Por Yuri Schein
Quando lemos Levítico 26.3–42, somos confrontados com uma estrutura que percorre toda a Escritura: a fidelidade a Deus conduz à bênção sobre a terra, enquanto a infidelidade atrai juízos e exílios. O texto é um compêndio da teologia da aliança, não apenas para Israel étnico, mas para o modo como Deus governa sua história redentiva. Ali estão listadas bênçãos materiais (chuvas, colheitas, segurança, vitória militar, crescimento populacional) e, em contraste, maldições (pestes, fome, derrotas, dispersão e exílio).
Aqui já se revela a ironia: quem lê Levítico apenas como um “manual ultrapassado” perde a chave hermenêutica que o Novo Testamento irá retomar e aplicar em escala cósmica. Pois em Cristo, o verdadeiro Israel, as promessas da aliança se cumprem de maneira mais elevada e universal, englobando não apenas uma nação, mas todas as famílias da terra (Gênesis 12.3; Gálatas 3.16). Assim, Levítico 26 não é um contrato rural do Oriente Médio antigo, mas o prenúncio de uma escatologia de vitória que culmina no pós-milenismo.
Note que, no clímax do capítulo, há uma promessa de restauração (vv. 40–42): mesmo após o exílio e a infidelidade, Deus se lembra da sua aliança com Jacó, Isaque e Abraão. Este “lembrar-se” é linguagem de fidelidade pactual, não mera memória sentimental. A aliança não é anulada pelo pecado humano; ela é cumprida soberanamente por Deus, que garante que a história caminhe para a bênção final.
Cristo, no Sermão do Monte, retoma esse mesmo padrão. Ele reinterpreta a Lei não como abolida, mas como levada à sua plenitude (Mateus 5.17–19). Quando declara “Bem-aventurados os mansos, porque herdarão a terra” (Mateus 5.5), Jesus está ecoando exatamente a lógica de Levítico 26: os que obedecem recebem bênçãos concretas na terra. O pós-milenismo se apoia nisso, a promessa de herança do mundo não está suspensa para um futuro etéreo, mas em realização progressiva na história, na medida em que as nações são discipuladas (Mateus 28.18–20).
Romanos 11 amarra definitivamente essa teologia. Paulo fala do endurecimento parcial de Israel e da entrada dos gentios, mas conclui que “todo o Israel será salvo” (v. 26). O ponto não é apenas o resgate de judeus étnicos, mas a plenitude do povo de Deus sendo enxertado na oliveira. É a mesma lógica de Levítico 26: castigo pelo pecado, dispersão, restauração soberana pela fidelidade de Deus. A graça triunfa sobre a desobediência, e o pacto floresce.
A ironia, portanto, é dupla: primeiro, sobre os dispensacionalistas, que acreditam que Levítico 26 e Romanos 11 são apenas “planos B” para Israel étnico, ignorando que Paulo está descrevendo a consumação da missão da Igreja sobre o mundo. Segundo, sobre os amilenistas derrotistas, que leem as maldições, mas não acreditam nas bênçãos. Se Deus cumpre as maldições historicamente (exílio, dispersão, juízos), então por que não cumpriria também as bênçãos? Seria Deus mais fiel ao castigo do que à promessa?
O pós-milenismo lê Levítico 26, o Sermão do Monte e Romanos 11 em harmonia: Deus disciplina, restaura e conduz a história para a obediência universal das nações. A terra é do Senhor, não do diabo; a missão da Igreja não é sobreviver em guetos derrotados, mas herdar o mundo pela obediência de fé.
Assim, Levítico 26 não é apenas um capítulo antigo sobre agricultura e guerras tribais; é a partitura escatológica da história. Cristo é o maestro que a rege no Sermão do Monte, e Paulo é o intérprete que a aplica à Igreja em Romanos 11. E os pós-milenistas são aqueles que, ironicamente, ainda ousam crer que Deus cumpre exatamente o que prometeu.
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