domingo, 14 de setembro de 2025

Ad’Heim: O Passado Oculto de Ragnarok

 


por Yuri Schein 

A brisa fria da clareira percorreu os galhos negros da árvore ancestral, e as folhas, antes imóveis, começaram a ondular como se respirassem com o próprio Ent. A voz do guardião da floresta ressoava agora mais grave, carregando não apenas ecos de eras, mas a dor de memórias que deveriam permanecer esquecidas:

— Ragnarok… — começou o Ent, pausando para que cada palavra penetralizasse a consciência daqueles mortais que ali estavam — tomou por certo tempo uma vida que ele acreditava normal. Casou-se com uma mortal, conheceu a paz e a alegria de ter filhos, uma rotina que parecia distante de guerras e de poderes que desafiam o próprio tecido da realidade. Mas saibam… dentro dele ainda residia a consciência de Korangar, o guardião do Caos, aquele que outrora havia abandonado seu papel de Hunen. Essa força permanecia adormecida, latente, uma presença tão imensa que um mortal sequer poderia compreender sua extensão, mas que agora moldava suas ações sem jamais se revelar por completo.

O Ent movimentou seus galhos lentamente, como se apontasse para horizontes invisíveis além da clareira, enquanto sua voz diminuía e se tornava quase um sussurro carregado de pesar:

— Em uma missão a outro universo, onde a magia de Ordekh deixou uma fenda no tecido daquele mundo, Ragnarok pôde contemplar realidades que nenhum ser mortal deveria testemunhar. Ele observou dimensões e vidas que coexistiam paralelas à sua própria existência. Mas, naquela viagem, o destino conspirou contra ele… Sua família, a mortal que ele amava, Violet, e seus filhos, foram assassinados por homens famintos e sedentos de destruição, frutos de uma guerra incessante e cruel.

O Ent inclinou-se levemente, e o grupo sentiu a reverberação de sua voz como ondas através da própria terra da clareira:

— Dois de seus filhos, porém, escaparam do massacre, carregando consigo a chama da vida e uma promessa que Ragnarok desconhecia: foram levados para morar com Ranur. Mas nem Ragnarok, nem qualquer mortal naquele universo tinham conhecimento do paradeiro deles. A vila onde residiam, outrora um ponto de calor e risos humanos, foi consumida pelo fogo, deixando apenas cinzas e corpos espalhados pelo solo, uma lembrança cruel da fragilidade da vida diante da fúria da guerra.

O Ent fez uma pausa, cada galho estalando como se cada estalo fosse um lamento:

— Quando Ragnarok voltou àquele lugar, o que viu foram roupas rasgadas, queimadas pelo fogo, e corpos que pareciam falar da tragédia que se abatera. Entre eles, reconheceu o corpo de Violet… sua amada… mãe de seus filhos. Mas não pôde se aproximar, não pôde intervir. A consciência de Korangar, ainda dentro dele, permaneceu em silêncio, como se guardasse a dor para não destruir completamente o frágil equilíbrio daquilo que restava de sua humanidade.

A sombra da árvore negra parecia se aprofundar, engolindo o chão da clareira com um silêncio quase palpável. O grupo sentiu o peso da revelação, cada um deles segurando a própria respiração, como se a história de Ragnarok tivesse arrastado seus corações para séculos de dor e arrependimento.

— É por isso — continuou o Ent, com uma tristeza que parecia reverberar em cada raiz — que mesmo os mais poderosos entre os avatares não são invencíveis. Nem a força de Korangar poderia salvar aquilo que já fora perdido. Nem a magia de Ordekh poderia reparar as fendas que o tempo e a crueldade humana abrem. Cada escolha, cada gesto… deixa marcas que nem mesmo aqueles que caminham entre deuses podem apagar.

O vento se acalmou, e o Ent permaneceu imóvel, cada galho como dedos ancestrais apontando para o grupo, aguardando que eles absorvessem cada nuance daquela narrativa que, até então, ninguém mais conhecia. A clareira não era mais apenas um espaço de árvores negras — era um relicário de histórias, segredos e tragédias que moldaram não só os avatares, mas também os destinos dos mortais de Ad’Heim.

O Ent inclinou-se, sua voz diminuindo até quase um murmúrio:

— E agora vocês sabem parte do que impulsiona os acontecimentos que veem. A história de Ragnarok, de Violet e de seus filhos é apenas uma das muitas correntes que fluem sob o mundo que vocês caminham. Tudo o que virá a seguir será influenciado por esses fios, e cada passo que vocês dão nesta clareira ecoará nas eras que estão por vir.

O grupo permaneceu em silêncio, cada um absorvendo a magnitude e a dor contida na narrativa do Ent. Até o ar parecia pesado, carregado com as lembranças de guerras que transcenderam mundos, amores perdidos e o peso do destino sobre aqueles que ousam carregar o poder que nem mesmo os deuses podem controlar plenamente.

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