domingo, 14 de setembro de 2025

Ad’Heim: O Ent da Clareira Negra

 


por Yuri Schein 

O vento cessou, deixando a clareira mergulhada em um silêncio pesado e quase palpável, quebrado apenas pelo sussurro das folhas secas agitadas por uma brisa que parecia surgir do próprio tronco negro da árvore colossal. Cada membro do grupo sentiu um peso nos ombros, como se a própria floresta pressionasse contra eles, ponderando seus pensamentos, suas intenções e suas falhas. Thomas manteve as mãos firmes sobre os montantes, os músculos tensos, respirando com cuidado. Gillian deu um passo à frente, olhos atentos, sentindo o poder que emanava da árvore. Raella cerrava os dentes, concentrando a magia em seus dedos, pronta para reagir, enquanto Derek, apertando os brincos amaldiçoados, sentia a culpa e a ansiedade transformarem seus pés em pedra.

— Vocês vieram até mim… — repetiu a voz, agora mais clara, mais profunda e mais carregada de gravidade, reverberando não apenas no ar, mas no próprio coração de cada um. — Vocês ousaram atravessar a floresta morta, caminhar entre restos de vida que não mais respiram, e tocar aquilo que nem os ventos ousam despertar.

O solo tremeu levemente sob suas botas, e as raízes da árvore negra se contorceram, enrolando-se como serpentes adormecidas, erguidas por um poder antigo que parecia palpitar como sangue no tronco escuro. Um brilho pálido surgiu entre as fissuras da casca, iluminando veios que se assemelhavam a veias humanas, pulsando lentamente, emitindo uma energia que era simultaneamente assustadora e hipnotizante.

— Quem… ou o que é você? — Thomas conseguiu dizer, a voz firme apesar da tensão, as mãos fechadas com força sobre as lâminas. — Você é uma criatura ou… magia viva?

Um estalo grave ecoou no tronco, como se a árvore respirasse profundamente, e então galhos finos se ergueram, estendendo-se como braços imensos, cobrindo parcialmente a clareira, lançando sombras densas que ondulavam pelo chão em padrões quase rituais. A voz respondeu, grave e carregada de história, como se milénios tivessem sido comprimidos em cada palavra:

— Eu sou o Ent desta floresta. Sou mais antigo do que qualquer pedra, mais antigo do que qualquer criatura que vague por suas sombras. Antes da Dríade que vocês conhecem — aquela que guarda a essência viva de toda esta terra — eu existia, filho de sua própria semente, primeiro a caminhar entre raízes e folhas, primeiro a entender o pulso vivo do mundo vegetal e a proteger este reino silencioso.

O grupo se entreolhou, atônito. Thomas franziu o cenho. — Primeiro filho da Dríade? — murmurou, quase sem acreditar. — Isso significa… que você é ancestral dela?

— Sim — respondeu o Ent, e sua voz se tornou mais intensa, reverberando como um trovão contido. — Antes que os mortais pisassem em minhas raízes, antes que os elfos e humanos cultivassem cidades e estradas, eu guardava estas terras. Eu observei eras passarem, tempestades que destruíram civilizações, pragas que dizimaram criaturas, e ainda permaneci. Tudo que respira e tudo que morre aqui sente minha vigilância, e cada folha caída é testemunha do meu tempo.

Raella, com os olhos brilhando, aproximou-se levemente, hesitante, percebendo a vibração de energia que emanava do Ent, diferente de qualquer magia que já tivesse sentido. — Então… você é a força por trás desta floresta… um guardião vivo?

— Guardião, sim — confirmou a árvore negra, e uma rachadura na casca se abriu, liberando um leve brilho âmbar. — Mas eu sou mais do que isso. Sou o primeiro filho da Dríade, criado de sua essência, imbuído do dever de proteger, punir e ensinar. Minha presença aqui garante equilíbrio, mesmo quando a morte e a corrupção se espalham. Vocês sentem a presença da floresta morta, e os ecos que os trouxeram até mim. Estes ecos são fragmentos de energia que atravessam eras, chamando aqueles dignos de ouvir e ver.

Derek apertou os brincos, sentindo uma vibração inesperada, mas não compreendia seu significado. A voz do Ent se intensificou, vibrando nos troncos e raízes, reverberando dentro de cada osso do grupo:

— Vocês caminharam por caminhos proibidos. Vocês enfrentaram a morte e chegaram até o meu centro. Mas saibam, mortais: apenas aqueles que compreendem a vida, a morte e o equilíbrio podem sobreviver. E vocês, por terem atravessado os limites da floresta morta e carregado artefatos que não entendem, mostraram coragem e… curiosidade. Mas este lugar exige respeito, e respostas não serão dadas gratuitamente.

O Ent inclinou seus galhos em direção a cada um deles, como avaliando suas intenções, suas falhas e seus medos, enquanto a névoa serpenteava em torno das raízes expostas, criando padrões que lembravam rostos antigos, ecos de espíritos ancestrais.

— Hoje, eu me revelo — concluiu finalmente, e sua voz ecoou como trovão e sussurro ao mesmo tempo — como o primeiro filho da Dríade, mais antigo do que qualquer ser vivo que vocês já conheceram, e guardião desta clareira negra. Mas não sou apenas sombra e tronco… eu sou memória, julgamento e proteção. Aprendam isso, e talvez, apenas talvez, esta clareira os aceite como visitantes sem corromper suas almas.

A clareira mergulhou novamente em silêncio. Cada membro do grupo permaneceu imóvel, sentindo o peso da história que acabara de ser revelada. As folhas secas se agitavam levemente, os galhos negros pareciam pulsar com vida própria, e o vento retornou, suave, como se a própria árvore estivesse respirando em aprovação — ou advertência.

E ali, diante do Ent colossal, filho da Dríade, guardião ancestral da floresta negra, o grupo percebeu que o mistério da clareira estava apenas começando, e que a jornada até aquele ponto não era nada comparada ao que ainda os aguardava.

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