terça-feira, 30 de setembro de 2025

📜 O Encontro de Diógenes e Alexandre


Por Yuri Schein 

[Cena: Corinto. Diógenes está deitado ao sol, ao lado de seu barril. Alexandre, cercado de soldados e aduladores, aproxima-se.]

Alexandre: Eu sou Alexandre, o Grande. Peça-me o que quiseres.

Diógenes (sem se mover): Sai da frente do meu sol.

[Risos nervosos entre os soldados. Alexandre fica surpreso.]

Alexandre: Todos os homens me temem.

Diógenes: Pois eu sou homem, e não te temo.

Alexandre: Admirável ousadia… Se eu não fosse Alexandre, desejaria ser Diógenes.

Diógenes (sorrindo): E se eu não fosse Diógenes, desejaria ser Diógenes.

Alexandre: Não desejas riquezas, palácios, honras? Eu posso dar-te tudo.

Diógenes: Desejo apenas que não desejes tu o que eu possuo.

Alexandre (insistindo): Mas eu sou senhor do mundo!

Diógenes: E eu sou senhor do que preciso. Quem de nós é mais rico?

Alexandre: Então não queres minha proteção? Não desejas ser parte da minha corte?

Diógenes: Estar sob tua proteção é ser teu escravo. Prefiro ser cão livre a leão acorrentado.

Alexandre (mostrando a coroa): E isso? Não te impressiona?

Diógenes: Impressiona… a estupidez de quem a usa.

[Diógenes se levanta e começa a remexer num monte de ossos próximos.]

Alexandre: O que fazes aí?

Diógenes: Procuro os ossos de teu pai, mas não consigo distingui-los dos de um escravo.

[Silêncio constrangedor. Alguns soldados abaixam a cabeça.]

Alexandre (tentando recuperar o ânimo): Mas não temes a morte?

Diógenes: O sol também se põe e volta. Por que eu temeria ir aonde vão todos?

Alexandre (ainda sério): E que homem és tu?

Diógenes: Sou um cão: lambo os que me dão, ladro contra os que nada dão, e mordo os maus.


📌 Epílogo

Consta que, ao deixar Diógenes, Alexandre teria dito aos seus companheiros:

 “Se eu fosse realmente Alexandre, ainda assim gostaria de ser Diógenes.”

E os aduladores murmuraram, mas o cínico já tinha voltado a se deitar ao sol, indiferente ao império e à glória.


📜 Falas de Diógenes a Alexandre e suas fontes

1. “Sai da frente do meu sol.”

Fonte: Diógenes Laércio, Vidas e Doutrinas dos Filósofos Ilustres, VI.38.

Também em Plutarco, De Alexandri Magni fortuna aut virtute I.6.

2. “Se eu não fosse Alexandre, queria ser Diógenes.”

Fonte: Plutarco, De Alexandri Magni fortuna aut virtute I.6.

Também em Diógenes Laércio, VI.38-39.

3. “E se eu não fosse Diógenes, ainda queria ser Diógenes.”

Fonte: A resposta aparece em Diógenes Laércio, VI.38, como contraponto ao dito de Alexandre.

4. “Todos os homens me temem.” — “Pois eu sou homem, e não te temo.”

Fonte: Estobeu, Florilegium, III.13.44 (atribuição a Diógenes).

5. “Desejo apenas que não desejes tu o que eu possuo.”

Fonte: Relato secundário, variante em Estobeu e coleções de anedotas cínicas.

6. “Eu sou senhor do mundo.” — “E eu sou senhor do que preciso. Quem de nós é mais rico?”

Fonte: Estobeu, Florilegium III.13.44.

Também em algumas coleções tardias de apotegmas cínicos.

7. “Prefiro ser cão livre a leão acorrentado.”

Fonte: Anecdota Cynica (coleção de máximas atribuídas a Diógenes). O espírito é testemunhado em Diógenes Laércio, VI.22-23, mas a formulação direta aparece em tradições posteriores.

8. “Impressiona… a estupidez de quem a usa.” (sobre a coroa)

Fonte: Relatos tardios em coleções bizantinas de apotegmas cínicos; o tema geral (escárnio da coroa) ecoa Diógenes Laércio, VI.37.

9. “Procuro os ossos de teu pai, mas não consigo distingui-los dos de um escravo.”

Fonte: Plutarco, Moralia, 333a.

Também preservado em Estobeu, Florilegium, III.4.

10. “O sol também se põe e volta. Por que eu temeria ir aonde vão todos?”

Fonte: Tradição secundária em Estobeu e anedotários cínicos; não está no núcleo mais antigo (Laércio/Plutarco), mas circula em coleções morais helenísticas.

11. “Sou um cão: lambo os que me dão, ladro contra os que não me dão, e mordo os maus.”

Fonte: Diógenes Laércio, VI.60.

Não aparece diretamente na cena com Alexandre, mas em seu autorretrato filosófico — muitos compiladores depois juntaram a fala ao encontro.


📌 Observação importante

O encontro de Diógenes e Alexandre é atestado com núcleo seguro em Laércio VI.38-39 e Plutarco (as duas falas centrais: “Sai da frente do sol” e “Se eu não fosse Alexandre…”).

As demais circulam como expansões posteriores, preservadas em Estobeu, Aulo Gélio, coleções bizantinas e apotegmas cínicos.


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