sábado, 13 de setembro de 2025

Ad’Heim: A Flecha nas Trevas

 


O lobo-corrompido avançava com sua monstruosidade hedionda, cada passo de Jetto — agora não mais homem, mas besta amaldiçoada — fazia o solo seco tremer, espalhando poeira fúnebre que se levantava como véus de um funeral profano. O hálito que escapava de sua boca dilacerada, entre presas sujas de sangue e pus negro, exalava um cheiro nauseante, como carne pútrida mesclada a ferro em brasa. Cada respiração era acompanhada de um ronco cavernoso, profundo, que parecia vir não de pulmões, mas do próprio vazio das trevas que agora o possuíam.

Sob a luz da lua crescente, seu corpo estava tomado por uma aura maligna que ondulava em formas disformes, como serpentes de fumaça negra que se enroscavam em torno de sua carcaça lupina. Essas sombras se contorciam, formando rostos e bocas que sussurravam em línguas antigas, palavras que ninguém ali compreendia, mas que, ainda assim, se cravavam no coração dos vivos como garras invisíveis. O vale ressoava com murmúrios incessantes — lamentos, blasfêmias, risos distorcidos — como se milhares de almas condenadas falassem em uníssono através dele.

O luar, pálido e frio, escorria sobre sua pelagem maldita como uma lâmina prateada, refletindo o grotesco brilho das veias escuras que pulsavam em seu corpo. O rosto de Jetto, outrora humano, agora era uma máscara animalesca de ódio e dor, com olhos chamejantes em vermelho profundo, que queimavam como brasas na escuridão. Ao redor, as árvores mortas inclinavam seus galhos retorcidos, quase como se quisessem fugir daquela visão impossível, mas presas à maldição, apenas estalavam secamente com o vento gélido.

Tomas Walker, com os olhos arregalados, mal teve tempo de reagir quando a fera avançou sobre ele com velocidade aterradora. No ímpeto, ele largou o corpo inerte de Rickson no chão, o impacto ecoando como um trovão surdo entre as ossadas espalhadas. Tomas ergueu sua espada, mas a lâmina tremia, não de falta de habilidade, mas da brutalidade que se lançava contra ele. O choque foi inevitável — aço contra garras — e as faíscas se dispersaram em clarões breves, como relâmpagos numa tempestade maldita.

Ikarus, arfando de cansaço das batalhas anteriores, não suportou apenas assistir. Com um grito de desafio, ele ergueu sua arma e investiu contra a criatura. Mas Jetto, agora um lobisomem morto-vivo coberto de trevas, não era o companheiro de antes; era uma aberração transbordando força antinatural. Num só movimento, como se sua massa fosse nada para ele, a fera desferiu um golpe com as garras abertas, que atingiu o peito de Ikarus com violência devastadora. O som do impacto foi como madeira sendo partida, e o corpo de Ikarus voou pelo ar, colidindo contra o tronco de uma árvore morta. O estalo seco ecoou, misturando-se ao gemido do guerreiro que se arrastava, o sangue escorrendo de sua boca.

Agora só restava Tomas diante da fera. Jetto, com saliva escura escorrendo de suas presas, aproximava-se lentamente, arrastando as garras pelo chão, produzindo um som estridente e insuportável, como metal contra pedra. O hálito pestilento do monstro envolveu Tomas quando a boca imensa se abriu sobre ele, gotas quentes de veneno caindo em sua pele. As sombras em volta de Jetto murmuravam, incitando-o a devorar, clamando por carne, sangue e alma.

E, então, no ápice da brutalidade, quando os maxilares monstruosos se fecharam a um sopro de Tomas, o tempo pareceu congelar. A criatura parou. Um silêncio súbito, pesado, esmagador, tomou o vale. Os olhos vermelhos de Jetto, em fogo vivo, se desviaram para baixo.

Ali, cravada em seu peito, uma flecha reluzia sob a luz da lua — não apenas uma arma, mas um estilhaço de esperança, um sussurro de intervenção contra a escuridão absoluta.

O uivo que se seguiu não era de vitória, mas de dor. E o vale inteiro tremeu.

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