domingo, 12 de outubro de 2025

O Escândalo das Palavras e a Santidade da Verdade


Por Yuri Schein

A cristandade contemporânea é um cemitério perfumado. Os fiéis se horrorizam com palavras, mas convivem em paz com mentiras. São “santos” de vocabulário, mas pagãos de coração. Condenam sílabas, mas absolvem hipocrisias. Diriam que Cristo pecou se o ouvissem falar como falou em Mateus 23, com sarcasmo, ironia e indignação divina.

Quando Paulo escreve em Efésios 4:29 sobre “nenhuma palavra torpe sair da vossa boca”, ele não está canonizando a gramática da etiqueta. Ele está proibindo o uso da linguagem para a impiedade — a fala corrupta que destrói, mente ou promove o mal. A palavra “torpe” ali (em grego, sapros) significa “podre”, “inútil”, “sem edificação”. Paulo fala de podridão moral, não de fonética.

O mesmo Paulo que é citado pelos puritanos da língua também escreveu que se cortassem “aqueles que perturbam” (Gálatas 5:12), uma alusão cirúrgica e grotesca à mutilação. Mas ninguém prega sobre isso nas conferências de “decência verbal”.

Ezequiel 23 é o ponto final de toda essa hipocrisia. O Espírito Santo, inspirando o profeta, descreve a infidelidade espiritual de Israel em termos que fariam qualquer crente moderno fechar a Bíblia envergonhado. O texto não poupa imagens nem metáforas carnais e tudo isso não é pecado, mas revelação. Deus usa o escândalo da linguagem para retratar o escândalo do pecado. O pudor religioso tenta higienizar o texto sagrado porque tem mais medo da verdade do que do erro.

"Desejou ardentemente os seus amantes, cujos membros eram como os de jumentos e cuja ejaculação era como a de cavalos." (Ezequiel 23.20)

Lutero entendeu isso melhor que todos os fariseus modernos. Ele sabia que a teologia é uma guerra, e quem guerreia não fala como quem toma chá. As cartas dele são cheias de ironias, insultos e expressões que fariam os “pregadores da linguagem santa” corarem. Mas Lutero estava mais preocupado em queimar a mentira do que polir o vocabulário. Ele não pecava com as palavras, ele as consagrava à guerra santa da verdade.

A ironia é que os mesmos que criticariam Lutero por “falar demais” também o citam nos púlpitos. Idolatram o reformador, mas detestam o espírito reformado. Querem a Reforma sem o protesto, a doutrina sem o escândalo, o Cristo sem a cruz. Querem um Evangelho de boas maneiras e o chamam de santidade.

Mas Deus não tem compromisso com a estética moralista. Ele fala pela boca de profetas que gritam, choram, amaldiçoam e até zombam. O Espírito Santo não fala apenas em tons suaves; Ele fala com trovões. O próprio Cristo chamou os religiosos de “raça de víboras”, “filhos do diabo” e “sepulcros caiados”. O Cordeiro rugiu como Leão.

A verdadeira pureza não é o silêncio, mas a fidelidade. Há quem nunca diga um palavrão, mas viva uma blasfêmia. E há quem diga palavras duras — como os profetas, como Jesus, como Paulo, como Lutero — e esteja cheio do Espírito Santo.

A santidade da língua não está em evitar certas palavras, mas em falar a verdade no tempo certo, com a coragem certa e o espírito certo. A boca é impura quando se cala diante da mentira.

Que os religiosos fiquem com suas palavras polidas e seus corações podres. Eu prefiro falar a verdade, mesmo que doa, mesmo que soe mal, mesmo que escandalize o moralismo. Porque o Deus que inspirou Ezequiel, que usou Paulo, e que inflamou Lutero não é o deus das boas maneiras: é o Senhor da Verdade.