domingo, 21 de setembro de 2025

O Colapso do Empirismo: Física Quântica, Predestinação e Ocasionalismo

 


por Yuri Schein 

Os empiristas, tomistas e molinistas gostam de invocar a “ordem natural” como prova de suas construções metafísicas. Dizem que vemos causas e efeitos, que percebemos regularidades, que podemos abstrair leis universais. Mas quando a física entrou no domínio quântico, esse castelo de areia desmoronou. A experiência empírica moderna não confirma a metafísica aristotélica — ela a destrói.

O Princípio da Incerteza e a falência da causalidade natural

Werner Heisenberg mostrou que não é possível determinar simultaneamente a posição e o momento linear de uma partícula. O que o tomista chamaria de “ato em potência” simplesmente não existe: não há trajetória determinada aguardando atualização. Só existe indeterminação matemática até que um evento ocorra. Ora, se a causalidade fosse intrínseca à matéria, a trajetória deveria ser previsível — mas não é. Logo, a suposta “metafísica do ser” aristotélica se dissolve em pura ignorância.

O Experimento da Dupla Fenda e o ocasionalismo experimental

Quando fótons ou elétrons passam por uma dupla fenda, eles não se comportam como bolinhas materiais nem como ondas determinísticas. Eles exibem interferência probabilística, e o padrão só se define quando observamos. Mas não é o olho humano que cria a realidade, como pensam os mais místicos da ciência. É a vontade soberana de Deus que, naquele instante, decide a posição da partícula. Cada ponto no anteparo não é “causado” pela partícula em si, mas decretado por Deus — exatamente como ensina o Ocasionalismo: não há causa segunda intrínseca, mas apenas ocasião para o agir divino.

O Emaranhamento Quântico contra o livre-arbítrio molinista

Partículas emaranhadas compartilham estados instantaneamente, independentemente da distância. Einstein chamou isso de “ação fantasmagórica à distância”, mas para o cristão é apenas mais uma prova de que o cosmos é sustentado diretamente pelo decreto de Deus. O molinista, que quer salvar a “liberdade das criaturas”, precisa engolir que até as partículas mais elementares obedecem instantaneamente a uma coordenação externa. Não existe “autonomia” nem mesmo no nível subatômico, quanto mais no coração humano.

A Função de Onda e o decreto eterno

A equação de Schrödinger descreve a função de onda como uma superposição de possibilidades. Mas qual dessas possibilidades se torna realidade? Os físicos falam em “colapso da onda”, mas não sabem explicar a causa. Alguns apelam a multiversos infinitos, outros à consciência humana. O cristão reformado, porém, não precisa inventar ficções: o colapso é simplesmente a execução temporal do decreto eterno de Deus. Ocasionalismo puro: não há probabilidade “em si”, mas apenas a manifestação temporal da certeza eterna.

A Redução ao Absurdo dos empiristas

Se o empirista quiser ser honesto, terá de admitir: a experiência não revela ordem racional intrínseca, mas antes mistério, indeterminação e quebra de causalidade clássica. A própria ciência que eles adoram não confirma Aristóteles, mas Jonathan Edwards. Não confirma Tomás de Aquino, mas Efésios 1:11. E se eles insistirem em tomar o “dado empírico” como fundamento último, cairão na irracionalidade: pois os sentidos só mostram caos, enquanto a revelação mostra decreto.

A física quântica é apenas mais uma ocasião em que Deus confunde os sábios deste mundo (1Co 1:20). Os que se apoiam em Aristóteles, Tomás ou Molina para sustentar uma metafísica do “ato e potência” ou da “liberdade das causas segundas” são reduzidos ao absurdo pelo próprio campo em que confiam: a ciência experimental. O cristão, porém, descansa no decreto eterno: não há acaso, não há liberdade da criatura, não há autonomia da matéria. Há apenas o Deus que “sustenta todas as coisas pela palavra do seu poder” (Hb 1:3).


O Peso Invisível: Quando o Sorriso é Apenas uma Máscara


por Yuri Schein 

Vivemos cercados de pessoas que sorriem, que parecem estar bem, que até fazem piadas para aliviar o ambiente. Mas o que raramente percebemos é que, muitas vezes, esses sorrisos não passam de máscaras frágeis. Atrás deles, há cansaço, solidão, medo e batalhas que ninguém mais vê.

A sociedade nos treinou para aparentar força. Fomos condicionados a acreditar que demonstrar dor é sinal de fraqueza. Assim, aprendemos a esconder as lágrimas, a calar os gritos internos e a sufocar a alma sob uma fachada de normalidade. Quantos de nós já não sorrimos quando, por dentro, estávamos desmoronando?

O grande problema é que, ao acreditar na aparência, também nos tornamos cegos. Passamos ao lado de pessoas que pedem ajuda em silêncio, mas confundimos esse silêncio com indiferença. Vemos um semblante alegre e não imaginamos que ele pode estar cobrindo cicatrizes profundas.

É fácil admirar quem aparenta estar sempre bem. Difícil é enxergar que até os mais fortes sangram quando a multidão vai embora. E é nesse ponto que a compaixão se torna urgente: precisamos aprender a olhar além do óbvio, a ouvir o que não é dito, a perceber que nem toda alegria é verdadeira.

Antes de admirar um sorriso, pergunte-se: será que não é apenas um escudo? Às vezes, o gesto mais humano não é aplaudir a força alheia, mas oferecer um espaço seguro para a fragilidade. Pois quem hoje sorri para esconder a dor pode estar implorando por alguém que enxergue além da máscara.

sexta-feira, 19 de setembro de 2025

Manifesto Contra o Deus de Papel

 


por Yuri Schein 

O arminiano tem um deus carente. Ele bate na porta, implora, fica roendo unhas no céu enquanto espera o homem “escolher”. É um ídolo patético, mais digno de pena do que de adoração. Esse deus não reina — ele implora. Não governa — ele suplica. Não salva — ele oferece descontos em feira livre: “Aceita-me, criatura, que eu te salvo!”

O católico romano, por sua vez, aperfeiçoou a arte da heresia com sofisticação medieval. O purgatório é a confissão mais honesta de que o seu sistema não crê que Cristo é suficiente. Afinal, se o Filho de Deus sangrou até a morte, mas ainda sobra sujeira para ser queimada num limbo inventado, então não é Jesus quem salva, mas o incinerador papista. Isso não é evangelho; é blasfêmia institucionalizada.

E o semi-pelagiano? Esse é o mais cínico. Ele fala de “graça preveniente” como se fosse profundo, mas no fundo está dizendo: “Deus faz 99%, e o gênio humano completa com seu livre-arbítrio brilhante”. Isso é pior que pelagianismo cru. Porque ao menos Pelágio era honesto: dizia que o homem salva a si mesmo. O semi-pelagiano, ao contrário, se veste de piedade e ainda posa de humilde.

Mas o evangelho bíblico não pede voto, não abre enquetes, não espera consenso. O Deus da Escritura decreta, endurece, engana, mata, ressuscita, salva e condena — e faz tudo isso para a glória do Seu Nome. Romanos 9 é o epitáfio do livre-arbítrio: “Quem és tu, ó homem, para discutires com Deus?” (Rm 9:20).

Não adianta chorar: esse Deus é escandaloso, e ainda bem. Porque um deus impotente não salvaria ninguém; no máximo seria mascote de igreja. O Deus vivo, porém, não negocia com a vontade humana: Ele quebra, pisa, regenera, transforma e glorifica.

Quem prefere o ídolo sentimental do arminianismo, o purgatório do papado ou a “graça” diluída do semi-pelagianismo, que fique com suas fábulas. Eu fico com o Deus que faz tudo segundo o conselho da Sua vontade (Ef 1:11). O resto é religião de circo, palhaçada teológica para entreter os que não suportam o escândalo da cruz.

quinta-feira, 18 de setembro de 2025

Simul Justus et Peccator: O Escândalo da Graça e a Ironia da Santidade

 


por Yuri Schein 

Há uma expressão que deveria ser tatuada na testa de cada cristão que ousa falar em “vida vitoriosa”: Simul Justus et Peccator. Simultaneamente justo e pecador. A fórmula de Lutero não é poesia teológica para enfeitar seminário, mas a confissão mais honesta e sangrenta da realidade espiritual humana. Nós somos justos porque a justiça de Cristo nos foi imputada — não injetada, não infundida, não pingada em doses homeopáticas como pensam os católicos romanos, mas colocada em nossa conta como um depósito divino que jamais poderá ser estornado. E, ao mesmo tempo, somos pecadores, miseráveis, cheios de falhas, tropeçando no mesmo pecado que juramos nunca mais cometer, pecadores tão evidentes que se não fosse a justiça alienígena de Cristo, estaríamos todos condenados ao inferno em tempo integral.

O que essa frase destrói de cara? Primeiro, a arrogância farisaica dos que fingem perfeição. Aquelas figuras que desfilam pelas igrejas com ares de superioridade moral, como se a santificação os tivesse transformado em anjos encarnados. Balela. A santificação é real, mas nunca absoluta nesta vida. Todo cristão é uma contradição ambulante: no íntimo, unido a Cristo, regenerado, habitado pelo Espírito; mas na carne, uma oficina de pecados, desejos deturpados e pensamentos impronunciáveis. Paulo sabia disso quando, em Romanos 7, gritou em desespero: “Miserável homem que eu sou!”. E este não era um descrente, era o apóstolo inspirado. O simul justus et peccator é a explicação: Paulo era justo em Cristo, mas ainda pecador em si mesmo.

Segundo, essa verdade demole o molinismo e todo humanismo travestido de teologia. O molinista dirá que Deus apenas previu quem creria, que a liberdade humana é soberana, e que a salvação depende, em última instância, de você mesmo apertar o botão da fé. Mas se a salvação dependesse de mim, eu estaria perdido antes do café da manhã. Se a perseverança fosse fruto de meu esforço, eu já teria largado a corrida há muito. O molinismo é apenas pelagianismo de terno e gravata: uma confiança idólatra na capacidade humana. O simul justus et peccator é um tapa na cara dessa ilusão. Nós não temos nada em nós mesmos para oferecer a Deus — nem fé, nem obras, nem perseverança. Tudo é graça, decretada, aplicada e preservada por Ele.

Terceiro, essa fórmula aniquila qualquer noção romântica de “progresso espiritual” como se fosse uma escada linear rumo à perfeição. O cristão não progride como quem sobe degraus; ele cambaleia, tropeça, cai, levanta, e mesmo assim chega ao final porque é carregado pelos ombros do Bom Pastor. Lutero tinha razão ao ridicularizar os místicos que falavam em estados superiores de pureza nesta vida. É ironia divina: o verdadeiro santo é aquele que mais reconhece o próprio pecado. Quanto mais próximo de Deus, mais a luz revela a sujeira do coração.

Portanto, ser simultaneamente justo e pecador não é contradição lógica, mas paradoxo existencial decretado pelo próprio Deus. Justo declarado pela imputação de Cristo, pecador experimentado na carne mortal. Aqui entra a ironia da santidade: quanto mais santo diante de Deus, mais pecador nos sentimos diante dos homens.

Eis a beleza sarcástica do evangelho: Deus olha para um miserável como eu e declara, com voz de tribunal eterno, “Justo!”. O diabo pode protestar: “Mas ele peca, ele cai, ele mente, ele duvida!”. E Deus responde: “Cale-se, Satanás, porque a justiça do meu Filho está sobre ele. Sim, ele é pecador. Mas ele é justo em meu tribunal. Ele é, ao mesmo tempo, justo e pecador”.

Esse é o evangelho que não cabe em mentes moralistas nem em sistemas sinergistas. É loucura para o legalista que pensa acumular méritos; é escândalo para o místico que sonha em pureza perfeita nesta vida; é intolerável para o molinista que acredita na liberdade humana autônoma. Mas é bálsamo para o cristão que olha no espelho e vê um pecador fracassado, e mesmo assim pode dizer com confiança: “Em Cristo, sou justo”.

A vida cristã não é um concurso de virtudes, mas a humilhação constante de viver nessa tensão. Somos mendigos vestidos com roupas reais. Somos cadáveres animados pela vida de Cristo. Somos, como disse Lutero, justos e pecadores ao mesmo tempo. E se isso soa contraditório, parabéns: você começou a entender a profundidade da graça.


quarta-feira, 17 de setembro de 2025

A Justiça Não é Palco para Vinganças Políticas

 

Por Yuri Schein 

A esquerda brasileira demonstra uma ânsia quase patológica em ver Bolsonaro sofrendo na cadeia. Cada manchete, cada post, cada comentário nas redes revela mais desejo de humilhação do que preocupação com a lei. Esqueceram que o sistema penal não existe para satisfazer rancores ideológicos.

A justiça não é circo, não é palco para torcida organizada. Ela existe para punir de forma racional, prevenir crimes e manter a ordem, independentemente de quem esteja sob julgamento. Transformar processos legais em espetáculo político é confundir lei com emoção e democracia com revanche.

Quem defende isso não está defendendo a lei; está defendendo a própria frustração. E confundir justiça com ódio é, antes de tudo, trair a razão de ser do Estado de Direito.

terça-feira, 16 de setembro de 2025

Legolas: Nome, Significado e a Banalização de um Símbolo Élfico

 


por Yuri Schein 

O Nome Legolas e sua Etimologia

Legolas não é um nome inventado ao acaso, nem mero “som bonito”. Tolkien, como filólogo, construiu-o a partir do sindarin, unindo laeg (“verde”) e golas (“folhagem”). Assim, “Legolas” significa literalmente “Folha Verde”. Esse significado evoca:

Natureza viva: conexão imediata com a floresta de seu povo.

Renovação: folhas caem e brotam, simbolizando resiliência e continuidade.

Contraste: enquanto Gimli é pedra, Legolas é folhagem – ambos complementares.

Arquétipos Literários e Míticos

Legolas representa mais do que um arqueiro ágil:

Elfo da transição: não é isolado como os da Floresta, nem elevado como os de Valfenda; ele transita entre mundos.

O olhar que enxerga longe: tanto no sentido literal (seus olhos aguçados), quanto no figurado – ele percebe aquilo que os outros ignoram.

O símbolo da leveza: sua capacidade de caminhar na neve sem afundar representa a transcendência sobre o peso do mundo.

A Rasura Moderna: Quando Legolas é Rebaixado

Algumas interpretações rasas reduzem Legolas a um mero “elfo bonitinho com arco”. Isso é uma caricatura que trai o peso simbólico de seu nome e função. Ele não é um figurante adolescente para fanservice, mas um elo entre a eternidade élfica e o drama humano. Descartar seu significado é como traduzir “Legolas” por “Greenleaf” e achar que está tudo resolvido.

O Significado Literário e Cultural

Linguístico: Tolkien escolheu cuidadosamente os radicais élficos para criar identidade.

Narrativo: Legolas é mediador entre raças (amizade improvável com Gimli).

Cultural: ele encarna o anseio humano pela harmonia com a natureza.

Crítico: tratá-lo como acessório é ignorar que Tolkien usa nomes como mapa simbólico da narrativa.

Legolas não é só arqueiro, nem apenas um nome exótico: ele é a Folha Verde, ponte entre o efêmero e o eterno, entre o peso da terra e a leveza da floresta. Sua simbologia se perde quando a cultura pop o transforma em estampa de camiseta. É a diferença entre entender o texto como mito vivo o reduzi-lo a entretenimento descartável.


Gandalf: Nome, Significado e a Farsa do “Grand’Elf”

 


por Yuri Schein 

Gandalf, o mago cinzento de O Senhor dos Anéis, não é só um velho de barba longa com chapéu pontudo. Ele é filologia viva em forma de personagem. Cada sílaba do seu nome tem significado, cada gesto carrega propósito, e ainda assim há quem ache que você pode resumir isso a “Grand’elf” na tela. Spoiler: não dá.

1. Significado dentro da Terra-média

Tolkien não escolheu o nome Gandalf ao acaso:

Sindarin / Nórdico antigo:

Gand = bastão, magia, guia.

Alf = elfo ou ser espiritual.

Resultado: “elfo do bastão” ou, mais poeticamente, “mago guia”.

Quenya: a ideia se mantém, com ênfase em sabedoria, mediação e providência.

Nome alternativo: Elessar, a Pedra Élfica, símbolo de esperança e renovação.

Resumindo: Gandalf não é só “grande” visualmente. Ele é sabedoria materializada, canal de providência, e o nome dele reflete exatamente isso — algo que, aparentemente, a Amazon acha dispensável.

Gandalf na tradição mítica

Gandalf não inventa a roda do arquétipo:

Merlin: conselheiro, profeta e manipulador sutil.

Hermes: intermediário entre mundos, mensageiro da divindade.

Profetas bíblicos: guiam e conduzem, mesmo escondidos ou incompreendidos.

O que Tolkien fez foi amarrar esses arquétipos à cosmologia de seu mundo, tornando Gandalf funcional dentro da história e do próprio universo. Ele não é apenas um “mago poderoso” para impressionar visualmente.

Crítica ao conceito de “Grand’Elf/Grande'Elfo

Aqui é onde a série Anéis de Poder mostra o que acontece quando você pega um personagem com décadas de construção e o resume a um rótulo preguiçoso:

Redução de função: Gandalf deixa de ser Maiar e guia espiritual para virar “grande elfo visualmente impressionante”.

Ignora a etimologia: o nome Gandalf carrega sabedoria, bastão e mediação, não músculos ou aura luminosa.

Rasura o arquétipo: o verdadeiro Gandalf manipula o destino, orienta, ensina e atua dentro da providência de Eru Ilúvatar. “Grand’elf” não chega nem perto disso.

É como chamar Aragorn de “rei grandão”: você vê, mas perde completamente o significado histórico e simbólico.

Significado literário e cultural

Gandalf funciona em múltiplos níveis:

Linguístico: cada sílaba tem peso semântico.

Mítico: sábio e intermediário entre mundos.

Narrativo: catalisador da história, não adorno visual.

Crítico: demonstra que a profundidade vem do texto e do contexto, não de efeitos especiais.

Se você acha que basta colocar um mago com chapéu e cajado na tela, sinto informar: você perdeu a metade do personagem.

Gandalf é muito mais que “Grand’elf”:

Nome significa mago / elfo do bastão, ligado a sabedoria e orientação.

Arquétipo: sábio, intermediário entre mortal e divino.

Redução para qualquer rótulo simplório é, no mínimo, preguiçosa.

Em resumo: Gandalf é Tolkien em forma de personagem. Se você quiser entender o verdadeiro Gandalf, pare de olhar para o visual e leia a raiz do nome, a função dele na história e o papel simbólico que exerce. Caso contrário, você vai achar que qualquer elfo grandalhão é suficiente para substituir décadas de construção narrativa.

E sim, isso dói na alma de quem já leu os livros. Mas pelo menos, se você prestar atenção, dá para rir da audácia de chamar Gandalf de “Grand’elf” enquanto o verdadeiro herói guiava a providência de um mundo inteiro.

Aragorn: Nome, Significado e Mitologia do Rei Errante


 por Yuri Schein 

Aragorn, o protagonista de O Senhor dos Anéis, não é apenas um personagem de fantasia. Ele é a prova viva de que Tolkien sabia que até nomes precisam trabalhar. Cada sílaba tem origem, peso histórico e, ouso dizer, uma dose de filologia quase obsessiva.

Significado dentro da Terra-média

Dentro das línguas élficas criadas por Tolkien, Aragorn não é só um conjunto de letras bonito:

Quenya (língua élfica formal):

Prefixo “Ar-”: rei, nobreza.

Sufixo “-gorn”: coragem, firmeza, valentia.

Resultado: “Rei valente” ou “Nobre corajoso”.

Sindarin (língua élfica falada): mantém conotações de heroísmo e liderança natural.

Além disso, o personagem recebe o nome Elessar, a Pedra Élfica, símbolo de esperança e renovação — Tolkien aqui praticamente dá uma piscadela para quem entende de linguística e simbologia.

Aragorn na história… se ela existisse

Podemos imaginar Aragorn como um nome histórico europeu, preservado em crônicas medievais hipotéticas:

Ar-: nobre, elevado, rei (Artur, Arya).

-gorn: impetuoso, valente (Gorm, Sigurd, Harald).

Latim medieval fictício: Aragornus rex, significando “O rei valente que anseia pela restauração”.

Cronistas poderiam registrar com aquela formalidade toda:

“Aragornus, cuius nomen sonat Regem ardentem, fuit vir qui, licet occulte vixit, coram Deo claruit.”

(Aragorn, cujo nome soa como Rei ardente, foi homem que, embora viveu oculto, brilhou diante de Deus.)

Aqui Tolkien mostra sua assinatura: o nome soa tão autêntico que você quase acredita que alguém, em algum mosteiro medieval, poderia tê-lo escrito em pergaminho.

O arquétipo do rei oculto

Aragorn segue um padrão antigo:

Artur, educado em anonimato até assumir o trono.

Harald Hildetand, rei nórdico que reconquista a glória perdida.

Davi, figura bíblica que ascende ao trono após anos de perseguição.

Tolkien combina mito, história e filologia de forma que você lê e pensa: “Ok, se esse cara não existiu, poderia muito bem ter existido.” É a fantasia que convence pela credibilidade, algo que poucos autores conseguem sem transformar a história em uma enciclopédia de nomes inventados.

Significado literário e cultural

O nome não é só estético; ele funciona:

1. Linguístico: cada sílaba carrega significado no idioma inventado.

2. Histórico: lembra nomes europeus reais.

3. Mítico: representa o rei restaurador.

4. Estético: força, nobreza e liderança em perfeita harmonia.

Em outras palavras: Tolkien provavelmente gastou mais tempo pensando em nomes do que muitos de nós gastam em toda a vida escolar — e ainda conseguiu que o resultado parecesse natural.

Aragorn é o produto da genialidade de Tolkien em filologia, história comparativa e narrativa mítica.

Em Quenya e Sindarin, significa “rei valente” ou “nobre corajoso”.

Historicamente, ecoa reis lendários da Europa.

Mitologicamente, encarna o arquétipo do rei oculto que retorna.

É um personagem cuja identidade linguística, histórica e simbólica está tão bem costurada que até a gente, leitores céticos, sente vontade de acreditar.

E no final das contas, se Tolkien fosse um professor universitário qualquer, provavelmente seria aquele que te convence que até a tabela periódica é uma obra de fantasia, porque cada elemento “tem que soar certo”. Aragorn é assim: impossível de inventar por acaso, impossível de esquecer.

segunda-feira, 15 de setembro de 2025

Cortar Árvores é Ruim? Só Se Você Acreditar em Fadas

 


Por Yuri Schein 

Ah, o mantra ambientalista moderno: “Cortar árvores é ruim.” Que frase poética, tão cientificamente válida quanto acreditar que árvores vão pedir desculpas quando você as derruba. Vamos aos fatos – ou melhor, à realidade, que o ambientalismo ignora com elegância.

Árvores Não Sentem

Não, árvores não têm consciência. Elas não choram. Elas não sofrem. Se você acha que derrubar uma árvore é moralmente “ruim”, parabéns: você está projetando sentimentos humanos em madeira. Isso se chama antropomorfismo, e é tão científico quanto crer que pedras têm medo do escuro.

Ciência? Sim… Mas Não Absoluta

Claro, podemos medir efeitos do corte de árvores. E sim, há situações em que cortar árvores é benéfico:

Árvores invasoras eliminadas = espécies nativas prosperam

Desmatamento planejado = regeneração acelerada

Silvicultura industrial = menos pressão sobre florestas virgens

Mas aqui vem o detalhe que poucos ambientalistas consideram: toda ciência é baseada em indução. Observamos padrões, coletamos dados, fazemos generalizações… mas nenhum experimento, estudo ou gráfico pode provar que cortar árvores é sempre “ruim”. Sempre existe a possibilidade de que a próxima observação contradiga a conclusão.

Moralidade Não Se Deduz de Gráficos

Mesmo que todos os estudos mostrassem impactos negativos, isso não estabelece moralidade absoluta. Ciência informa consequências, mas não diz o que é certo ou errado. A moralidade não surge de tabelas de crescimento de plantas ou imagens de satélite.

Neutralidade da Realidade

A floresta não julga. A natureza não cria slogans. Consequências existem, mas bom ou ruim é um conceito humano, não científico. A realidade é epistemologicamente neutra: não há argumento científico capaz de provar moralmente que cortar árvores é “ruim” ou “bom”.

Pare de Plantar Dogmas

Então, da próxima vez que alguém gritar “cortar árvores é ruim”, sorria. Você está diante de ideologia disfarçada de ciência. Podemos estudar efeitos, medir impactos e analisar dados… mas a indução científica nunca cria certezas morais universais.

No final, a única posição racional é simples: a realidade é neutra. E se alguém insiste em culpar o machado? Bem-vindo ao reino do pensamento mágico moderno, onde slogans substituem lógica e indução é ignorada.

Tomás de Aquino: O “Filósofo Cristão” ou o Aristóteles de Batina?

 


por Yuri Schein 

Tomás de Aquino (1225–1274), o grande Doutor Angélico, é muitas vezes celebrado como o reconciliador entre fé e razão. Ele tentou pegar o grego Aristóteles, dar-lhe um roupão teológico e apresentá-lo como cristão. Mas aqui entra o problema: transformar filosofia pagã em dogma cristão não gera verdade revelada; gera um híbrido de metal e barro.

Enquanto Aristóteles separava o homem de Deus, Tomás tentou colar a fé sobre a razão humana, criando sistemas que parecem cristãos, mas que, ao analisar de perto, retratam mais o grego do que o Cristo bíblico. É a grande ilusão do escolasticismo: acreditar que a mente finita pode “compreender” Deus a partir de princípios humanos.

A Síntese da Teologia Tomista

Tomás separa a verdade em fé (revelação) e razão (filosofia). Ele admite, em teoria, que só Deus revela a verdade última. Porém, na prática, Aristóteles se torna o árbitro do que é racional e do que é “coerente” com a fé. Resultado: a fé é constantemente filtrada por uma lógica humana que, mesmo adornada com referências bíblicas, permanece falível, limitada e grega demais.

Cinco Vias: Engenharia da Soberania

Tomás é famoso pelas Cinco Vias para provar a existência de Deus. Elas são elegantes, impecáveis em silogismos, mas aqui entra a ironia: todas tentam chegar a Deus pela razão humana. A revelação bíblica, por outro lado, mostra que o homem não descobre Deus por indução, mas é chamado, iluminado e sustentado pelo Espírito. Tomás, como Aristóteles, confia que a mente humana caída pode deduzir a existência do Criador, como se uma vela pudesse iluminar o Sol!

A Lei Natural: Ética de Racionalidade Humana

No campo da ética, Tomás constrói a Lei Natural, tentando explicar moralidade através da razão. Novamente, o problema é o mesmo de Aristóteles: a mente humana, embora capaz de distinguir certo e errado, não alcança a verdadeira justiça, nem a santidade, sem Cristo. O tomismo, portanto, fornece uma ética “quase cristã”, adequada para administração de impérios, mas incapaz de salvar almas.

Mistura de Gênio e Limitação

Tomás é genial: sistematizou a teologia, organizou o pensamento medieval e influenciou séculos de Igreja Católica. Mas é aqui que a pegada de Yuri Schein brilha: o Doutor Angélico mostra que mesmo a mente mais disciplinada e devota, sem Cristo como fundação, produz ouro misturado a barro. Um Aristóteles com batina, que olha para Deus e ainda assim mede Sua grandeza com régua humana.

Tomás nos ensina duas lições, se tivermos olhos para ver:

O homem pode trabalhar intelectualmente sobre Deus e fazer isso muito bem, mas a obra nunca chega à perfeição divina.

A razão humana não ilumina a mente; só a revelação e a graça salvam. Em outras palavras, Tomás de Aquino é uma advertência viva: toda sofisticação filosófica, quando separada de Cristo e da Escritura, é só aparência de sabedoria.

Se o conhecimento verdadeiro sobre Deus depende da revelação divina, mas Tomás tentou alcançar a maior parte de sua teologia pelo raciocínio humano, então Tomás não alcançou conhecimento plenamente verdadeiro.

Se a moralidade perfeita depende de Deus, mas Tomás baseou a ética em princípios derivados da razão humana, então a moralidade tomista é limitada e imperfeita.

domingo, 14 de setembro de 2025

Ad’Heim: O Despertar de Angarkor




por Yuri Schein 

O Ent continuou, suas palavras carregadas de peso ancestral, o tronco e os galhos tremendo levemente como se a própria terra sentisse o terror descrito:

— Ragnarok… — começou, cada sílaba vibrando como trovões distantes — não suportou o luto. O desespero que tomou sua consciência rompeu as leis que antes limitavam Korangar. O que antes era apenas uma presença latente dentro de Ragnarok tornou-se uma força viva, consciente, sedenta, capaz de moldar a própria realidade. Assim nasceu Angarkor, um Avatar do Caos sem limites, cuja mera existência distorcia o tecido do espaço, deformava dimensões e ultrapassava qualquer força criada ou concebida pelo mundo.

Os galhos da árvore negra se curvaram com um vento carregado de tensão, e o grupo sentiu um frio profundo percorrer suas espinhas.

— Seus irmãos — continuou o Ent, a voz agora um sussurro grave e reverberante — Neutro e Ordekh permaneceram conscientes de suas personalidades, mas mantiveram os nomes derivados de seus próprios anagramas, adotando uma forma mais discreta. Mas Angarkor… não mais suportava limitações. Ele buscou vingança.

O Ent inclinou-se, e as folhas caíram lentamente, como uma chuva negra sobre a clareira:

— Ele exterminou não apenas os assassinos de sua família, mas uma cidade inteira, gigantesca, que rivalizava com Lenória Imperial em beleza e população. Hoje essa cidade é conhecida como as Ruínas do Reino Sul de Lenória. Cada rua, cada torre, cada praça foi obliterada pelo poder de Angarkor.

O Ent levantou um galho, apontando como se o grupo pudesse ver através do tempo:

— Ele não usava armas comuns. Ele transmutou a realidade em suas mãos, criando dois katares que pareciam absorver o próprio caos que habitava sua essência. Cada lâmina era negra como obsidiana, refletindo fragmentos de rubi e carvão, como se chamas internas dançassem sobre o metal. Elas não apenas cortavam carne ou ossos — rasgavam o espaço ao redor, criando uma distorção palpável, como se o mundo tremesse com cada movimento.

O Ent descreveu os golpes com riqueza de detalhes:

— Angarkor avançava com velocidade sobrenatural, girando e perfurando o ar ao mesmo tempo, seus katares emitindo uma aura vermelha e negra que ardia como fogo e sombra combinados. Cada corte desintegrava a matéria; o sangue jorrava em explosões vermelhas e negras, misturando-se com as cinzas das construções que colapsavam antes mesmo de serem atingidas. Criaturas humanas e mágicas eram dilaceradas em segundos, corpos pulverizados ou decapitados como se o próprio tecido da vida fosse instável diante de sua presença. O chão da cidade se tornou um mosaico de vermelho vivo, fragmentos de carne, cinzas e destroços, uma tapeçaria de caos que refletia a magnitude de seu ódio.

A aura de Angarkor era mais que energia: era distorção. O ar ao redor parecia vibrar, cada raio de luz se curvava para evitar tocar suas lâminas, sombras vivas dançavam em torno dele, e o espaço se dobrava como água sobre as lâminas afiadas dos katares. Cada movimento criava microfendas na realidade, e cada impacto reverberava através do tecido dimensional do mundo.

— Assim nasceu Angarkor — disse o Ent, a voz carregada de pesar — o Avatar do Caos, um ser cuja fúria transcende leis, dimensões e limites mortais. E é por isso que até mesmo objetos aparentemente comuns, como os brincos de Valeth, podem carregar fragmentos de destinos que nenhum mortal deveria tocar

O grupo ficou imóvel, absorvendo cada palavra. A clareira parecia respirar junto com os segredos recém-revelados, e o Ent, imóvel e colossal, finalizou:

— Vocês caminham agora sobre os passos de seres que dobraram a realidade e desafiaram o próprio tecido de Ad’Heim. Tudo o que vier a seguir… testará não apenas a força de seus corpos, mas a coragem e a consciência de suas almas.


O Ent permaneceu imóvel por um instante, as raízes pulsando levemente sob o solo, a copa sombreando toda a clareira como se quisesse proteger ou punir ao mesmo tempo. Seus galhos se erguiam, carregados de folhas negras que pareciam absorver a própria luz. Então, com uma voz profunda, que reverberava no ar e nos ossos do grupo, ele falou pela última vez:


— Agora… não há mais como eu continuar contando esta história. Tudo o que tinha de revelar… já chegou até vocês.


E como se obedecesse a uma vontade própria, o colossal ser começou a se transformar. Sua forma antropomórfica, quase humana em sua imponência, lentamente se fundiu com a essência da floresta. Os galhos se entrelaçaram, a casca se fechou e se enegreceu, até que o Ent não era mais visível como criatura viva. Tornara-se uma árvore negra, imóvel, silenciosa, mas carregada de uma presença ancestral tão poderosa que fazia o vento ao redor parecer hesitar em tocar suas folhas.


O grupo, ainda ofegante, olhou ao redor em silêncio. O peso das revelações recém-escutadas se misturava com o temor de ter diante de si uma força impossível de medir. Foi então que algo chamou a atenção de todos: do meio da floresta, atrás das árvores mortas que cercavam a clareira, começou a subir uma coluna de fumaça, negra e espessa, que se ergueu aos céus com uma imponência jamais vista.

Era enorme, tão vasta que parecia engolir o horizonte, e mesmo à distância, irradiava um calor sufocante, fazendo o ar tremer e o chão vibrar levemente sob seus pés. O cheiro de queimado e fuligem misturava-se à umidade da floresta morta, tornando o ambiente quase irrespirável.

O grupo permaneceu imóvel, observando, apreensivo, sem saber se aquela fumaça era apenas sinal de destruição ou o prenúncio de algo muito maior, algo que poderia mudar o destino de tudo o que conheciam em Ad’Heim.

E ali, na clareira silenciosa, com o Ent agora imóvel como árvore negra diante deles e a fumaça crescendo sem controle ao fundo, o capítulo chegava ao seu fim, deixando o grupo, e o leitor, à beira de um suspense terrível.

Ad’Heim: O Passado Oculto de Ragnarok

 


por Yuri Schein 

A brisa fria da clareira percorreu os galhos negros da árvore ancestral, e as folhas, antes imóveis, começaram a ondular como se respirassem com o próprio Ent. A voz do guardião da floresta ressoava agora mais grave, carregando não apenas ecos de eras, mas a dor de memórias que deveriam permanecer esquecidas:

— Ragnarok… — começou o Ent, pausando para que cada palavra penetralizasse a consciência daqueles mortais que ali estavam — tomou por certo tempo uma vida que ele acreditava normal. Casou-se com uma mortal, conheceu a paz e a alegria de ter filhos, uma rotina que parecia distante de guerras e de poderes que desafiam o próprio tecido da realidade. Mas saibam… dentro dele ainda residia a consciência de Korangar, o guardião do Caos, aquele que outrora havia abandonado seu papel de Hunen. Essa força permanecia adormecida, latente, uma presença tão imensa que um mortal sequer poderia compreender sua extensão, mas que agora moldava suas ações sem jamais se revelar por completo.

O Ent movimentou seus galhos lentamente, como se apontasse para horizontes invisíveis além da clareira, enquanto sua voz diminuía e se tornava quase um sussurro carregado de pesar:

— Em uma missão a outro universo, onde a magia de Ordekh deixou uma fenda no tecido daquele mundo, Ragnarok pôde contemplar realidades que nenhum ser mortal deveria testemunhar. Ele observou dimensões e vidas que coexistiam paralelas à sua própria existência. Mas, naquela viagem, o destino conspirou contra ele… Sua família, a mortal que ele amava, Violet, e seus filhos, foram assassinados por homens famintos e sedentos de destruição, frutos de uma guerra incessante e cruel.

O Ent inclinou-se levemente, e o grupo sentiu a reverberação de sua voz como ondas através da própria terra da clareira:

— Dois de seus filhos, porém, escaparam do massacre, carregando consigo a chama da vida e uma promessa que Ragnarok desconhecia: foram levados para morar com Ranur. Mas nem Ragnarok, nem qualquer mortal naquele universo tinham conhecimento do paradeiro deles. A vila onde residiam, outrora um ponto de calor e risos humanos, foi consumida pelo fogo, deixando apenas cinzas e corpos espalhados pelo solo, uma lembrança cruel da fragilidade da vida diante da fúria da guerra.

O Ent fez uma pausa, cada galho estalando como se cada estalo fosse um lamento:

— Quando Ragnarok voltou àquele lugar, o que viu foram roupas rasgadas, queimadas pelo fogo, e corpos que pareciam falar da tragédia que se abatera. Entre eles, reconheceu o corpo de Violet… sua amada… mãe de seus filhos. Mas não pôde se aproximar, não pôde intervir. A consciência de Korangar, ainda dentro dele, permaneceu em silêncio, como se guardasse a dor para não destruir completamente o frágil equilíbrio daquilo que restava de sua humanidade.

A sombra da árvore negra parecia se aprofundar, engolindo o chão da clareira com um silêncio quase palpável. O grupo sentiu o peso da revelação, cada um deles segurando a própria respiração, como se a história de Ragnarok tivesse arrastado seus corações para séculos de dor e arrependimento.

— É por isso — continuou o Ent, com uma tristeza que parecia reverberar em cada raiz — que mesmo os mais poderosos entre os avatares não são invencíveis. Nem a força de Korangar poderia salvar aquilo que já fora perdido. Nem a magia de Ordekh poderia reparar as fendas que o tempo e a crueldade humana abrem. Cada escolha, cada gesto… deixa marcas que nem mesmo aqueles que caminham entre deuses podem apagar.

O vento se acalmou, e o Ent permaneceu imóvel, cada galho como dedos ancestrais apontando para o grupo, aguardando que eles absorvessem cada nuance daquela narrativa que, até então, ninguém mais conhecia. A clareira não era mais apenas um espaço de árvores negras — era um relicário de histórias, segredos e tragédias que moldaram não só os avatares, mas também os destinos dos mortais de Ad’Heim.

O Ent inclinou-se, sua voz diminuindo até quase um murmúrio:

— E agora vocês sabem parte do que impulsiona os acontecimentos que veem. A história de Ragnarok, de Violet e de seus filhos é apenas uma das muitas correntes que fluem sob o mundo que vocês caminham. Tudo o que virá a seguir será influenciado por esses fios, e cada passo que vocês dão nesta clareira ecoará nas eras que estão por vir.

O grupo permaneceu em silêncio, cada um absorvendo a magnitude e a dor contida na narrativa do Ent. Até o ar parecia pesado, carregado com as lembranças de guerras que transcenderam mundos, amores perdidos e o peso do destino sobre aqueles que ousam carregar o poder que nem mesmo os deuses podem controlar plenamente.

Ad’Heim: A Saga dos Três Avatares

 


por Yuri Schein 

O vento sussurrava através das folhas negras da gigantesca árvore, e cada galho parecia pulsar com a respiração de séculos, de eras que antecediam a própria memória dos mortais. O Ent, imenso e ancestral, moveu-se lentamente, sua voz como o ranger de troncos antigos, pesada, profunda, mas clara o suficiente para que cada membro do grupo pudesse ouvir sem esforço, mesmo que suas mentes lutassem para absorver a magnitude daquilo que se aproximava.

— Vocês conhecem agora a lenda dos três desertores — começou, sua voz carregando a reverberação de eras, como se cada palavra fosse gravada na própria madeira da clareira. — Mas há mais a se revelar. A história deles não termina quando decidiram abandonar seus papéis como guardiões da criação. Quando deixaram de ser Hunens, tornaram-se avatares, seres capazes de vagar entre o mundo físico e a essência da própria magia de Ad’Heim, encarnando a vontade do universo em formas que mortais poderiam compreender.

O Ent inclinou-se ligeiramente, e sua voz ressoou, cheia de reverência e peso:

— Cada um deles, ao vagar entre os reinos, assumiu nomes que disfarçavam a verdade de sua origem, anagramas de seus nomes originais, ecos do poder que ainda carregavam. Ragnarok, o primeiro e mais temido, que havia sido Korangar, guardião do Caos, tornou-se o lendário samurai viajante, seu nome uma sombra do original, uma lembrança oculta de sua verdadeira essência. Trounne, guardião do Nada, transformou-se em Neutro, um nome simples, quase banal, mas carregado de significado — ele agora refletia a harmonia e a quietude que seu poder poderia oferecer. E o terceiro, guardião da Magia, Drodekh, passou a se chamar Ordekh, um mestre das artes arcanas, mantendo nos anagramas de seu nome as chaves para compreender as forças invisíveis que sustentam toda a criação.

O Ent inclinou-se mais próximo, como se sussurrasse para o próprio solo, e a clareira inteira pareceu ouvir, a própria sombra da árvore se alongando e envolvendo o grupo em uma tapeçaria de histórias ancestrais.

— Foram esses nomes — continuou — que acompanharam cada batalha, cada gesto heroico ou ato de sacrifício. No tempo que se seguiu à deserção, os três irmãos vagaram por Ad’Heim, enfrentando não apenas monstros, guerras e ameaças mortais, mas também os próprios limites da consciência. Pois, ao assumir formas físicas e agir entre mortais, os avatares perderam grande parte da clareza que possuíam enquanto Hunens. A magia, o caos, o nada — todos ainda pulsavam dentro deles, mas obscurecidos pelas leis que governam este mundo. Leis criadas para limitar o poder absoluto, para que nem mesmo os filhos da própria criação pudessem manipular os reinos à vontade, preservando o equilíbrio que os mortais chamam de realidade.

O Ent moveu-se em círculos lentos, galhos pesados emitindo rangidos surdos, enquanto sua voz pintava imagens no ar como se ele próprio tecesse tapeçarias de memória:

— Então veio a Guerra dos Duzentos Anos. Seis reinos do Norte contra cinco reinos do Sul, mais um herói vindo da distante ilha de Kallon. A guerra se estendeu por décadas, arrastando cidades, florestas e montanhas para o caos. Mas os irmãos — Ragnarok, Neutro e Ordekh — não lutavam apenas com armas ou magia. Eles eram avatares dos Hunens, e mesmo com consciência parcial de seus poderes, ainda carregavam ecos da força original. Cada feixe de magia, cada golpe de espada e cada manobra estratégica era influenciada por algo além de suas próprias mentes mortais.

O Ent fez uma pausa, e o grupo sentiu o peso da magnitude daquilo que ele narrava:

— Ragnarok, com sua disciplina marcial e força quase sobrenatural, liderava ataques que partiam exércitos ao meio; Neutro, com calma e previsibilidade, sustentava linhas defensivas e estratégias de sobrevivência que nenhum general mortal poderia conceber; Ordekh, mesmo limitado, moldava magia e encantamentos que transformavam rios, tempestades e o próprio terreno em aliados da batalha. E ao seu lado, o herói de Kallon, único entre mortais, trouxe coragem, liderança e sacrifício, permitindo que as ações dos três fossem coordenadas com a precisão que mortais jamais poderiam alcançar sozinhos.

O Ent suspirou, galhos rangendo com uma reverberação profunda que parecia atravessar o próprio tecido do espaço:

— No final, os exércitos dos reinos do Norte e do Sul caíram, e a guerra finalmente terminou. Mas não sem custo. Os irmãos, apesar de sua vitória, não podiam mais acessar plenamente a vastidão de seus poderes originais. As leis do mundo, os limites impostos por Ad’Heim para manter a realidade estável, diluíram sua consciência, deixando-os com fragmentos do que eram como Hunens. Eles triunfaram, sim, mas como mortais, não como deuses. E foi assim que os três avatares se tornaram lendas — figuras de reverência e temor, cujos nomes, Ragnarok, Neutro e Ordekh, ainda ecoam entre reinos e gerações, mas cuja verdadeira natureza permanece oculta até mesmo dos mais sábios.

O Ent levantou-se lentamente, cada galho e raiz reverberando com peso ancestral, e seu tronco negro parecia pulsar com memórias e ecos do passado.

— Agora vocês conhecem o que nenhum mortal deveria ouvir tão cedo. — A voz reverberava como trovão contido — Vocês devem compreender que a história que testemunharam não é apenas de guerra ou poder, mas de responsabilidade. O que os irmãos carregavam dentro de si poderia ter destruído mundos, mas foram contidos pela própria estrutura deste lugar, pelas leis de Ad’Heim que mantêm o equilíbrio, impedindo que qualquer força absoluta corrompa o tecido da criação.

E, por fim, a sombra da árvore negra envolveu a clareira, deixando o grupo em silêncio absoluto, os corações batendo acelerados, enquanto a magnitude do que haviam acabado de ouvir se instalava dentro de cada um deles como uma marca indecifrável.

O Ent, finalmente, afastando-se lentamente, concluiu:

— Lembrem-se, mortais… o mundo é antigo, e a memória do poder ainda pulsa nos nomes que vocês ouviram. Guardem-na, pois o que está por vir exigirá mais do que força ou magia. Exigirá entendimento do que significa realmente carregar o peso da criação.

A clareira ficou em quietude, a árvore negra imóvel, imponente, e o grupo, ofegante e pensativo, percebeu que o passado não estava apenas em histórias, mas moldava cada passo que dariam dali em diante.

Ad’Heim: A Lenda dos Três Desertores

 


por Yuri Schein 

O vento sussurrava nas folhas negras da Árvore Negra, carregando um aroma antigo, como se a própria madeira respirasse memórias de eras esquecidas. A clareira parecia pulsar de expectativa, cada raiz vibrando com vida, enquanto o grupo se acomodava, ainda sentindo os efeitos do teste que haviam acabado de superar. Os corpos em decomposição de Jetto e de outro companheiro jaziam a poucos metros, silenciosos lembretes da mortalidade e do peso de suas escolhas.

— Vocês pedem respostas… — começou o Ent, sua voz reverberando como o eco de mil troncos ancestrais — mas saibam que a história que vou contar é mais antiga do que qualquer um de vocês pode imaginar. A criação de Ad’Heim, que muitos chamam Adhein na língua mais antiga, não surgiu sozinha. Antes de toda luz e sombra, antes das florestas e dos mares, existiram os Hunens, quinze guardiões criados para manter a ordem do cosmos.

O ar pareceu se densificar, e raízes se curvaram em torno da clareira, como se preparassem a cena para uma narrativa sagrada.

— Cada Hunen era imenso, mais poderoso do que qualquer criatura que os mortais hoje ousam chamar de deus — continuou — e cada um tinha um papel específico. Mas entre os quinze, três eram superiores a todos os outros, três cujo poder excedia a compreensão da criação. Korangar, o mais antigo, mais poderoso e perigoso, conhecido entre os mortais pelo conceito que ele próprio encarna: o Caos.

O Ent fez uma pausa, e o vento levou folhas negras que giravam como pequenos tornados, cada uma refletindo luz em tons de verde e dourado, como se lembrassem das eras antigas.

— Korangar foi o primeiro a perceber que sua função era limitada: ele deveria proteger, guardar, observar… mas a ordem o aprisionava. E mesmo conhecendo a consequência de abandonar seu dever, escolheu fazê-lo. Sua decisão não foi feita por ódio ou rebeldia, mas por curiosidade e desejo de provocar mudanças — disse o Ent, suas palavras vibrando com um poder ancestral.

— Ele não partiu sozinho — continuou, e as folhas suspensas balançaram como em aprovação — persuadiu Otroneu, seu irmão, guardião do Nada, um conceito tão abstrato que apenas contemplá-lo causa vertigem. Otroneu, cuja função era manter o Nada, a ausência de tudo, também sentiu a monotonia de sua tarefa e foi convencido a abandonar seu papel. Juntos, Korangar e Otroneu decidiram que suas existências poderiam ser mais do que simples vigilância.

A clareira parecia se expandir, tornando-se mais vasta do que a percepção humana poderia abarcar, como se a própria Árvore Negra recriasse visões de eras anteriores.

— Mas não pararam por aí — disse o Ent, sua voz ganhando profundidade, quase como se ecoasse por toda Ad’Heim — Drodekh, o guardião da magia, observava o fluxo do mundo, a essência da criação que se espalhava em feixes e ondas. Korangar e Otroneu o convenceram de que, pela natureza da magia, ele não deveria restringi-la, mas permitir que fluísse livremente, sem regência. Drodekh, ainda mais sábio que os outros, compreendeu a lógica e tornou-se o terceiro a abandonar o dever que lhe fora dado.

Um silêncio pesado caiu sobre a clareira. As sombras se alongaram, e o grupo sentiu o peso de mil eras sobre seus ombros, a sensação de estar diante de segredos que nem mesmo os livros mais antigos poderiam registrar.

— Os outros doze Hunens não concordaram com eles — concluiu o Ent, com uma gravidade que fez o chão tremer levemente — e embora vissem os três desertores como traidores de sua função, decidiram não intervir. O mundo foi deixado em suas mãos, mas os observavam à distância, silenciosos, permitindo que Korangar, Otroneu e Drodekh vagassem por Ad’Heim, não como guardiões, mas como avatares, experimentando, interferindo, testando… e moldando eras sem que qualquer mortal suspeitasse de sua presença.

O Ent fez uma pausa final, suas folhas negras ondulando suavemente no ar parado.

— Esta é a verdade que poucos lembram e menos ainda compreendem — disse, e a voz parecia se fundir com a própria árvore — três irmãos que abandonaram seus destinos divinos para caminhar livremente, deixando a criação observar suas ações e aprender com os ecos de suas escolhas. Vocês agora têm em mãos um fragmento do mundo que eles tocaram, e é apenas o começo do que Ad’Heim revelará a vocês.

O grupo permaneceu em silêncio, absorvendo cada palavra. A magnitude da história esmagava suas mentes, a consciência de estarem diante de um passado tão antigo que transcendia o tempo, fazendo-os sentir-se pequenos e ao mesmo tempo parte de algo maior.

A clareira permaneceu imóvel, mas parecia respirar com vida própria, como se o Ent tivesse insuflado uma presença invisível em cada folha negra, em cada raiz torcional. E no centro, os brincos de Valeth continuavam flutuando, pulsando com uma energia antiga, um lembrete silencioso de que os testes e as histórias da criação ainda não haviam terminado.


Ad’Heim: O Teste Final da Árvore Negra

 


por Yuri Schein 

O grupo avançava com cautela, cada passo ecoando levemente no interior da árvore negra. O ar estava carregado de energia, quase palpável, e uma névoa verde surgia entre as raízes pendentes, refletindo a luz difusa das folhas negras que pulsavam como veias vivas. Cada movimento despertava sussurros, vozes impossíveis de localizar, como se a própria árvore estivesse falando por milhares de pequenos espíritos que habitavam suas raízes e galhos.

— Agora, o teste final — anunciou a voz do Ent, reverberando com peso ancestral, cada sílaba como um trovão contido — será a prova de seus corações.

Antes deles, o chão se transformou em espelhos vivos, refletindo cada um de forma exagerada e distorcida: Gillian se via com olhos que refletiam apenas medo; Raella, em chamas de dor e culpa; Derek, em uma figura carregada de avareza e dúvida; Ikarus, com armadura quebrada e espada empenada, incapaz de se mover. Os reflexos avançavam, sussurrando acusações e promessas, distorcendo memórias e desejos. Cada passo que o grupo dava parecia desmoronar o chão de espelhos, como se a árvore estivesse testando não só sua coragem, mas também sua consciência.

— O teste não é físico — continuou o Ent — é a essência de vocês que será julgada.

Uma rajada de vento percorreu a câmara, carregando imagens de tudo o que cada um havia feito de errado, cada escolha egoísta ou impulsiva, amplificando seus arrependimentos. Derek, que havia pego os brincos de Valeth, viu o objeto flutuando diante dele, brilhando com uma luz sombria. Mas, ao invés de cobiça, sentiu apenas hesitação e respeito. O Ent observava, silencioso, percebendo que Derek passara no teste da tentação.

Para os demais, no entanto, a árvore intensificou o desafio. Raella sentiu a culpa de sua magia instável criando destruição em locais que ela mal conhecia; Ikarus encarou imagens de falhas, amigos perdidos e decisões que poderiam ter custado vidas; Gillian se viu confrontada com memórias de arrogância e orgulho que ameaçavam quebrar sua determinação.

As raízes se agitavam, como mãos vivas prontas para punir qualquer deslize. Folhas negras giravam ao redor do grupo, formando redemoinhos que isolavam cada um em sua própria ilusão. A clareira dentro da árvore parecia infinitamente maior do que antes, suas dimensões distorcidas e maleáveis, testando a percepção e a paciência.

— Só juntos poderão superar — rugiu a voz do Ent — o que está diante de vocês não é apenas medo, mas o reflexo de sua própria fraqueza.

Gillian respirou fundo, cerrando os punhos. Raella conjurou uma esfera de luz dourada, concentrando-se não em atacar, mas em iluminar as sombras ao redor de cada companheiro. Ikarus avançou, segurando firmemente a mão de Derek, guiando-o pela névoa e pelos reflexos. O grupo percebeu que, ao unir forças, os espelhos começaram a se quebrar e desaparecer, revelando o chão sólido novamente. Cada passo coletivo dissolvia mais das ilusões, como se a árvore reagisse à sua cooperação e não à força individual.

Então, uma ponte de raízes negras ergueu-se diante deles, conduzindo a um pequeno altar natural no centro da clareira interna. No altar, os brincos de Valeth flutuavam, pulsando com uma energia que só Derek parecia sentir sem medo ou tentação.

— Vocês foram testados — disse o Ent, a voz agora suave, mas carregada de autoridade — Derek mostrou pureza diante da tentação e passou. Vocês, demais, foram testados pelo medo, pela dúvida e pelo orgulho. A Árvore Negra observa, ensina e julga. Nem todos passaram, mas todos aprenderam o peso de suas escolhas.

O grupo se reuniu em silêncio, exausto mas aliviado, sabendo que a Árvore Negra não era inimiga, mas guardiã. E então, o Ent adicionou uma última revelação, sua voz agora ecoando como o sussurro de mil folhas:

— O brinco que vocês possuem, Derek, carrega mais do que magia; é um teste de cobiça, de caráter e de pureza. A árvore escolheu não punir, mas ensinar. E lembrem-se: a floresta guarda segredos que mesmo os anos não revelam.

O grupo olhou para os brincos, a luz verde refletindo em seus rostos, sabendo que algo antigo e poderoso estava em suas mãos, mas sem compreender ainda o verdadeiro alcance do objeto.

E ali, na penumbra do coração da Árvore Negra, o grupo percebeu que sua jornada estava apenas começando, que os testes do Ent eram só o primeiro de muitos desafios que moldariam não apenas suas habilidades, mas suas almas.

Ad’Heim: O Labirinto da Árvore Negra

 


por Yuri Schein 

O ar na clareira parecia mais pesado do que antes. O Ent, imóvel como uma muralha viva, ergueu um galho que se curvou sobre o grupo como um arco natural. Ao toque de sua madeira ancestral, o chão tremeu levemente, e a casca da árvore negra se abriu, revelando uma entrada estreita, um túnel que parecia pulsar com uma luz esverdeada, quase respirando. Uma fragrância de musgo úmido e folhas podres misturada a um aroma sutil de mel queimado subia da abertura, como se a árvore exalasse o próprio tempo e memória da floresta.

— Este é o próximo teste — disse o Ent, sua voz grave reverberando nas folhas mortas ao redor. — Aqui vocês caminharão por caminhos que não pertencem apenas à realidade, mas aos segredos da vida e da morte. Cada passo que derem dentro desta árvore será um reflexo de quem vocês realmente são.

O grupo avançou cauteloso. A entrada se estreitava, forçando cada um a passar em fila indiana. A madeira viva era estranhamente quente ao toque, e pequenos olhos luminescentes surgiam entre as fissuras da casca, observando-os, julgando cada movimento, cada hesitação. Raella sentiu um arrepio percorrer sua espinha quando uma sombra se projetou à sua frente, mas ao tocar a mão sobre ela, percebeu que era apenas a própria árvore moldando os feixes de luz ao redor deles.

O túnel se abriu em uma câmara gigantesca, o interior da árvore se revelando como uma floresta em miniatura suspensa: raízes pendiam do teto como cipós, formando plataformas naturais; folhas negras cintilavam com veios verdes como veias de vida pulsando; e no chão, um tapete de musgo emitia um leve brilho, iluminando criaturas minúsculas que lembravam fadas e espíritos de folhas, observando o grupo com curiosidade e cautela.

— Vocês serão testados pelo medo, pelo desejo e pela coragem — continuou o Ent. — Mas aqui, no coração da árvore, serão testados pela inteligência e pela união.

O primeiro desafio surgiu quase imediatamente. O caminho se dividia em três trilhas distintas: uma iluminada por cristais verdes que emitiam um brilho suave, outra envolta em sombras densas que pareciam absorver a luz, e a última coberta por raízes que se contorciam como serpentes vivas, bloqueando a passagem.

— Cada trilha reflete algo de vocês — explicou o Ent. — Luz para aqueles que confiam em seus instintos, sombra para aqueles que enfrentam o desconhecido, raízes para os que suportam o peso de seus próprios erros. Mas cuidado: somente a compreensão de si mesmos e a cooperação entre vocês permitirá avançar.

Ikarus olhou para o grupo, os músculos tensos, o coração acelerado. Gillian estudava as trilhas com olhos analíticos, percebendo padrões sutis na luz e nas sombras que indicavam armadilhas naturais. Raella respirou fundo, sentindo a pulsação da árvore, como se ela própria testasse suas intenções.

— Vamos juntos — disse Ikarus, e o grupo começou a se mover, cada passo cuidadosamente calculado, cada decisão ponderada, enquanto as raízes se contorciam e sombras dançavam ao redor. O caminho não era linear; parecia que a própria árvore mudava de forma, adaptando-se aos pensamentos e sentimentos de cada um.

Em determinado ponto, uma ponte de raízes vivas surgiu sobre um abismo profundo, repleto de névoa esverdeada. Cada raiz se agitava como se estivesse viva, pronta para engolir qualquer passo em falso. Gillian avançou primeiro, equilibrando-se com graça, mas o chão tremeu sob seus pés, testando sua firmeza. Raella conjurou pequenas esferas de luz para iluminar o caminho e revelar raízes instáveis, enquanto Ikarus segurava firme a espada, pronto para proteger qualquer um que vacilasse.

— O teste final — disse o Ent, ecoando dentro da câmara como se suas palavras viessem de todos os lados — será quando perceberem que não há caminhos certos ou errados, apenas a necessidade de confiar uns nos outros.

O grupo avançava, o coração acelerado, sentindo que cada passo dentro da árvore negra os aproximava de algo maior, um segredo antigo que a floresta guardava há milênios. A luz verde das folhas pulsava em sintonia com seus próprios batimentos, e cada sombra que dançava parecia carregar fragmentos de memória da floresta, lembranças de criaturas que viveram e morreram, aguardando aqueles dignos de conhecer seus segredos.

E assim, o grupo avançava, unido e tenso, sabendo que os testes do Ent ainda não haviam terminado, e que a Árvore Negra ainda guardava surpresas capazes de colocar à prova não apenas suas habilidades, mas também seus corações e suas convicções mais profundas.

Ad’Heim: Os Testes da Clareira Negra

 


por Yuri Schein 

A clareira se estendia diante deles, um espaço aberto entre árvores mortas e raízes negras que se contorciam como serpentes petrificadas. O solo estava coberto por folhas secas, quebradiças, e sob a luz pálida do céu filtrada pelo denso dossel, tudo parecia reverberar com uma energia silenciosa, quase palpável. Cada respiração do grupo levantava pequenos redemoinhos de pó escuro, como se o próprio chão reagisse à presença deles.

O Ent, sua casca rugosa refletindo sombras que dançavam, ergueu ramos colossais, e sua voz grave, ecoando por toda a clareira, iniciou o teste.

— Vocês caminharam até aqui com coragem, mas coragem sozinha não basta. Cada um de vocês carrega desejos, medos e cobiças que podem corromper a alma. Hoje, neste chão, estas fraquezas serão reveladas e medidas.

O primeiro teste veio como uma ilusão física. Cada membro do grupo se viu cercado por duplicatas de si mesmo, reflexos distorcidos que gritavam suas próprias falhas e lembranças dolorosas. Gillian viu-se traindo Rufus em um campo de batalha imaginário, suas mãos cobertas de sangue de inocentes; Ikarus se viu incapaz de salvar uma aldeia sob ataque de mortos-vivos, com gritos e chamas refletindo nos olhos de crianças que ele jurara proteger.

A floresta pareceu vibrar com cada emoção, e o chão tremeu sob a pressão da magia do Ent. Raella foi a primeira a reagir, concentrando-se, usando magia de luz para dissipar as sombras ilusórias. Sua voz firme, porém trêmula, cortava o ar:

— Isto não é real! Eu… não posso deixar que ilusões governem meus pensamentos!

Os reflexos desapareceram lentamente, e o Ent soltou um rugido grave, porém admirado.

— Coragem reconhecida. Mas a força de vontade não é o único teste — disse ele, os olhos feitos de musgo e resina brilhando levemente. — Agora enfrentarão a tentação.

Raella, Gillian e Ikarus sentiram um peso invisível pressionando sobre seus ombros. À frente de cada um, surgiram objetos de desejo profundo, reflexos do que cada um mais almejava: armas lendárias, riquezas, poder e reconhecimento, todas brilhando com uma luz enganadora. O Ent continuou:

— Se cedem à cobiça, a floresta rejeita vocês. Apenas aqueles que controlam seus desejos podem seguir adiante.

Gillian hesitou, olhando para uma espada que lembrava a que Rufus carregava, mas reluziu com uma aura de energia dourada que prometia poder imenso. Ela respirou fundo, afastando a ilusão com um gesto decidido, sentindo o peso da tentação recuar. Ikarus, com olhos cerrados, ignorou o brilho de moedas e medalhas que surgiam a seus pés, e avançou sem tocar nos objetos, provando sua disciplina e autocontrole. Raella, firme em seu próprio desejo de proteger, afastou a visão de magia negra que oferecia poder ilimitado em troca de sua lealdade à cobiça.

— Vocês demonstram autocontrole — disse o Ent, erguendo ramos que tocavam o céu. — Mas ainda há mais: o teste final é da consciência e da empatia.

À medida que suas palavras ecoavam, o solo da clareira começou a se abrir, revelando dois túmulos rasos. Os corpos em decomposição de seus amigos caídos jaziam ali, lembrando ao grupo o preço de falhar. A visão era cruel, angustiante, e cada um sentiu um aperto no peito, um peso sobre a alma.

— Aqui está a verdade — continuou o Ent — não é o medo que revela caráter, mas a compaixão. Aqueles que podem olhar a morte, reconhecer o sofrimento e ainda manter sua humanidade, merecem seguir.

O grupo olhou para os corpos, e por um momento, o silêncio foi absoluto. Não havia magia, nem ilusões — apenas o peso da realidade. Gillian baixou a cabeça, lágrimas escorrendo, enquanto Ikarus fechou os punhos, respirando fundo para manter a compostura. Raella colocou a mão no ombro de Derek, em memória dos que se foram, sentindo a dor da perda e, ao mesmo tempo, a determinação de continuar.

— Vocês não falharam — disse o Ent, sua voz agora suave, carregada de uma tristeza ancestral. — Derek passou pelo teste da cobiça sozinho, e agora observo vocês: seu coração não se corrompeu diante da morte e da perda. A floresta não os rejeita.

Por fim, o Ent inclinou-se ligeiramente, revelando um detalhe surpreendente: seu tronco e galhos estavam entrelaçados com uma luz verde-viva que parecia pulsar com consciência própria.

— Eu sou o primeiro filho da Dríade, guardião ancestral desta floresta, e o mais antigo depois dela. Meu dever é proteger a vida e medir aqueles que ousam caminhar por estes caminhos sombrios. Hoje, escolhi falar com vocês, não destruí-los, pois vejo que há mais nobreza e disciplina em seus corações do que esperava.

A clareira permaneceu silenciosa, apenas o farfalhar das folhas negras e a respiração do grupo preenchendo o espaço. O Ent, imóvel como se fosse parte da própria floresta, olhava atentamente, aguardando suas próximas ações.

O ar estava pesado, carregado de magia, respeito e uma promessa não dita: o grupo havia passado pelos testes iniciais, mas a floresta ainda guardava seus segredos mais sombrios, e aquela árvore negra seria a chave para algo muito maior, algo que ainda nem sabiam existir.

Ad’Heim: Ecos da Clareira Negra

 


por Yuri Schein 

O grupo permaneceu por longos minutos em silêncio, absorvendo cada nuance da presença do Ent, o primeiro filho da Dríade. A clareira parecia viva; o chão coberto por folhas negras e ressecadas estalava sob os pés, e raízes grossas se contorciam, quase como se respirassem. O vento soprava intermitentemente, carregando sussurros que pareciam vir de todas as direções ao mesmo tempo, mexendo com os mantos brancos, peles, cabelos e o brilho metálico das armaduras.

Thomas foi o primeiro a quebrar o silêncio:

— Precisamos explorar essa área. Alguma coisa aqui não é natural — disse, os olhos atentos a qualquer movimento, cada músculo tenso, pronto para reagir.

Gillian concordou, segurando firmemente suas lâminas curtas:

— Sinto… uma energia antiga. Não é hostil, ainda, mas definitivamente não é apenas vento ou árvores — murmurou, a respiração acelerada, observando o tronco negro pulsando levemente, como se fosse um coração imóvel.

Derek olhou para os brincos em sua mão, a relíquia de Valeth agora fria e pesada. Um arrepio percorreu-lhe a espinha. — Talvez seja isso que chamou a atenção do Ent… ou algo mais. — A voz saiu hesitante, como se o peso do passado dos objetos tivesse se tornado tangível diante deles.

Raella aproximou-se da árvore negra, inclinando-se levemente, sentindo a energia do espírito que nela habitava. A luz filtrada entre os galhos caía sobre suas feições, revelando sombras que dançavam como fantasmas.

— Há marcas no solo — disse ela, apontando para raízes que formavam padrões intricados. — Não são naturais. Parece que algo ou alguém passou por aqui… recentemente.

O grupo avançou com cautela, observando as folhas secas que se mexiam mesmo sem vento aparente, troncos e galhos emitindo rangidos longos e baixos, quase como uma comunicação sussurrante entre as árvores mortas. O cheiro de resina queimando e terra úmida impregnava o ar, fazendo com que todos inspirassem profundamente, atentos a qualquer detalhe.

Dois dias se passaram enquanto marchavam pela floresta morta. Cada passo era acompanhado pelo estalo de galhos quebrando, e cada sombra projetada pelos troncos negros parecia tomar vida própria. Passaram por troncos retorcidos, arbustos cobertos de espinhos negros e fungos luminescentes que liberavam uma luz fantasmagórica azulada, iluminando parcialmente o caminho. O som constante de folhas secas sendo movimentadas por forças invisíveis mantinha o grupo em alerta máximo.

— Está ficando cada vez mais estranho — comentou Thomas, segurando o punho de um montante com força. — Não é apenas uma floresta morta. Há intenção aqui.

Derek assentiu, os olhos atentos a qualquer movimento suspeito. — E não é só a maldição dos brincos. Sinto que algo nos observa. Algo muito antigo, que não deveria ser perturbado.

Finalmente, após uma curva sinuosa de raízes e troncos quebrados, chegaram a uma clareira ampla e desolada, dominada por uma única árvore negra colossal. Sua copa parecia tocar o céu, absorvendo a luz ao redor, e as raízes se espalhavam como tentáculos pelo solo, algumas parcialmente enterradas, outras erguidas formando arcos naturais e cavernas pequenas. Um silêncio absoluto se estabeleceu, pesado como pedra, quebrado apenas pelo farfalhar das folhas secas movidas pelo vento súbito e pelas batidas de coração do grupo aceleradas pelo mistério.

Raella aproximou-se novamente, mantendo distância prudente. — Essa árvore… é diferente. Não sinto apenas vida nela… sinto consciência. Uma presença antiga, mais velha do que tudo que vimos até agora — disse, a voz baixa, reverente.

Thomas e Gillian avançaram lado a lado, observando atentamente, enquanto Derek segurava os brincos com mais firmeza, consciente de que aquele era um fragmento de poder que eles ainda não compreendiam. O ar parecia vibrar com uma energia sutil, mas persistente, carregando a sensação de que aquela árvore poderia responder, interagir, e talvez até testar suas intenções.

E ali, diante da gigantesca Árvore Negra, o grupo percebeu que haviam encontrado algo mais profundo e antigo do que qualquer masmorra ou criatura mística que já enfrentaram. Algo que poderia mudar a percepção deles sobre a floresta e sobre os próprios objetos que carregavam.

O silêncio durou longos segundos, até que um sussurro ecoou dos galhos mais altos, vibrando pelo tronco como se a própria madeira falasse:

— Vocês chegaram… com coragem, e também com cuidado. Mas cuidado não é suficiente. Vocês serão observados. Vocês serão medidos. E apenas aqueles que realmente compreenderem a essência de suas intenções sobreviverão aos próximos passos…

O vento soprou mais forte, girando folhas secas em redemoinhos que dançavam à frente do grupo, como se a própria árvore estivesse respirando, consciente da presença dos mortais. A clareira parecia fechar-se em torno deles, e os olhos do grupo se encontraram, refletindo tensão, medo e determinação.

Ad’Heim: O Teste da Clareira Negra

 


por Yuri Schein 

O silêncio tomou conta da clareira, denso como se o ar tivesse se condensado em sombra e expectativa. O grupo permaneceu imóvel, os olhos fixos no tronco colossal da árvore negra, agora pulsando com uma energia que parecia consciente, avaliando cada batida de coração, cada hesitação, cada intenção oculta. Raella apertava levemente o punho, sentindo o poder do Ent vibrar nos galhos acima, e Thomas apoiava-se nos montantes, consciente de que qualquer movimento brusco poderia ser interpretado como ameaça.

— Vocês temem minha presença — a voz ecoou, grave, quase musical na cadência da floresta. — Temem que eu possa punir, que possa extinguir suas vidas por atravessarem meus domínios.

Derek engoliu em seco, os brincos de Valeth ainda em sua posse. O frio na espinha não vinha apenas da ameaça implícita do Ent, mas também da consciência de que o artefato carregava uma maldição desconhecida. Cada um dos membros do grupo olhou para ele, e o silêncio entre eles tornou-se quase sufocante, carregado de tensão e de uma mistura de medo e curiosidade.

— Vocês se perguntam — continuou o Ent — se os objetos que carregam trazem destruição ou aprendizado. Cada artefato tem sua própria essência, sua própria intenção, e aqueles que ousam tocá-los devem mostrar algo além da força ou da bravura.

Raella franziu o cenho, inclinando-se levemente, intrigada. — Você está dizendo que Derek foi testado… pelos brincos? — perguntou, a voz carregada de cautela.

O Ent inclinou levemente seus galhos, projetando sombras que se entrelaçavam no chão, formando padrões que lembravam olhos ancestrais e símbolos arcanos. — Sim. A maldição não procurava apenas causar dor. Procurava cobiça, egoísmo, vaidade e descontrole. Derek passou no teste que nem sequer sabiam que estava ocorrendo. Não pelos outros, mas por ele mesmo.

Thomas cruzou os braços, tentando compreender. — E o resto de nós? — questionou, a tensão em cada sílaba. — Também fomos testados?

— Vocês — respondeu o Ent, a voz vibrando em cada raiz, cada galho — foram observados. Mas não testados. Ainda. O teste foi para ele, para medir sua integridade frente à cobiça e ao desejo de possuir algo que não compreende. E ele passou. Por isso, decidi conversar com vocês. Por enquanto, minha intenção não é punir, mas ensinar, orientar… e compreender aqueles que se aproximam de minhas raízes com coração verdadeiro.

O grupo permaneceu em silêncio, o ar carregado de alívio contido, mas também de um medo cauteloso. O Ent não se moveu, não demonstrou alegria nem hostilidade; apenas observava, como se cada sombra, cada folha caída, cada suspiro do vento estivesse sendo interpretado. A clareira parecia menor e maior ao mesmo tempo, viva e ancestral, carregada de memórias que eles sequer podiam começar a imaginar.

— Mas saibam — concluiu o Ent, a voz agora baixa, profunda e reverberante como a própria terra — este é apenas o começo. A coragem, a disciplina e a integridade que demonstraram aqui serão exigidas novamente. E aqueles que falharem… não terão segunda chance.

O vento voltou a soprar levemente entre os galhos negros, carregando o aroma úmido da terra e das folhas mortas, enquanto a luz filtrava-se de forma difusa pelo topo da copa, iluminando rostos tensos, suados e exaustos. Derek segurou os brincos com mais firmeza, consciente de que havia sobrevivido a algo maior do que qualquer batalha física.

E assim, na penumbra da clareira negra, diante do Ent, primeiro filho da Dríade, o grupo percebeu que haviam passado por seu primeiro teste invisível, mas que a floresta ainda tinha muito a revelar — e que nem todos os segredos se desvelariam sem esforço, coragem e, acima de tudo, humildade.

O silêncio tomou novamente a clareira, pesado e expectante. O Ent permaneceu imóvel, suas raízes levemente pulsando, enquanto os ventos carregavam um presságio sutil de que aquela conversa era apenas o primeiro passo de algo muito maior.

Ad’Heim: O Ent da Clareira Negra

 


por Yuri Schein 

O vento cessou, deixando a clareira mergulhada em um silêncio pesado e quase palpável, quebrado apenas pelo sussurro das folhas secas agitadas por uma brisa que parecia surgir do próprio tronco negro da árvore colossal. Cada membro do grupo sentiu um peso nos ombros, como se a própria floresta pressionasse contra eles, ponderando seus pensamentos, suas intenções e suas falhas. Thomas manteve as mãos firmes sobre os montantes, os músculos tensos, respirando com cuidado. Gillian deu um passo à frente, olhos atentos, sentindo o poder que emanava da árvore. Raella cerrava os dentes, concentrando a magia em seus dedos, pronta para reagir, enquanto Derek, apertando os brincos amaldiçoados, sentia a culpa e a ansiedade transformarem seus pés em pedra.

— Vocês vieram até mim… — repetiu a voz, agora mais clara, mais profunda e mais carregada de gravidade, reverberando não apenas no ar, mas no próprio coração de cada um. — Vocês ousaram atravessar a floresta morta, caminhar entre restos de vida que não mais respiram, e tocar aquilo que nem os ventos ousam despertar.

O solo tremeu levemente sob suas botas, e as raízes da árvore negra se contorceram, enrolando-se como serpentes adormecidas, erguidas por um poder antigo que parecia palpitar como sangue no tronco escuro. Um brilho pálido surgiu entre as fissuras da casca, iluminando veios que se assemelhavam a veias humanas, pulsando lentamente, emitindo uma energia que era simultaneamente assustadora e hipnotizante.

— Quem… ou o que é você? — Thomas conseguiu dizer, a voz firme apesar da tensão, as mãos fechadas com força sobre as lâminas. — Você é uma criatura ou… magia viva?

Um estalo grave ecoou no tronco, como se a árvore respirasse profundamente, e então galhos finos se ergueram, estendendo-se como braços imensos, cobrindo parcialmente a clareira, lançando sombras densas que ondulavam pelo chão em padrões quase rituais. A voz respondeu, grave e carregada de história, como se milénios tivessem sido comprimidos em cada palavra:

— Eu sou o Ent desta floresta. Sou mais antigo do que qualquer pedra, mais antigo do que qualquer criatura que vague por suas sombras. Antes da Dríade que vocês conhecem — aquela que guarda a essência viva de toda esta terra — eu existia, filho de sua própria semente, primeiro a caminhar entre raízes e folhas, primeiro a entender o pulso vivo do mundo vegetal e a proteger este reino silencioso.

O grupo se entreolhou, atônito. Thomas franziu o cenho. — Primeiro filho da Dríade? — murmurou, quase sem acreditar. — Isso significa… que você é ancestral dela?

— Sim — respondeu o Ent, e sua voz se tornou mais intensa, reverberando como um trovão contido. — Antes que os mortais pisassem em minhas raízes, antes que os elfos e humanos cultivassem cidades e estradas, eu guardava estas terras. Eu observei eras passarem, tempestades que destruíram civilizações, pragas que dizimaram criaturas, e ainda permaneci. Tudo que respira e tudo que morre aqui sente minha vigilância, e cada folha caída é testemunha do meu tempo.

Raella, com os olhos brilhando, aproximou-se levemente, hesitante, percebendo a vibração de energia que emanava do Ent, diferente de qualquer magia que já tivesse sentido. — Então… você é a força por trás desta floresta… um guardião vivo?

— Guardião, sim — confirmou a árvore negra, e uma rachadura na casca se abriu, liberando um leve brilho âmbar. — Mas eu sou mais do que isso. Sou o primeiro filho da Dríade, criado de sua essência, imbuído do dever de proteger, punir e ensinar. Minha presença aqui garante equilíbrio, mesmo quando a morte e a corrupção se espalham. Vocês sentem a presença da floresta morta, e os ecos que os trouxeram até mim. Estes ecos são fragmentos de energia que atravessam eras, chamando aqueles dignos de ouvir e ver.

Derek apertou os brincos, sentindo uma vibração inesperada, mas não compreendia seu significado. A voz do Ent se intensificou, vibrando nos troncos e raízes, reverberando dentro de cada osso do grupo:

— Vocês caminharam por caminhos proibidos. Vocês enfrentaram a morte e chegaram até o meu centro. Mas saibam, mortais: apenas aqueles que compreendem a vida, a morte e o equilíbrio podem sobreviver. E vocês, por terem atravessado os limites da floresta morta e carregado artefatos que não entendem, mostraram coragem e… curiosidade. Mas este lugar exige respeito, e respostas não serão dadas gratuitamente.

O Ent inclinou seus galhos em direção a cada um deles, como avaliando suas intenções, suas falhas e seus medos, enquanto a névoa serpenteava em torno das raízes expostas, criando padrões que lembravam rostos antigos, ecos de espíritos ancestrais.

— Hoje, eu me revelo — concluiu finalmente, e sua voz ecoou como trovão e sussurro ao mesmo tempo — como o primeiro filho da Dríade, mais antigo do que qualquer ser vivo que vocês já conheceram, e guardião desta clareira negra. Mas não sou apenas sombra e tronco… eu sou memória, julgamento e proteção. Aprendam isso, e talvez, apenas talvez, esta clareira os aceite como visitantes sem corromper suas almas.

A clareira mergulhou novamente em silêncio. Cada membro do grupo permaneceu imóvel, sentindo o peso da história que acabara de ser revelada. As folhas secas se agitavam levemente, os galhos negros pareciam pulsar com vida própria, e o vento retornou, suave, como se a própria árvore estivesse respirando em aprovação — ou advertência.

E ali, diante do Ent colossal, filho da Dríade, guardião ancestral da floresta negra, o grupo percebeu que o mistério da clareira estava apenas começando, e que a jornada até aquele ponto não era nada comparada ao que ainda os aguardava.

Ad’Heim: A Clareira da Árvore Negra

 

por Yuri Schein 

O silêncio da floresta morta parecia pesar sobre cada passo do grupo. A névoa tênue serpenteava entre eles, tocando suas pernas e envolvendo troncos retorcidos em uma dança quase hipnótica. À medida que avançavam para o centro da clareira, o contraste era impressionante: a árvore negra se erguia como um monólito colossal, suas raízes espessas retorcidas pelo solo, absorvendo qualquer lampejo de luz que ousasse tocar sua casca escura. Um perfume ácido e metálico pairava no ar, lembrando o cheiro de ferro e folhas podres, e até os pássaros mortos na floresta pareciam se afastar em silêncio reverente.

— É… é ainda mais imensa de perto — murmurou Thomas, aproximando-se cauteloso, mãos sobre os montantes. — Não sinto… nada. Nenhum tipo de magia… nada.

Raella franziu o cenho, os dedos entrelaçados sobre a varinha. — Como pode ser? Os brincos estão… vibrando, mas não há nada óbvio, nenhum símbolo, nenhum artefato. — Ela respirou fundo, olhando para os outros. — Talvez este seja apenas um lugar morto… sem respostas.

Derek segurava os brincos com força, notando a vibração pulsante que ainda emanava do artefato. O arqueiro desviou o olhar da árvore, mas não pôde evitar sentir a culpa crescer dentro dele. — Eu… eu pensei que… — começou, mas Thomas interrompeu com um gesto irritado.

— Você pensou? Pensou, Derek? — Thomas estalou os dentes, a voz carregada de frustração. — Por causa disso, agora carregamos dois corpos em decomposição! Dois dos nossos amigos… mortos, e você acha que isso é só um “pensamento”?

— Isso não é culpa só minha! — rebateu Derek, a voz quase quebrando, — Jetto atacou, foi… ele se lançou sozinho! Eu só peguei os brincos depois!

Gillian respirou fundo, tentando acalmar os ânimos. — Todos nós perdemos pessoas hoje. Todos nós. Culpar Derek não vai trazer eles de volta. — Ela olhou para os corpos, parcialmente escondidos pela névoa. — Precisamos focar, não discutir.

Raella cerrou os dentes, mexendo em seu manto branco sujo de poeira e folhas secas. — Ele tem razão, Derek. Mas também não podemos ignorar que… os brincos são amaldiçoados. De alguma forma, eles nos trouxeram até aqui.

O silêncio voltou, pesado e carregado de frustração, até que a própria floresta pareceu prender a respiração. Um vento gélido percorreu a clareira, movendo as folhas secas em espirais imprevisíveis. As raízes da árvore negra se contorceram levemente, como se respirassem.

E então, surgiu a voz. Primeiro sussurro, quase imperceptível, carregado de poder antigo, reverberando em suas mentes e nos ossos:

— Vocês vieram… até mim…

O grupo se congelou, cada músculo tenso. O ar ficou ainda mais pesado, e a árvore negra, colossal e viva em sua imponência, parecia observar cada um deles. Derek apertou os brincos, sentindo o peso da culpa e do mistério, enquanto Thomas erguia os montantes, pronto para reagir. Gillian avançou um passo à frente, tentando compreender de onde vinha a voz, mas não havia movimento além da árvore. Raella ergueu a varinha, e o brilho mágico começou a envolver seus dedos, pronta para qualquer ameaça.

O vento cessou abruptamente, e a clareira mergulhou em um silêncio absoluto, como se o mundo inteiro aguardasse a reação do grupo diante da entidade que acabara de se revelar.

E ali, o capítulo terminava, deixando o grupo em pé, assustado e ansioso, diante de uma árvore negra que agora claramente possuía consciência e poder, prometendo revelar ou desafiar segredos que eles ainda não estavam prontos para compreender.

Ad’Heim: O Chamado da Floresta Morta – A Marcha dos Dois Dias

 


Por Yuri Schein 

O grupo avançava cauteloso pela Floresta Morta, atento a cada som, cada mudança no vento, cada sussurro de folhas secas. Os brincos de Valeth continuavam a vibrar suavemente, e Derek sentia o formigamento subir pelos braços com mais intensidade a cada passo. O artefato não só parecia reagir à energia do lugar, mas também ao próprio movimento do grupo, como se medisse suas intenções, avaliando se eram dignos de descobrir o que a floresta escondia.

— Olhem — disse Raella, ajoelhando-se perto de uma raiz retorcida coberta de musgo cinza. — Há pequenas marcas aqui… como símbolos antigos. E os brincos estão mais fortes. Eles respondem a isto.

Thomas se aproximou, examinando os símbolos gravados com precisão quase sobrenatural. Cada marca parecia pulsar com a vibração da floresta, e a luz mortiça filtrada pelas copas secas lançava sombras que dançavam sobre eles, criando a ilusão de que as figuras se moviam sozinhas.

— Isso é… artefato ou armadilha? — murmurou Derek, franzindo o cenho. — Se são pistas, estão nos testando de alguma forma.

Ikarus ergueu a espada, o olhar atento, percorrendo o perímetro. — Não sabemos o que é, mas precisamos seguir. Observem cada detalhe, cada som, cada vibração. Não podemos nos precipitar.

Os dias seguintes foram de atenção constante e passos calculados. Cada árvore morta parecia sussurrar, e o vento carregava vozes quase imperceptíveis, como se a floresta tentasse contar algo em um idioma antigo e esquecido. O grupo atravessou troncos caídos, riachos secos e pedras cobertas de musgo escuro. Pequenos fragmentos de cristal e raízes que se moviam sutilmente pareciam reagir à presença dos brincos de Valeth, piscando em uma frequência que ninguém conseguia entender completamente.

Raella liderava os estudos sobre as vibrações, traçando padrões, enquanto Derek segurava os brincos sobre símbolos ou marcas, tentando perceber correlações. Thomas, sempre vigilante, protegia o grupo de surpresas ocultas, cortando galhos retorcidos ou desviando-se de poços camuflados entre folhas secas. Gillian mantinha uma observação constante, identificando mudanças sutis na paisagem, que indicavam a presença de magia ou energia antiga.

— É como se algo nos chamasse — comentou Raella durante a segunda noite. — Não é apenas energia, é intenção. Alguém… ou algo… quer que encontremos algo específico.

O grupo avançou sob o céu nublado, acampando de forma discreta, mantendo vigília e estudando as reações dos brincos. Cada manhã revelava pequenas mudanças: árvores inclinadas em direção a eles, folhas que não se mexiam com o vento, troncos que refletiam a luz de maneira diferente. Tudo parecia convergir para um ponto central da floresta, como se a própria natureza estivesse conduzindo-os.

No segundo dia, a pressão da energia se intensificou. O vento cessou, e o silêncio absoluto tomou conta de cada canto da floresta. À medida que avançavam, uma clareira surgiu à frente. No centro, erguia-se uma árvore negra gigantesca, cujos galhos se espalhavam como tentáculos em direção ao céu. Sua casca parecia absorver a pouca luz que penetrava pelas copas secas, e raízes enormes emergiam do solo, entrelaçando-se como se quisessem prender tudo que se aproximasse.

Os brincos de Valeth vibravam com força intensa, quase elétrica, e Derek percebeu uma sensação de peso, como se o ar ao redor da árvore fosse mais denso, carregado de algo antigo e desconhecido. A clareira estava envolta em uma névoa tênue, e cada membro do grupo sentiu, de maneira instintiva, que aquele lugar guardava respostas que eles ainda não poderiam compreender, mas que estavam intimamente ligadas aos mistérios que já haviam encontrado.

— É aqui — disse Raella, a voz trêmula, mas firme. — O que quer que a floresta estivesse nos chamando, é isso.

Ikarus deu um passo à frente, espada em punho, observando a árvore negra com cautela, sentindo o peso do silêncio e da expectativa. Thomas ajustou o equilíbrio, pronto para qualquer sinal de perigo, enquanto Gillian manteve a postura defensiva, alerta para movimentos sutis na névoa. Derek segurava os brincos com mais firmeza, percebendo que sua vibração havia atingido um ápice jamais sentido antes.

A floresta morta parecia finalmente ter entregue o seu chamado. O grupo, exausto após dois dias de marcha e investigação, permanecia na borda da clareira, cercado por uma sensação de mistério, poder adormecido e promessa de segredos que poderiam mudar tudo o que conheciam sobre Ad’Heim.

O silêncio profundo da clareira era quebrado apenas pelo sussurro do vento, e a árvore negra, majestosa e imponente, ergueu-se como guardiã de um segredo antigo, aguardando que os intrusos desvendassem seus enigmas.

E ali, sob a névoa tênue e o céu mortiço da floresta, o capítulo terminava, deixando o grupo diante de um enigma que prometia desafiar coragem, inteligência e magia de maneiras que ainda não poderiam imaginar.