Por Yuri Schein
[Cena: Corinto. Diógenes está deitado ao sol, ao lado de seu barril. Alexandre, cercado de soldados e aduladores, aproxima-se.]
Alexandre: Eu sou Alexandre, o Grande. Peça-me o que quiseres.
Diógenes (sem se mover): Sai da frente do meu sol.
[Risos nervosos entre os soldados. Alexandre fica surpreso.]
Alexandre: Todos os homens me temem.
Diógenes: Pois eu sou homem, e não te temo.
Alexandre: Admirável ousadia… Se eu não fosse Alexandre, desejaria ser Diógenes.
Diógenes (sorrindo): E se eu não fosse Diógenes, desejaria ser Diógenes.
Alexandre: Não desejas riquezas, palácios, honras? Eu posso dar-te tudo.
Diógenes: Desejo apenas que não desejes tu o que eu possuo.
Alexandre (insistindo): Mas eu sou senhor do mundo!
Diógenes: E eu sou senhor do que preciso. Quem de nós é mais rico?
Alexandre: Então não queres minha proteção? Não desejas ser parte da minha corte?
Diógenes: Estar sob tua proteção é ser teu escravo. Prefiro ser cão livre a leão acorrentado.
Alexandre (mostrando a coroa): E isso? Não te impressiona?
Diógenes: Impressiona… a estupidez de quem a usa.
[Diógenes se levanta e começa a remexer num monte de ossos próximos.]
Alexandre: O que fazes aí?
Diógenes: Procuro os ossos de teu pai, mas não consigo distingui-los dos de um escravo.
[Silêncio constrangedor. Alguns soldados abaixam a cabeça.]
Alexandre (tentando recuperar o ânimo): Mas não temes a morte?
Diógenes: O sol também se põe e volta. Por que eu temeria ir aonde vão todos?
Alexandre (ainda sério): E que homem és tu?
Diógenes: Sou um cão: lambo os que me dão, ladro contra os que nada dão, e mordo os maus.
📌 Epílogo
Consta que, ao deixar Diógenes, Alexandre teria dito aos seus companheiros:
“Se eu fosse realmente Alexandre, ainda assim gostaria de ser Diógenes.”
E os aduladores murmuraram, mas o cínico já tinha voltado a se deitar ao sol, indiferente ao império e à glória.
📜 Falas de Diógenes a Alexandre e suas fontes
1. “Sai da frente do meu sol.”
Fonte: Diógenes Laércio, Vidas e Doutrinas dos Filósofos Ilustres, VI.38.
Também em Plutarco, De Alexandri Magni fortuna aut virtute I.6.
2. “Se eu não fosse Alexandre, queria ser Diógenes.”
Fonte: Plutarco, De Alexandri Magni fortuna aut virtute I.6.
Também em Diógenes Laércio, VI.38-39.
3. “E se eu não fosse Diógenes, ainda queria ser Diógenes.”
Fonte: A resposta aparece em Diógenes Laércio, VI.38, como contraponto ao dito de Alexandre.
4. “Todos os homens me temem.” — “Pois eu sou homem, e não te temo.”
Fonte: Estobeu, Florilegium, III.13.44 (atribuição a Diógenes).
5. “Desejo apenas que não desejes tu o que eu possuo.”
Fonte: Relato secundário, variante em Estobeu e coleções de anedotas cínicas.
6. “Eu sou senhor do mundo.” — “E eu sou senhor do que preciso. Quem de nós é mais rico?”
Fonte: Estobeu, Florilegium III.13.44.
Também em algumas coleções tardias de apotegmas cínicos.
7. “Prefiro ser cão livre a leão acorrentado.”
Fonte: Anecdota Cynica (coleção de máximas atribuídas a Diógenes). O espírito é testemunhado em Diógenes Laércio, VI.22-23, mas a formulação direta aparece em tradições posteriores.
8. “Impressiona… a estupidez de quem a usa.” (sobre a coroa)
Fonte: Relatos tardios em coleções bizantinas de apotegmas cínicos; o tema geral (escárnio da coroa) ecoa Diógenes Laércio, VI.37.
9. “Procuro os ossos de teu pai, mas não consigo distingui-los dos de um escravo.”
Fonte: Plutarco, Moralia, 333a.
Também preservado em Estobeu, Florilegium, III.4.
10. “O sol também se põe e volta. Por que eu temeria ir aonde vão todos?”
Fonte: Tradição secundária em Estobeu e anedotários cínicos; não está no núcleo mais antigo (Laércio/Plutarco), mas circula em coleções morais helenísticas.
11. “Sou um cão: lambo os que me dão, ladro contra os que não me dão, e mordo os maus.”
Fonte: Diógenes Laércio, VI.60.
Não aparece diretamente na cena com Alexandre, mas em seu autorretrato filosófico — muitos compiladores depois juntaram a fala ao encontro.
📌 Observação importante
O encontro de Diógenes e Alexandre é atestado com núcleo seguro em Laércio VI.38-39 e Plutarco (as duas falas centrais: “Sai da frente do sol” e “Se eu não fosse Alexandre…”).
As demais circulam como expansões posteriores, preservadas em Estobeu, Aulo Gélio, coleções bizantinas e apotegmas cínicos.
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