Por Yuri Schein
A questão da queda de Satanás não é mera especulação teológica, nem um exercício abstrato de curiosidade intelectual. Trata-se de compreender a soberania absoluta de Deus, a estrutura ontológica do universo e a natureza da eleição e retribuição divina. Se pretendemos pensar de maneira coerente sobre Deus, sobre o mal e sobre o próprio diabo, devemos partir da premissa de que tudo existe, age e é sustentado por Deus em cada instante (Cl 1:17; Hb 1:3). Negar essa premissa é caminhar para o absurdo do dualismo e da impotência divina.
1. PORQUE A BÍBLIA AFIRMA A ELEIÇÃO DOS ANJOS (1 Tm 5:21)
Desde as Escrituras, entendemos que Deus é soberano até sobre os seres angelicais. Paulo ordena explicitamente que se observe e se testemunhe diante de Deus “sem acepção de pessoas” (1 Tm 5:21), um lembrete de que Ele é juiz e legislador universal, inclusive sobre aqueles seres criados antes da humanidade. Se Deus escolheu os anjos, é lógico que Ele também determinou a sorte daqueles que se rebelariam. Não há acaso na eleição angelical; não há liberdade ontológica que escape do plano teleológico de Deus.
2. PORQUE DEUS FAZ TUDO COM UM PROPÓSITO TELEOLÓGICO (Pv 16:4)
A queda de Satanás não é um acidente, nem um erro de cálculo. Provérbios 16:4 deixa claro: “O Senhor fez todas as coisas para si mesmo, até o ímpio para o dia da calamidade.” Cada movimento de criação, cada ato de criatura, inclusive a rebelião angelical, serve a um propósito eterno e final de Deus. Isso significa que o mal, embora real em sua experiência para os seres criados, é instrumentalmente subordinado à vontade soberana de Deus, uma ocasião que manifesta sua glória.
3. PORQUE A ANALOGIA DO OLEIRO TRANSCENDE O CONTROLE HUMANO (Rm 9; Is 29:15-16; 45:7-9)
O argumento do oleiro não é um truque retórico, mas uma distinção metafísica entre criador e criatura. Deus, como Oleiro, tem domínio absoluto sobre suas obras, e não existe contingência real que escape de Sua vontade. Ele molda, atribui formas, decide destinos. A queda de Satanás é uma expressão dessa distinção: a criatura não é dona de si mesma; o diabo, em seu orgulho e perversidade, age segundo sua natureza, mas essa natureza e essa ação são concedidas e sustentadas por Deus. Insistir em dualismos ou em liberdade absoluta do maligno é negar a própria Escritura.
4. PORQUE JESUS “SUSTENTA TODAS AS COISAS” (Hb 1:3)
Hebreus 1:3 não deixa margem para dúvidas: Cristo não apenas cria, mas sustenta cada instante do cosmos. Isso inclui a queda e o movimento de Satanás. Cada pecado, cada engano, cada ataque maligno ocorre porque Cristo, em Sua Palavra, mantém o ser de tudo o que existe. A queda de Satanás não é um acontecimento fora do controle divino; é um efeito intencional do decreto eterno de Deus, sustentado pelo Verbo que CARREGA¹ todas as coisas.
5. PORQUE DEUS FAZ TODAS AS COISAS (Ef 1:11; Ec 11:5; Sl 115:3; Mt 10:29)
A Escritura é enfática: “Deus faz todas as coisas” (Ef 1:11), desde o menor átomo até a rebelião do diabo. Não há causa autônoma, nem força independente. Os eventos do mal, as ciladas do inimigo, o próprio caos que ele provoca são atos providenciais de Deus, que mesmo na maldade aparente realiza o propósito de Sua glória e justiça. Qualquer tentativa de separar Deus da ação do diabo é uma forma moderna de incredulidade e de idolatria intelectual.
6. PORQUE TUDO SUBSISTE MOMENTO A MOMENTO EM CRISTO (Cl 1:17)
A continuação da existência não é automática nem inerente às criaturas. Colossenses 1:17 afirma: “Ele é antes de todas as coisas, e nele tudo subsiste.” Isso significa que Satanás não permanece malicioso por si mesmo, mas porque Cristo o mantém vivo e ativo, permitindo que sua natureza rebelde se manifeste. O pecado e a corrupção angelical são, paradoxalmente, testemunhos da graça e do controle providencial de Deus.
7. PORQUE TUDO SE MOVE EM DEUS (At 17:28)
Atos 17:28 declara que “em Deus vivemos, nos movemos e existimos”. A ação de Satanás, embora maléfica, não é um fenômeno independente: é movimento ontologicamente dependente da vontade divina. Cada tentativa de engano, cada assassinato de caráter ou alma ocorre dentro do escopo do propósito eterno de Deus, mostrando que o mal é coordenado pelo Criador, não pelo acaso.
8. PORQUE TUDO EXISTE DE, PARA E POR MEIO DE CRISTO (Rm 11:36)
Romanos 11:36 sintetiza a teologia ocasionalista: “Dele, por Ele e para Ele são todas as coisas.” Se tudo existe para glorificar Deus, então a queda de Satanás também serve a esse fim. O diabo, apesar de rebelde, se torna instrumento da sabedoria divina, um peão em um xadrez cósmico cujo Rei é Jesus Cristo.
9. PORQUE DEUS CRIOU O LEVIATÃ (Jó 40-41)
A narrativa de Jó é eloquente: Deus mesmo criou o Leviatã e conferiu a ele características que parecem desafiadoras, temíveis e caóticas. Se Deus pode criar tal criatura, quanto mais pode determinar a natureza e o destino de Satanás? A queda não é perda de controle, mas demonstração da liberdade criativa infinita de Deus, que pode gerar mal para cumprir bem.
10. PORQUE DEUS CRIOU O DESTRUIDOR (Is 54:17)
Isaías 54:17 reforça que até os que intentam o mal são, em última análise, criações do Senhor para realizar Seu plano soberano. O destruidor existe porque Deus o determinou. O caos é permitido para revelar a justiça, o juízo e a sabedoria divinos. A queda de Satanás se insere nesse padrão: o mal é real, mas nunca fora da mão do Criador.
11. PORQUE O DIABO FOI HOMICIDA DESDE O PRINCÍPIO (Jo 8:44)
Jesus não minimiza a natureza do inimigo: o diabo é homicida e mentiroso desde o princípio. Isso significa que sua rebelião não é contingente ao acaso, mas pré-determinada no plano divino, de forma que, ao mesmo tempo que o mal é experimentado pelos seres criados, sua manifestação é instrumento de glória para Deus.
12. PORQUE DEUS TEM O DIREITO E CONTINUA JUSTO (Rm 9)
Romanos 9 nos lembra que Deus é soberano, e Sua justiça não é violada pelo fato de permitir ou determinar a queda de Satanás. Deus não promete ao diabo nem aos ímpios que permanecerão incorruptíveis. Portanto, a queda angelical não compromete a justiça divina, antes, demonstra a consistência de sua lei e a verdade de sua eleição.
13. PORQUE ISSO ENTREGA TODO O PODER A DEUS
Ao admitir que a queda de Satanás é obra de Deus, não há lacunas no controle divino. Toda ação, desde a rebelião até a punição final, é orquestrada pelo Criador, revelando uma visão de soberania absoluta que deixa claro: Deus é o Autor último de tudo que existe e ocorre.
14. PORQUE É A ÚNICA POSIÇÃO QUE NÃO CAI EM DUALISMO
Negar que Deus determinou a queda de Satanás implica crer que existe uma força rival à soberania de Deus, um princípio ontologicamente independente do bem e do mal. Tal concepção é dualista, herética e incoerente com a Escritura, que ensina que todas as coisas são criadas e sustentadas por Deus.
15. PORQUE É A POSIÇÃO QUE O DIABO, A CARNE E OS RELIGIOSOS MAIS ODEIAM (Jo 8)
O diabo odeia a verdade sobre sua própria queda; a carne rebelde odeia a ideia de dependência total; e muitos religiosos, cegos pelo orgulho, resistem à revelação da soberania absoluta. João 8 deixa claro: os que não são da verdade resistem à evidência do poder e da vontade divina.
16. PORQUE PERPLEXA OS ÍMPIOS E GLORIFICA A SABEDORIA DE DEUS (Is 29:14; 1 Co 1:19)
Finalmente, Isaías 29:14 e 1 Coríntios 1:19 revelam o modus operandi de Deus: Ele destrói a sabedoria dos sábios e confunde os entendidos. A queda de Satanás, por sua magnitude e complexidade, perplexa a criatura orgulhosa, mostrando que a sabedoria verdadeira só é encontrada na submissão ao Deus soberano, que cria, sustenta e determina todas as coisas.
CONCLUSÃO
A queda de Satanás não é um acidente cósmico, nem resultado de algum poder paralelo ao de Deus. Pelo contrário, ela é uma expressão teleológica, metafísica e moral da soberania divina, onde o mal serve, paradoxalmente, para revelar a justiça, a sabedoria e a glória de Deus. Ignorar essa verdade é cair em dualismo, relativismo ou incredulidade. Aceitá-la, mesmo diante do mal, é reconhecer que tudo se move em Deus, e Ele é soberano sobre tudo, inclusive sobre a queda do próprio diabo.
¹ CARREGA: é a tradução ma
is apropriada da palavra grega original para o verbo "SUSTENTA" em Hb 1.3
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