quarta-feira, 27 de agosto de 2025

Pós milenismo: O Mandato Renovado: mas claro, Deus só queria encher a terra de derrotados



Por Yuri Schein 

Gênesis 9.1-2 declara: “Abençoou Deus a Noé e a seus filhos, e lhes disse: Frutificai, multiplicai-vos e enchei a terra. Será o temor e o pavor de vós sobre todo animal da terra, e sobre toda ave dos céus; tudo o que se move sobre a terra e todos os peixes do mar, na vossa mão são entregues.”

Este é um dos textos mais subestimados da teologia bíblica, e justamente por isso o pré-milenismo e o amilenismo se veem obrigados a tratá-lo como se fosse uma curiosidade histórica irrelevante. Só que o problema é que esse versículo está posicionado logo após o dilúvio, no reinício da humanidade. E o que ele mostra é cristalino: Deus não aboliu o mandato cultural dado em Gênesis 1.28, mas o reafirmou, agora sob a marca do juízo e da redenção.

Depois de varrer a maldade humana com o dilúvio, o Senhor não declara: “agora vocês apenas sobrevivam até que o mundo acabe”, mas sim: “frutificai, multiplicai-vos e enchei a terra.” O verbo abençoou é determinante. Isso significa que a ordem não é apenas mandamento, mas promessa sustentada pela graça divina. O mundo pós-diluviano não começa com derrota, mas com bênção e domínio.

O versículo 2 reforça: todo animal, ave, peixe, todos são entregues ao homem. O domínio humano sobre a criação continua intacto, mas agora revestido de um “temor e pavor” que os animais sentiriam do homem. O que era ordem natural no Éden, agora é sustentado pela providência sobrenatural. Essa é a continuação da vocação cultural: cultivar, governar, sujeitar e expandir a glória de Deus pela terra.

Ora, o pós-milenismo encontra aqui um de seus fundamentos: se após o juízo cósmico do dilúvio Deus reafirma o domínio humano e abençoa a multiplicação da humanidade sobre a terra, como imaginar que o plano de Deus é o fracasso histórico? Se a ordem é reiterada, é porque o propósito de Deus não muda: a terra será cheia do conhecimento da glória do Senhor (Hc 2.14). O mandato cultural não é temporário nem simbólico, mas histórico e universal.

O apóstolo Paulo entende isso ao dizer que Abraão recebeu a promessa de ser “herdeiro do mundo” (Rm 4.13). Ou seja, o que começou com Adão e foi renovado com Noé alcança sua plenitude em Cristo e seus descendentes. A Grande Comissão (Mt 28.18-20) é apenas o clímax neotestamentário dessa ordem: encher a terra, não apenas biologicamente, mas espiritualmente, com discípulos de todas as nações.

O pré-milenismo insiste em que a história caminha inevitavelmente para uma vitória de Satanás no plano cultural, até que Cristo volte para “resolver o problema”. O amilenismo, por sua vez, resigna-se a um empate histórico, em que a igreja sobrevive até a consumação, mas sem conquistar o mundo. No entanto, Gênesis 9 destrói ambos os cenários. Deus não começou a história de novo após o dilúvio para entregar o mundo à serpente. Ele começou de novo para reafirmar seu plano: abençoar a humanidade com crescimento, domínio e multiplicação.

A ironia é que muitos cristãos leem esse texto e não percebem que ele já contém o pós-milenismo em semente. O domínio humano garantido por Deus, o temor das criaturas, a ordem de encher a terra, tudo aponta para a expansão vitoriosa do Reino na história. Cristo é o segundo Adão e o verdadeiro Noé, que não apenas sobrevive ao juízo, mas o atravessa vitorioso na cruz, saindo da arca para herdar o mundo.

Portanto, se Gênesis 9.1-2 fosse levado a sério, toda escatologia pessimista desmoronaria. O texto não é um lembrete moral, mas uma declaração profética: o mundo, após o juízo, será habitado, governado e disciplinado pelos homens debaixo da bênção divina. A serpente não recebe a última palavra. O plano de Deus não é encher a terra de derrotados, mas de homens e mulheres que, em Cristo, exercem o domínio e cumprem o mandato cultural até que toda a criação seja restaurada.

Em resumo: Gênesis 9.1-2 não é apenas história antiga, é escatologia em ato. O pós-milenismo não começa em Mateus, mas já está selado na renovação da ordem do Éden após o dilúvio. O resto é só leitura míope de quem prefere um “Deus desistente” a um Deus vitorioso.

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