Quando finalmente atravessaram a última curva da caverna, os primeiros raios da lua crescente iluminaram o terreno à sua frente, revelando um cenário que fez o grupo parar por um instante, em silêncio absoluto. A floresta que se estendia diante deles não era a Floresta Encantada que conheciam, vibrante e repleta de vida; era uma área morta, um território amaldiçoado onde a própria natureza parecia ter abandonado toda a vitalidade.
As árvores, retorcidas e secas, erguiam-se como esqueletos petrificados, galhos quebradiços apontando para o céu como dedos acusadores. Nenhuma folha verde, nenhuma flor ou musgo cobria o solo; tudo estava enegrecido, queimado pelo tempo ou por magia antiga. O chão era um mosaico macabro de ossos e restos: crânios humanos, costelas de monstros desconhecidos, mandíbulas partidas, carcaças de animais ainda parcialmente intactas, apodrecendo lentamente sob a luz prateada. Havia até mesmo esqueletos de criaturas fantásticas, corcéis alados, serpentes gigantes, e algo que lembrava uma quimera, todos misturados entre as árvores mortas, como se o solo tivesse engolido o caos de eras passadas.
O vento que atravessava o vale parecia carregar consigo um murmúrio distante, quase inaudível, mas suficiente para gelar a espinha dos aventureiros. Um odor metálico, lembrando ferro antigo e sangue seco, se misturava ao cheiro de terra seca e folhas em decomposição. Cada passo sobre o solo duro ressoava como se estivesse atravessando um túmulo aberto, e o reflexo da lua crescente lançava sombras longas e distorcidas que dançavam entre os restos, criando formas que pareciam olhos, mãos e rostos que observavam silenciosamente.
Jetto avançou à frente, mantendo-se em alerta máximo, o faro e os sentidos de lobisomem captando nuances que os outros não percebiam. Seus olhos vermelhos refletiam a luz pálida da lua, brilhando com uma intensidade quase sobrenatural. Ele parou abruptamente e ergueu a mão, sinalizando para que o grupo ficasse quieto. “Este lugar…” começou ele, a voz baixa, carregada de cautela, “é diferente de tudo que já vimos até agora. Vivi anos com a Dríade, conheço a Floresta Encantada como poucos, mas este vale… é proibido, amaldiçoado. Nenhum ser da floresta se aproxima daqui. Até mesmo os lobos e as criaturas noturnas evitam esta área. Não há vida, nem mesmo magia natural ou selvagem que não tenha sido corrompida.”
Gillian olhou em volta, absorvendo o cenário desolador. “Então… ninguém sobrevive aqui?”
“Não exatamente,” continuou Jetto, farejando o ar, os músculos tensos e os instintos em alerta máximo. “Os mortos podem permanecer, mas são sombras do que eram. Restos de almas, ossos e carne. O toque de qualquer um desses restos… ou até mesmo pisar sem cuidado em certos lugares… pode trazer maldição. Não podemos tocar em nada. Qualquer movimento em falso, qualquer gesto imprudente, e podemos nos tornar parte do que já morreu, presos aqui em vida ou em espírito.”
Derek franziu o cenho, ajustando o arco e olhando para os ossos espalhados. “Então não podemos sequer encostar nos restos… mesmo se precisarmos usar alguma rota mais curta?”
“Não,” respondeu Jetto com firmeza. “Este vale não tolera erros. As maldições aqui não perdoam. Caminhem apenas sobre o chão seguro, entre as árvores mortas, evitando os montes de ossos. Sigam exatamente meus passos. Se alguém tropeçar ou tocar qualquer coisa, o perigo será imediato.”
Raella, ainda apoiada por Gillian, engoliu em seco, observando os restos de homens, monstros e criaturas fantásticas. “Isso… isso é horrível… Eles… eles devem ter sido aventureiros como nós, não é?”
Thomas Walker acenou levemente, a luz refletindo em seu montante. “Aparentemente. Mas a cobiça e a imprudência são punidas de formas que o homem comum raramente entende. Este vale… é um aviso silencioso. Cada ossada, cada crânio, cada criatura caída é uma lembrança de que a ganância e a imprudência podem aprisionar até a alma.”
Ikarus respirou fundo, firmando a empunhadura da espada. “Então seguimos o caminho de Jetto. Um passo em falso e não será apenas um tropeço. Será permanente.”
O grupo começou a avançar, movendo-se lentamente entre os troncos secos e ossos espalhados, cada passo cuidadosamente calculado. O silêncio era absoluto, quebrado apenas pelo ranger seco da madeira morta sob os pés ou pelo estalo ocasional de algum osso que cedia. As sombras se alongavam e se contorciam com a luz da lua crescente, tornando cada árvore uma sentinela espectral, cada esqueleto um possível observador invisível.
Enquanto caminhavam, o frio penetrava até os ossos, e até Raella, protegida por Gillian, sentiu a tensão do lugar em cada célula de seu corpo. O ar parecia absorver sons, tornando cada respiração audível, cada passo quase ensurdecedor em seu silêncio quase sagrado.
Jetto parou por um instante, farejando o ar mais uma vez. “Estamos quase no fim do vale,” disse ele. “A luz que você vê lá à frente não é o sol, mas o reflexo da lua sobre a clareira que leva à floresta viva. Se conseguirmos atravessar este terreno amaldiçoado sem tocar em nada, teremos saído da parte morta da floresta. Mas não pensem que estamos fora de perigo. A Dríade e seus servos ainda nos aguardam. Este lugar… este vale é apenas um teste de paciência e disciplina.”
Ikarus acenou, respirando fundo. “Então seguimos adiante, mantendo disciplina e silêncio. Cada um de nós tem que focar em seu passo, em seu equilíbrio, e confiar em Jetto.”
Com a luz prateada da lua crescente refletindo nos ossos espalhados, nos troncos secos e retorcidos, e nas sombras que se contorciam como memórias de antigos aventureiros, o grupo avançou lentamente, como se cada movimento pudesse ser seu último. Cada respiração carregava tensão, cada passo era um desafio silencioso, e o medo da maldição pairava sobre eles como uma presença tangível.
Mas ao longe, entre os troncos mortos, uma fria luz se tornou mais clara, anunciando o fim da área amaldiçoada. Era a promessa de que, se seguissem com cuidado, atravessassem o vale sem tocar em nada, poderiam finalmente emergir em segurança na floresta viva, onde a Dríade os esperava, invisível, mas certamente vigilante.
E assim, entre ossos, árvores secas e um silêncio carregado de presenças antigas, Ikarus e seus companheiros avançavam, cada passo um triunfo silencioso sobre a maldição do vale, cada sombra ao redor um lembrete de que a morte e o perigo espreitam onde quer que a cobiça e o descuido se manifestem.
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