Por Yuri Schein
Números 14.28-31 é uma dessas passagens que, se lida com atenção, desmonta o pessimismo escatológico e revela a lógica divina que fundamenta o pós-milenismo. Deus diz a Moisés que, conforme os murmuradores desejaram morrer no deserto, assim aconteceria: seus corpos cairiam na areia, nunca entrando na terra prometida. Todavia, seus filhos, aqueles que eles mesmos acusaram de serem "presas fáceis" (v.31), seriam justamente os herdeiros da promessa, os que entrariam e possuiriam a herança.
O contexto é claro: a geração incrédula morre, mas a promessa não morre com ela. O plano de Deus não depende da fraqueza do homem, nem é paralisado pela apostasia de uma geração. A fidelidade divina é transmitida às próximas, garantindo que a herança seja conquistada. Esse princípio não é apenas histórico, mas tipológico e escatológico. Israel no deserto representa a oscilação da humanidade em rebeldia contra Deus, e Canaã é a antecipação da herança cósmica da Igreja. A incredulidade pode matar uma geração, mas não mata o decreto: “toda a terra se encherá da glória do Senhor” (Nm 14.21).
No pós-milenismo, a história é vista exatamente à luz desse padrão. Sim, haverá murmurações, apostasias, quedas. Sim, muitos "corpos" cairão no deserto da incredulidade. Mas os filhos — a descendência da promessa, a Igreja unida ao Messias — tomarão posse da herança que Deus determinou. Isso não é otimismo vazio, mas leitura consequente do caráter do próprio Deus: Ele disciplina, corta, arranca ramos, mas o tronco permanece e cresce (Rm 11.17-24). O Sermão do Monte já havia antecipado essa verdade: "Bem-aventurados os mansos, porque herdarão a terra" (Mt 5.5).
Assim, Números 14.28-31 funciona como metáfora providencial da marcha da história. O ceticismo e o desespero não anulam o plano divino. Deus até pode despachar gerações inteiras para o chão do deserto, mas a promessa segue viva, herdada pelos filhos. O pós-milenismo nada mais é do que crer que, no fim, não haverá cadáveres espalhados no deserto do mundo, mas uma herança plenamente conquistada, porque o Deus que jurou é o mesmo que executa.
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