Por Yuri Schein
No coração da primeira sistematização da Reforma, o Loci Communes (1521), Filipe Melanchthon escreveu: “Tudo acontece por necessidade divina; nossas obras más não são feitas sem a providência de Deus.” Eis o que muitos tentaram apagar da memória: o braço direito de Lutero confessando o decreto absoluto sem concessões.
Essa sentença é um soco no mito da liberdade humana. Se tudo acontece por necessidade divina, não existe espaço para contingência. O pecado não nasce do acaso, mas da providência. A queda, o adultério, a traição — todos os atos do homem, até os mais sombrios, são incluídos no plano de Deus.
Melanchthon não estava brincando com filosofia. Ele lia Romanos 9 e via um Deus que endurece a quem quer e tem misericórdia de quem quer. Ele sabia que, se nossas obras más acontecem sob a providência, é porque Deus as decretou. O homem é responsável, mas não é autônomo. A responsabilidade não exige liberdade metafísica, apenas o juízo divino que o declara culpado.
Depois, Melanchthon recuou, domesticado por pressões políticas e eclesiásticas. Tentou suavizar o que escrevera. Mas a frase permanece como um fantasma sombrio em sua obra: uma confissão da verdade que nem mesmo os tímidos conseguem apagar.
O molinismo odeia isso, porque precisa de um “espaço de indeterminação”. Mas a frase de Melanchthon mata esse espaço com uma pancada: não há zona cinzenta, não há escolhas livres pairando no ar. Há apenas necessidade divina.
Eis o paradoxo para os homens, mas a simplicidade para Deus: o pecado é decretado, a condenação é justa, e a providência envolve até o mal. O decreto não falha. Tudo acontece por necessidade divina.
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