Por Yuri Schein
A questão da reprodução no contexto cristão tem sido debatida ao longo dos séculos, com diferentes interpretações bíblicas e tradições teológicas influenciando as práticas familiares. Neste artigo, exploraremos três perspectivas predominantes sobre a reprodução cristã, fundamentadas nas Escrituras e em argumentos lógicos, e defenderemos a terceira posição, que enfatiza a liberdade do casal cristão em decidir sobre a procriação.
PROCRIAÇÃO MÁXIMA: O MANDATO DIVINO DE MULTIPLICAÇÃO
Fundamento Bíblico
A primeira perspectiva baseia-se na interpretação literal de passagens bíblicas que ordenam a multiplicação da humanidade:
Gênesis 1:28: "E Deus os abençoou, e Deus lhes disse: Frutificai e multiplicai-vos, e enchei a terra."
Salmo 127:3-5: "Os filhos são herança do Senhor, uma recompensa que ele dá. Como flechas nas mãos do guerreiro, assim são os filhos nascidos na juventude. Feliz o homem que tem a sua aljava cheia deles."
Argumentos Éticos e Lógicos
Obediência ao Mandamento Divino (ou assim interpretada): Muitos veem a multiplicação como dever moral; no entanto, como veremos, o texto de Gênesis 1 é precedido por “Deus os abençoou”, indicando que a procriação é mais uma benção do que um mandamento literal.
Valor Intrínseco da Vida: Cada filho é considerado uma bênção direta de Deus, e limitar o número de filhos seria uma forma de rejeitar essa dádiva.
Responsabilidade Espiritual: A criação de filhos é vista como uma missão divina, contribuindo para a propagação da fé e da moral cristã.
Críticas
Esta posição frequentemente ignora dois pontos importantes:
Gênesis 1:28 não impõe uma obrigação, mas oferece uma bênção. Ter filhos é bom, mas não é um dever absoluto.
Passagens como 1 Timóteo 2:15, que falam que “a mulher será salva tendo filhos”, não devem ser interpretadas literalmente como uma obrigação universal; o texto descreve algo que a mulher pode fazer, sem criar uma lei ou norma aplicável a todas na igreja.
PROCRIAÇÃO RESPONSÁVEL: USO DE CONTRACEPÇÃO COM LIMITAÇÃO DE FILHOS
Fundamento Bíblico
Esta perspectiva permite o uso de métodos contraceptivos não abortivos, desde que o casal tenha pelo menos um filho, fundamentando-se em passagens que destacam a responsabilidade na criação dos filhos:
1 Timóteo 5:8: "Se alguém não cuida dos seus, especialmente dos da sua família, tem negado a fé e é pior do que o incrédulo."
Provérbios 31:27: "Ela olha pelo bom andamento de sua casa e não come o pão da preguiça."
Argumentos Éticos e Lógicos
Responsabilidade Familiar: O uso de contracepção é visto como uma forma de planejar a família, garantindo que os filhos possam ser criados em um ambiente saudável e estável.
Mordomia Cristã: A administração responsável dos recursos e da saúde do casal é considerada uma virtude cristã.
Equilíbrio entre Mandato e Prudência: Esta posição busca equilibrar o mandamento de multiplicação com a necessidade de planejamento familiar.
Críticas
Embora mais flexível que a primeira posição, ainda impõe uma obrigação moral de ter pelo menos um filho, o que pode não ser viável ou desejável para todos os casais, e ignora a perspectiva de que a bênção de Gênesis 1 não é um mandamento literal.
LIBERDADE CONJUGAL: AUTONOMIA NA DECISÃO SOBRE A PROCRIAÇÃO
Fundamento Bíblico
Esta perspectiva enfatiza a liberdade do casal cristão em decidir sobre a procriação, sem imposições externas, fundamentando-se em passagens que destacam a autonomia e a responsabilidade individual:
1 Coríntios 7:7-9: "Quisera que todos os homens fossem como eu; mas cada um tem o seu próprio dom de Deus, um de uma maneira, outro de outra."
Provérbios 16:9: "O coração do homem planeja o seu caminho, mas o Senhor lhe dirige os passos."
Mateus 19:12: "Porque há eunucos que assim nasceram do ventre da mãe; e há eunucos que foram feitos eunucos pelos homens; e há eunucos que a si mesmos se fizeram eunucos por causa do reino dos céus. Quem pode aceitar isso, aceite."
Argumentos Éticos e Lógicos
Autonomia Cristã: O casal é visto como mordomo de sua própria vida, com liberdade para tomar decisões responsáveis sobre a procriação.
Prudência e Sabedoria: A decisão de ter ou não filhos deve ser baseada em considerações práticas, emocionais e espirituais, respeitando as circunstâncias individuais.
Diversidade de Chamados: Nem todos os cristãos são chamados para a paternidade ou maternidade; o celibato e a escolha de não ter filhos são igualmente válidos diante de Deus.
Exemplo de Jesus Cristo: Jesus nunca se casou nem teve filhos naturais, mas cumpriu plenamente toda a justiça como homem (Mateus 3:15; Hebreus 4:15). Isso demonstra que a realização da vontade de Deus e a vida de santidade não dependem de gerar descendência.
Gênesis 1 como benção, não mandamento: A procriação é apresentada como uma benção, não uma lei obrigatória, evidenciada pela frase “Deus os abençoou”. Isto libera o casal cristão de interpretar a multiplicação como obrigação absoluta.
1 Timóteo 2:15 interpretado corretamente: O texto que fala que “a mulher será salva tendo filhos” descreve uma possibilidade ou um papel espiritual, não uma norma obrigatória a ser ensinada na igreja ou aplicada como dever universal.
Defesa Apologética
Liberdade em Cristo: A Bíblia enfatiza a liberdade em Cristo, incluindo a liberdade de tomar decisões pessoais sobre a vida familiar (Gálatas 5:1).
Responsabilidade Individual: Cada casal é responsável diante de Deus por suas escolhas, incluindo a decisão sobre ter filhos (Romanos 14:12).
Chamado Pessoal: O chamado para a paternidade ou maternidade é pessoal e deve ser discernido individualmente, sem imposições externas (1 Coríntios 7:7-9).
Validação pelo Exemplo de Cristo: O fato de Jesus ter vivido uma vida justa e plena sem gerar filhos naturais reforça que o valor e a missão de um cristão não dependem da reprodução.
Bênçãos versus Mandamentos: A multiplicação é uma bênção divina, não um mandamento literal, e os textos que falam de salvação ou realização espiritual por filhos devem ser interpretados em contexto, não como imposição universal.
As três perspectivas apresentadas oferecem diferentes abordagens sobre a reprodução cristã, cada uma fundamentada em interpretações bíblicas e considerações éticas. A terceira posição, que defende a liberdade do casal cristão em decidir sobre a procriação, é sustentada por princípios bíblicos de autonomia, responsabilidade e discernimento pessoal, reforçada pelo exemplo de Cristo e pela correta interpretação das Escrituras: Gênesis 1 é uma bênção, não um mandamento; e textos sobre “salvação tendo filhos” descrevem possibilidades, não obrigações.
Cada casal deve buscar orientação divina, agir conforme sua consciência e considerar suas circunstâncias individuais, lembrando sempre que a vida é um dom de Deus e que a obediência e santidade não estão vinculadas exclusivamente à geração de descendência.
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