Por Yuri Schein
Se há um capítulo no Antigo Testamento que deveria envergonhar o pessimismo escatológico de muitos teólogos modernos, esse é Levítico 26. O texto inteiro é um colosso de pedagogia divina, uma obra-prima da pedagogia da aliança. Deus não está apenas ameaçando Israel com chicotes cósmicos caso eles sejam infiéis; Ele está descrevendo o funcionamento do pacto, revelando como a história se move sob a mão soberana do Criador, e como as promessas d’Ele se desdobram no tempo. O que se encontra aqui não é um manual de desespero, mas um mapa escatológico que aponta diretamente para a inevitabilidade do triunfo do Reino de Deus na terra, ou, em termos mais explícitos: pós-milenismo puro, cristalino e ofensivo para qualquer derrotista teológico.
O texto começa estabelecendo a condição: “Se andardes nos meus estatutos e guardardes os meus mandamentos, e os cumprirdes, então vos darei as vossas chuvas a seu tempo, e a terra dará a sua colheita, e as árvores do campo darão o seu fruto” (Lv 26:3-4). Isso não é uma promessa etérea, “espiritualizada” no vácuo: é uma promessa material, histórica, cultural e civilizacional. É chuva, abundância, segurança nacional, vitória militar, prosperidade econômica, multiplicação de filhos. Ou seja, Deus está vinculando a obediência da aliança a um padrão de bênção que invade todas as esferas da vida. O erro grotesco de muitos intérpretes modernos é achar que essas promessas morreram na poeira do Antigo Oriente Próximo. A verdade é que essas bênçãos são o fundamento da visão de mundo teonômica e pós-milenista: a obediência à lei de Deus gera uma cultura de vida que floresce, e esse padrão não foi abolido, mas amplificado em Cristo, que é o cumprimento da Lei.
Mas o texto não para nas bênçãos. Ele é honesto sobre as maldições da desobediência (Lv 26:14-39): terror, doença, inimigos dominando, fome, até mesmo a desolação da terra. Aqui os amilenistas e pré-milenistas se sentem em casa, porque eles amam o pessimismo. Para eles, o cristianismo é sempre a história de um barco furado afundando lentamente no mar da cultura ímpia. Só que eles esquecem do detalhe crucial: a narrativa não termina na maldição. Depois de enumerar todas as consequências devastadoras da infidelidade, Deus acrescenta: “Então confessarão a sua iniquidade [...] e eu me lembrarei do meu concerto com Jacó, e também do meu concerto com Isaque, e também do meu concerto com Abraão me lembrarei” (Lv 26:40-42). Eis o ponto nuclear: a maldição não é o último capítulo, mas o meio pedagógico que Deus usa para restaurar o Seu povo, lembrando da aliança eterna feita com os patriarcas.
Em outras palavras, Levítico 26 já carrega em si o padrão escatológico que se cumpre em Cristo: bênção prometida, disciplina pela desobediência, restauração final mediante a lembrança da aliança eterna. É justamente esse ciclo que desemboca na promessa neotestamentária de que o Reino de Deus crescerá como o fermento até levedar toda a massa (Mt 13:33). Se Deus garante que, mesmo após o exílio, Ele restauraria Israel por causa da Sua aliança, quanto mais Ele restaurará o mundo inteiro por causa da obra consumada do Seu Filho. Reduzir esse ciclo a uma derrota final é cuspir no padrão pedagógico da aliança e transformar Deus em um autor de tragédias gregas, e não em um dramaturgo soberano que escreve comédia redentiva, no sentido técnico: a história começa na queda e termina na glória.
Levítico 26, portanto, não é apenas um código agrícola antigo; é um tratado de teologia do pacto que desenha o futuro da história humana. Ele nos mostra que as bênçãos materiais e espirituais estão intrinsecamente ligadas à obediência à lei de Deus, que a desobediência traz juízo real, mas que o juízo nunca é o fim. A restauração é inevitável, porque a aliança é eterna, e a aliança aponta para Cristo, o Rei das nações. Esse movimento garante que a história não vai acabar em colapso cultural universal, mas em triunfo da verdade. Ou seja, pós-milenismo não é um devaneio otimista: é a leitura coerente da própria estrutura da aliança em Levítico 26.
Assim, quando algum derrotista insiste que “o mundo só piora até Jesus voltar”, você pode abrir Levítico 26 e perguntar: “Então o Deus da aliança não cumpre Suas promessas de restauração? Ele esqueceu o concerto com Abraão? Ele desistiu de Cristo, o cumprimento da Lei?”. A resposta é óbvia. Se Deus não falha, então a história não termina em derrota, mas em vitória.
Quer os teólogos modernos aceitem ou não, Levítico 26 é um monumento pós-milenista no Pentateuco. A maldição existe, mas é apenas o prelúdio da restauração. O juízo é real, mas é pedagógico. E a vitória final não é um sonho humano, mas a consequência lógica da fidelidade divina. Em termos mais crus: o pessimismo escatológico não é humildade exegética, é apenas incredulidade mascarada de realismo. Levítico 26 desmonta esse mito com a força de uma promessa eterna.
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