segunda-feira, 29 de setembro de 2025

⚜️ Alimento Sólido da Doutrina de Cristo


✍️ Yuri Schein

A grande desculpa de muitos pseudo-cristãos é a de que certas doutrinas bíblicas seriam "profundas demais", "não caberiam no púlpito", ou ainda, "não edificariam os simples". Essa retórica nada mais é do que um insulto direto ao próprio Cristo, que não apenas ensinou essas doutrinas em público, mas o fez de forma aberta, direta e confrontativa.

O evangelho não é leite ralo, mas alimento sólido desde o princípio. Cristo nunca teve medo de escandalizar os fariseus e saduceus com a soberania absoluta de Deus. Aliás, Mateus 15.13 é um soco no estômago de qualquer arminiano: “Toda planta que meu Pai celestial não plantou será arrancada”. Aqui está a doutrina da eleição e reprovação exposta sem rodeios. Não é Paulo, não é Calvino — é Jesus.

Ele também não deixou espaço para o acaso em sua cosmovisão: “Não se vendem dois pardais por um asse? E nenhum deles cairá em terra sem a vontade de vosso Pai” (Mt 10.29). Essa frase é dinamite contra qualquer noção de livre-arbítrio autônomo. Não há movimento de pardal, queda de folha ou pensamento humano fora do decreto divino. É puro determinismo divino.

E quando conversa com Nicodemos, um não convertido, Jesus não hesita em lançar a doutrina que muitos crentes têm medo até de mencionar em um estudo de célula: a regeneração precede a fé (Jo 3.3-6). Ele não diz: “Nicodemos, você precisa escolher aceitar a Deus”; mas: “É necessário nascer de novo” — e o Espírito sopra onde quer, não onde o homem decide.

João 6.29 vai ainda mais fundo: a fé não é obra da vontade humana, mas operação direta de Deus. Cristo não prega uma fé autônoma, mas uma fé dada. E para que ninguém fique com dúvidas, Jesus martela a depravação total do homem em diversos textos (Mt 7, 12, 15; Jo 3-10): o coração humano é árvore má, e árvore má não pode dar fruto bom. Simples assim.

E Paulo? Segue a mesma linha sem pedir desculpas. Em Atos 13 ele anuncia a justificação pela fé, e nos capítulos iniciais de Romanos expõe publicamente aquilo que hoje seria chamado de “assunto polêmico para teologia acadêmica”. Em 1 Coríntios já no primeiro capítulo a justificação é posta na mesa da assembleia como tema central.

Ou seja, toda a Escritura zomba da infantilidade dos que querem manter a igreja em dieta de leite sem nunca servir carne. A própria distinção que muitos fazem entre “coisas básicas” e “coisas profundas” é antibíblica: Jesus e Paulo falam da eleição, depravação, regeneração e justificação como catecismo básico do cristianismo. O problema não é que a igreja não aguente alimento sólido; é que muitos pastores preferem continuar servindo papinha para não confrontar as cabras e perder seus aplausos.

Ocasionalismo Incipiente em

 


Yuri Schein

O  calvinista que realmente lê Calvino com atenção percebe que o reformador genebrino já falava, em outras palavras, aquilo que hoje chamamos de ocasionalismo. Claro, Calvino não desenvolveu um tratado filosófico com esse rótulo, mas as suas afirmações são de uma contundência que destrói por dentro a noção de “causa secundária” como agente eficaz.

Veja a célebre passagem das Institutas:

“Aliás, de fato nem um mínimo sequer nos aproveitaria abundância de pão, a não ser que o alimento se nos convertesse divinamente” (Institutas, III, 3, p. 372).

Se o pão tivesse em si mesmo a capacidade de nutrir, então a abundância de pão garantiria automaticamente saúde e vigor. Mas Calvino observa o contrário: o pão não faz nada. Ele não tem um poder intrínseco, não contém um “ser causal” que age sobre o corpo humano. O que acontece é que Deus, a cada instante, converte o pão em alimento verdadeiro. Não há “natureza” autônoma no pão, mas uma decisão divina que o torna eficaz ou não.

Calvino repete o mesmo princípio em seu comentário sobre Daniel 1:

“...não é a qualidade inerente dessa ou daquela comida que nos sustenta, e, sim, a bênção de Deus, segundo bem lhe parecer. Pois às vezes notamos os filhos dos ricos magros e fracos, mesmo quando são bem cuidados... e, no entanto, crianças pobres, alimentando-se de ervas ruins, florescem fortes e saudáveis. Isso, pois, deve também ser observado nas palavras de Daniel.”

A lógica é implacável: a “propriedade” da comida é irrelevante. O sustento, a força, a vida — tudo isso não decorre do objeto físico, mas do ato imediato de Deus. O pão, a carne, os vegetais não são agentes; eles são ocasiões para a causalidade divina.

Isso é precisamente o que o ocasionalismo afirma: não há uma segunda camada de poder causal, autônoma ou independente, nas coisas criadas. Elas são instrumentos passivos, como um pincel nas mãos do pintor. O pintor é Deus; o pincel, a criatura.

O calvinista, portanto, já é um ocasionalista incipiente, queira ou não. Pois ao confessar com Calvino que “nem um mínimo sequer nos aproveitaria abundância de pão” sem a ação divina, ele admite que causas secundárias não têm eficácia real.

De fato, o ocasionalismo é apenas o calvinismo levado às últimas consequências. A doutrina da providência não se satisfaz em dizer que Deus “concursa” com causas secundárias (como supôs Tomás de Aquino, ainda preso ao esquema aristotélico). O Deus de Calvino não é sócio minoritário de sua criação; Ele é o único agente real, sustentando, movendo e causando tudo, de cada respiração a cada batida do coração.

Assim, quando o calvinista ora pelo pão de cada dia, ele implicitamente reconhece: não é o pão que alimenta, é Deus que alimenta por meio do pão. Isso não é apenas devoção piedosa, mas metafísica reformada.

Portanto, a conclusão é simples: se você é calvinista, já é um ocasionalista em germe. A diferença é que alguns, como Jonathan Edwards e, ouso dizer, eu mesmo, levamos a semente até a sua maturidade.