Por Yuri Schein
Na tradição metafísica clássica, particularmente na mecânica aristotélico-tomista, a causalidade é entendida de forma mediada: um agente age segundo sua natureza, e a causa se manifesta em categorias distintas — causa material, formal, eficiente e final. Contudo, essa abordagem se mostra insuficiente quando confrontada com a soberania absoluta de Deus e a realidade do pecado humano. No ocasionalismo, à maneira de Gordon Clark e Vincent Cheung, a causalidade é direta e imediata. Nada ocorre fora do encargo ativo de Deus. Toda ação, seja ela material ou espiritual, externa ou interna, é causada diretamente por Ele.
🌀 Tentação: Metafísica versus Experiência
A tentação ilustra com perfeição essa distinção. Deus causa a carne, o diabo e todas as circunstâncias que promovem a tentação. Ele determina o movimento de cada partícula de matéria e cada inclinação da vontade criada. No entanto, isso não transforma Deus no tentador dentro da experiência humana. Na perspectiva do indivíduo, a carne e o diabo atuam como agentes responsáveis — eles são os “tentadores” na narrativa e no exercício da escolha moral.
Tiago 1.13 deixa isso claro: “Deus não tenta ninguém com o mal.” Aqui, Tiago não discute causalidade metafísica; discute responsabilidade do agente. Deus permanece absolutamente soberano, mas a criatura é a que experiencia e responde à tentação. Assim, podemos afirmar: Deus causa a tentação, mas a criatura é o agente responsável em sua esfera de experiência.
⚔️ Causalidade Absoluta
Como causa real, Deus é o originador de tudo (Ef 1.11; Ec 11.5). Nenhum evento material ou espiritual escapa de sua vontade efetiva. O pecado, seja interno ou externo, está dentro do alcance de sua causalidade (Ap 17.17; Ez 14.9; Is 63.17). Esta não é uma afirmação de relativização do mal, mas o reconhecimento da soberania incontestável de Deus: Ele ordena e executa todas as coisas, inclusive as que nas Escrituras chamamos de mal.
🧩 Silogismo Ocasionalista
P1. Deus causa a tentação (Ef 1.11).
P2. Deus não tenta ninguém (Tg 1.13).
C. Tiago 1.13 não trata da causalidade, mas da responsabilidade do agente.
Este silogismo deixa evidente o ponto central do ocasionalismo: a causalidade metafísica e a responsabilidade moral não se confundem. Deus é a causa de tudo, mas não é o agente responsável pelas decisões humanas dentro da história. A tentação ocorre, é verdadeira, e a criatura é a que padece e responde — mas a origem última é divina.
⚙️ Conclusão
A confusão entre agente e causa é antiga. Aristóteles, Tomás de Aquino e seus seguidores tendem a pensar a causalidade como algo “autônomo” da criatura. O ocasionalismo corrige isso: a criatura existe, age e experimenta, mas tudo é causado por Deus, desde a menor inclinação da carne até o maior ato maligno do diabo. Assim, Tiago e Efésios não se contradizem; complementam-se: um fala da responsabilidade experiencial, o outro da causalidade absoluta.
No fim, reconhecer esta distinção é essencial para qualquer teologia reformada que pretenda ser consistente com a Escritura e a soberania divina. Não há espaço para ambiguidades: Deus causa todas as coisas, mas não é tentador, exceto na medida em que determina, por sua vontade, a realidade em que a tentação se manifesta.
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