça implacável.”

O grupo parou, as palavras de Thomas ecoando como se pudessem despertar algo adormecido naquela câmara. Ele continuou: “Valeth não perdoa a cobiça. Dizem que aqueles aventureiros, ao tentarem tirar os brincos do local sagrado, acionaram a maldição. Seus corpos foram transformados — em mortos vivos, presos à carne, e suas almas condenadas a vagar como fantasmas eternos. O tesouro… nunca foi encontrado. Alguns dizem que ainda está aqui, escondido, mas protegido pela maldição. Outros acreditam que foi consumido pela própria essência da justiça de Valeth, como aviso para todos que ousam desobedecer às regras do mundo espiritual.”

Ikarus apertou a empunhadura da espada, observando os vultos etéreos à sua volta, cada um carregando gestos e expressões de arrependimento e desespero. “Então… eles não atacam porque já estão mortos, mas… estão presos à matéria, condenados a repetir seus erros.”

“Exatamente,” disse Thomas. “Cada sombra aqui é um presságio do que acontece com aqueles que se deixam dominar pela cobiça. Se fossem corajosos ou tolos o suficiente para tocar o tesouro, teriam sido punidos, assim como esses aventureiros. Não há redenção para eles enquanto permanecerem aqui.”

Derek, mesmo em silêncio, percebeu o peso moral do lugar. Ele ajustou o arco, olhando para os vultos, e refletiu sobre o perigo de ambição cega. “E ainda assim… eles continuam aqui, como aviso, como lição para quem passa. Se não fosse por Jetto e pelo cuidado de todos nós, poderíamos muito bem nos tornar mais um eco nesse lugar.”

Gillian manteve Raella próxima, sussurrando: “Não olhe demais, princesa. É fácil se perder aqui, mesmo sem se tornar um deles. Apenas siga adiante, concentre-se em nós.”

O grupo avançou lentamente, cada passo ecoando na câmara ampla, cada som reverberando nas paredes e reforçando a sensação de que o espaço estava vivo com lembranças de dor e arrependimento. Os fantasmas continuavam suas rotinas silenciosas, sem agressividade, mas não deixando de criar uma sensação sufocante, como se cada presença fosse uma sombra do próprio destino que poderia aguardar qualquer um que vacilasse em sua disciplina ou caráter.

Jetto farejou o caminho à frente, guiando o grupo com cuidado absoluto. “Sigam-me. A saída está logo à frente. Mas não podemos nos precipitar.” Cada túnel, cada curva do caminho estreito, parecia testá-los, fazendo-os hesitar, questionar cada movimento e cada escolha.

Finalmente, após o que pareceu uma eternidade de passos cautelosos, a câmara começou a se abrir para a luz. Uma luz fria, prateada, que não queimava, mas iluminava o ambiente com uma serenidade distante, filtrada pelas pedras e estalactites. A bruma da caverna começou a dissipar-se, e mesmo os fantasmas, ao longe, pareciam dissolver-se na sombra, tornando-se memórias de um aviso silencioso e inescapável.

Ikarus respirou fundo, sentindo a tensão de todo o caminho se aliviar apenas um pouco. “Estamos quase fora,” disse, olhando para o grupo. “Mas lembrem-se: o perigo continua lá fora, na floresta. Este lugar é um lembrete… daquilo que a cobiça e a imprudência podem fazer.”

Raella, ainda apoiada por Gillian, olhou para a luz com esperança nos olhos. “Então… estamos quase lá. Podemos sair daqui… vivos?”

Thomas assentiu lentamente. “Se mantivermos a cautela, e se Jetto continuar guiando com esse faro, sim. Mas precisamos estar preparados. A Dríade nos espera do outro lado. E ela não esquece, nem perdoa.”

O grupo avançou, ainda imerso na reverência silenciosa pelo que deixavam para trás, guiados pela fria luz que agora se tornava mais intensa, a promessa da saída da caverna e do primeiro vislumbre da floresta da Dríade acima. Cada passo parecia um triunfo silencioso sobre os horrores que enfrentaram, cada sombra que passavam era uma lembrança da fragilidade humana e da dureza da justiça antiga.

E assim, ainda dentro do labirinto rochoso e úmido, eles avançavam, próximos da liberdade, mas conscientes de que o verdadeiro teste — a floresta e a Dríade — os aguardava com impaciência e poder.


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