Por Yuri Schein
“Deus não é homem, para que minta; nem filho do homem, para que se arrependa; porventura diria ele, e não o faria? Ou falaria, e não o confirmaria?” (Nm 23:19)
O Versículo que Enterra a Escatologia do Medo
É engraçado (no sentido trágico e sarcástico da palavra) que os cristãos, especialmente os de mentalidade dispensacionalista ou amilenista pessimista, leiam Números 23:19 como se fosse um cartão de aniversário motivacional e não uma declaração cósmica da fidelidade inviolável de Deus. Balaão, no meio de suas tentativas fracassadas de amaldiçoar Israel, solta uma das declarações mais explosivas de toda a Escritura: Deus não mente. Ele não é como os homens, que mudam de opinião conforme a maré cultural.
O que isso tem a ver com escatologia e, mais especificamente, com o pós-milenismo? Absolutamente tudo. Se Deus prometeu que a sua glória encheria a terra como as águas cobrem o mar (Habacuque 2:14; Números 14:21), se Ele prometeu que todas as famílias da terra seriam benditas em Abraão (Gênesis 12:3), e se Ele mesmo garantiu que o trono de Davi seria estabelecido para sempre (2 Samuel 7:16), então só existem duas opções: ou Deus é fiel, ou Ele é um mentiroso. E aqui está a boa notícia (ou má notícia, dependendo do seu pessimismo): Números 23:19 exclui a possibilidade da mentira.
Portanto, a escolha diante de nós é simples: ou aceitamos o pós-milenismo, a crença de que o Reino de Cristo avançará de forma histórica até cobrir todas as nações antes da consumação final ou chamamos o próprio Deus de mentiroso. Não há meio-termo.
Balaão, Balac¹ e a Impossibilidade do Fracasso de Israel
O contexto de Números 23 não é apenas uma historinha infantil para Escola Dominical. Balac, rei dos moabitas, apavorado com o avanço de Israel, contrata Balaão, um profeta mercenário, para amaldiçoar o povo da aliança. A lógica pagã é clara: se os deuses podem ser manipulados, talvez o Deus de Israel também possa ser comprado, dobrado ou seduzido a mudar de ideia.
A resposta divina vem como uma bomba teológica: Eu não mudo, Eu não minto, Eu não falho. O decreto sobre Israel é irrevogável. O que Eu disse, Eu cumprirei. E aqui está a conexão crucial: o avanço de Israel rumo à terra prometida é um microcosmo do avanço do Reino de Cristo no mundo. A terra era apenas o início, a maquete. A promessa sempre foi universal, cósmica.
Portanto, Números 23:19 não é apenas uma garantia para Israel antigo; é uma declaração eterna sobre a confiabilidade de cada palavra que procede da boca de Deus. Incluindo as promessas pós-milenistas.
Pós-Milenismo: A Escatologia da Fidelidade Divina
Se Deus não mente, então precisamos levar a sério quando Ele diz coisas como:
“Toda a terra será cheia da glória do Senhor” (Nm 14:21).
“Todas as famílias da terra serão benditas” (Gn 12:3).
“Pede-me, e eu te darei as nações por herança, e os confins da terra por tua possessão” (Sl 2:8).
“A terra se encherá do conhecimento do Senhor, como as águas cobrem o mar” (Is 11:9; Hc 2:14).
“Bem-aventurados os mansos, porque herdarão a terra” (Mt 5:5).
“E assim todo o Israel será salvo” (Rm 11:26).
A questão é lógica: se Deus disse, Ele fará. Se Ele prometeu, Ele cumprirá. Negar o pós-milenismo é afirmar, ainda que indiretamente, que Deus prometeu mas não cumprirá; que Ele falou, mas não confirmará. Ou seja, é acusar o próprio Senhor de ser como um político humano, cheio de palavras vazias.
Conexões com o Sermão do Monte
O Sermão do Monte é a exposição régia do Rei Jesus sobre a ética do Reino. Mas veja: essa ética não paira no ar como um código moral para monges deprimidos. Ela tem um telos, um alvo histórico. “Bem-aventurados os mansos, porque herdarão a terra” (Mt 5:5). Ora, se Números 23:19 nos lembra que Deus não mente, então essa bem-aventurança não é poesia espiritualizada: é realidade escatológica. Os mansos não herdarão apenas um pedacinho de areia no Oriente Médio, mas a própria terra.
Quando Jesus ensina seus discípulos a orar “venha o teu Reino, seja feita a tua vontade, assim na terra como no céu” (Mt 6:10), Ele não estava oferecendo uma oração fadada ao fracasso. O pós-milenismo é simplesmente levar a sério a oração que o próprio Cristo nos ensinou.
Conexões com Romanos 11
Paulo, em Romanos 11, retoma o fio da promessa de Abraão, reafirma a fidelidade de Deus à sua palavra e declara: “E assim todo o Israel será salvo” (Rm 11:26). O raciocínio paulino ecoa Números 23:19: se Deus não é homem para mentir, então Ele não abandonou Seu povo, nem voltará atrás em Sua promessa. A plenitude dos gentios e a salvação de Israel não são hipóteses otimistas, mas decretos irrevogáveis.
Romanos 11, lido à luz de Números 23:19, é um golpe de morte na escatologia pessimista. Se Deus prometeu que as nações seriam enxertadas e que Israel seria restaurado, quem ousará duvidar? Quem tem coragem de sugerir que Ele disse, mas não fará? O amilenismo e o dispensacionalismo, cada um à sua maneira, fazem exatamente isso.
Abrace o Pós-Milenismo, ou Acuse Deus de Mentiroso
Aqui entra a lâmina afiada da apologética pressuposicional. A questão não é apenas se temos textos bíblicos que parecem apoiar um otimismo histórico. A questão é: qual é a cosmovisão coerente com a natureza de Deus?
Se Deus é veraz, então o pós-milenismo é inevitável.
Se Deus mente, então qualquer escatologia é possível, inclusive o fracasso final da Igreja.
Mas se você aceita Números 23:19, o pessimismo escatológico se autodestrói. É como tentar beber água enquanto afirma que ela não existe.
A Fidelidade que Constrange
Números 23:19 é uma rocha inamovível. O pós-milenismo não é uma invenção otimista de puritanos sonhadores; é a consequência lógica da fidelidade de Deus. Ele não é homem para mentir, nem filho do homem para se arrepender. Ele disse que sua glória encheria a terra, e assim será.
Rejeitar o pós-milenismo é mais do que um erro exegético; é um insulto à própria integridade de Deus. É colocá-lo no mesmo nível de Balac, que acha que pode manipular os decretos divinos. É assumir que o Senhor fala, mas não cumpre.
Em suma: ou você abraça o pós-milenismo, ou acusa o Deus de Números 23:19 de ser um farsante. Boa sorte explicando isso diante do trono dEle.
¹ ou Balaque
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