Por Yuri Schein
“Veja bem: in diviso aqui, composito ali…” — e lá está o escolástico, balançando a tocha como se pudesse incendiar o oceano. A plateia de Aristóteles aplaude em silêncio, convencida de que a fumaça da lógica medieval é suficiente para apagar o sol do ocasionalismo.
Mas a cena é quase cômica. Eles empilham distinções como crianças que montam castelos de areia diante de uma maré que não espera ninguém. A onda vem: Deus causa tudo, sem intermediários. E o castelo, por mais ornado que esteja, dissolve-se antes mesmo de ser apreciado.
O truque do sensu in diviso e sensu composito é antigo demais para surpreender. No palco, ele parece sofisticado; nos bastidores, revela-se apenas um fantasma mal ensaiado. “Aqui a essência dividida!”, “ali a unidade composta!”, gritam os atores. Só que o ocasionalismo não precisa de réplica elaborada. Ele levanta o dedo, e com um gesto simples lembra: não há partes autônomas, não há causalidade intrínseca — há apenas o ato contínuo de Deus, sustentando e decretando cada detalhe, do brilho de uma estrela ao tropeço de um herege.
As categorias, quando examinadas, são apenas adereços quebrados. Separar percepções em fatias metafísicas não dá a elas vida própria. Toda sensação, pensamento e movimento existe porque Deus os chama à cena, exatamente quando e como deseja. Se tentam erguer causalidade humana no palco, é como plantar bandeiras no ar: não há chão para firmar.
E assim, quando o escolástico insiste em sua coreografia — “veja, sensu in diviso, portanto causalidade intrínseca!” — a contradição explode nos refletores. Ele esquece que não existe parte do mundo que aja por si mesma; que toda “distinção” que separa causa e efeito é apenas uma ilusão da ribalta.
No fim, o espetáculo sempre termina da mesma forma: a lógica ocasionalista desce como cortina, abafando a gritaria aristotélica. O público percebe que trazer sensu in diviso contra o ocasionalismo é como tentar capturar a luz com uma rede de pesca. Brilha bonito por um instante, mas o fio escapa pelos buracos, e a luz permanece intacta — implacável, soberana, divina.
Deus causa tudo. O resto é teatro escolástico que nem sombra projeta diante da claridade absoluta.
Se há uma coisa que a escolástica adora, é transformar fumaça em geometria. E nada ilustra melhor isso do que a engenhoca lógica chamada sensu in diviso e sensu composito. O truque é simples: quando você está encurralado contra o ocasionalismo, quando a tese de que Deus é a causa imediata de tudo já lhe deixou sem chão, aí vem a cartada de salão – “mas veja, sensu in diviso é uma coisa, sensu composito é outra.”
Traduzindo para o português da vida real: é o famoso “depende do ponto de vista”. É como dizer que, in diviso, a faca pode cortar; mas composito, a faca não corta sozinha. Brilhante, não? O que eles não percebem é que acabaram de confessar que o poder causal não está na faca em si, mas naquilo que a coloca em movimento. Bingo! Eles se esforçam tanto para salvar Aristóteles que acabam entregando o jogo: toda a “potência” que a faca tem não é nada sem um ato que a realize — e quem realiza o ato, no fim das contas, é Deus.
Os manuais escolásticos repetem esse teatrinho como se fosse profundo. “Ah, mas sensu in diviso a pedra pode cair; sensu composito, sem ser movida, não cai.” Ótimo, Sherlock. Isso resolve o quê? Apenas que você é capaz de dividir o óbvio em duas frases latinizadas para parecer ciência. É a versão medieval do “se por um lado… por outro lado…” que qualquer jornalista usa quando não tem o que falar.
O ponto é: o ocasionalismo não se impressiona com truques de latim. Enquanto eles balançam as palavras, a tese continua intacta: a faca corta porque Deus decreta o corte, a pedra cai porque Deus decreta a queda, e o fogo queima porque Deus acende o fósforo. Não existe uma “potência oculta” adormecida dentro dos objetos, esperando o momento de mostrar seus superpoderes. Isso é fantasia aristotélica, não metafísica cristã.
O “sensu in diviso/composito” é um fantasma da metafísica tentando respirar num quarto fechado. Ele dá um suspiro aqui, outro ali, mas já morreu há muito tempo. Só falta desligar os aparelhos.
Agora, se alguém me perguntasse: “Tá, mas afinal, o que é esse tal de sensu in diviso?”, eu responderia assim, no nível de uma turma de jardim de infância, porque essa é a única forma de não deixar o assunto virar fumaça escolástica:
Imagina que você tem um carrinho de brinquedo. Esse carrinho, sozinho, parado no chão, não anda. Mas os filósofos vão dizer o seguinte: “Ah, mas in diviso (isto é, considerado em si mesmo, sem olhar para a situação concreta), o carrinho tem a capacidade de andar, ele é feito para rolar. Agora, composito (ou seja, quando você olha para o carrinho realmente parado no chão), ele não está andando porque falta alguém empurrar.”
Traduzindo ainda mais: sensu in diviso é quando eles olham para a coisa e dizem: “Teoricamente ela pode fazer isso”. E sensu composito é quando eles admitem: “Bom, mas na prática, sozinha, ela não faz nada”.
Ou seja, é como quando uma criança de 5 anos olha para o carrinho e diz: “Ele pode andar.” E o adulto responde: “Sim, mas só se tu empurrar.” A diferença é que a criança entende isso imediatamente e não precisa inventar duas palavras em latim para parecer profunda.
Os escolásticos, coitados, ficam dividindo o mundo em dois “sentidos”:
1. In diviso – como se fosse a lista de superpoderes que um objeto teria na teoria.
2. Composito – como se fosse a realidade nua e crua, em que nada acontece sem que algo o mova.
Parece complicado, mas é só uma forma rebuscada de dizer o que qualquer criança já sabe: um brinquedo não se mexe sozinho.
E aqui está a parte divertida: eles criaram esse vocabulário não para esclarecer, mas para escapar da conclusão óbvia do ocasionalismo. Porque, se você leva isso a sério, o que sobra? Sobra que, mesmo in diviso, a tal “capacidade” não é nada além de uma possibilidade vazia. O carrinho pode andar? Sim, mas só se você empurrar. A faca pode cortar? Sim, mas só se alguém usá-la. O fogo pode queimar? Sim, mas só se for aceso. Ora, isso não é um poder real nos objetos — é apenas uma maneira rebuscada de dizer que eles não fazem nada sozinhos.
No fundo, o sensu in diviso é como aquele certificado bonito que você ganha no colégio dizendo que “pode ser qualquer coisa na vida” — mas que, sem esforço real, não serve para nada além de papel decorado. O objeto, sozinho, continua inerte. O poder é meramente um rótulo, não uma energia real circulando dentro da coisa.
E é exatamente aí que o ocasionalismo chega para bater na mesa e dizer: “Obrigado pela confissão, senhores! Vocês acabaram de admitir que nada age por conta própria. Vocês só não querem dizer em voz alta que quem move, quem corta, quem aquece, quem faz tudo acontecer é Deus.”
Se eu tivesse que explicar para uma criança de 5 anos, eu diria:
– “Olha, quando eles falam ‘in diviso’, eles querem dizer: esse brinquedo pode andar. Mas quando falam ‘composito’, é: esse brinquedo não anda até você empurrar. Só que eles acham que, se você falar isso em latim, você parece muito mais inteligente. Mas não se engane: no fim das contas, o brinquedo só anda porque alguém empurrou. E esse alguém, em última instância, é Deus, que decreta até o teu empurrãozinho.”
Ou seja, o “sensu in diviso” é como a fantasia de super-herói da criança: no papel, o boneco é capaz de voar, mas no quarto da vida real, ele só vai voar se alguém atirá-lo pela janela (e mesmo aí, cairá por decreto divino).
No fim, toda essa distinção não passa de um enfeite para não admitir que Aristóteles não tem fôlego contra a Escritura. Eles enfeitam o óbvio como se fosse um tesouro escondido, mas só estão colocando glitter numa caixa vazia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário