quarta-feira, 27 de agosto de 2025

Pós milenismo: Guardar o Éden, Dominar a História, mas alguns ainda preferem o “realismo gospel da derrota”

 


Por Yuri Schein 

Gênesis 2.15 declara: “Tomou, pois, o Senhor Deus ao homem, e o colocou no jardim do Éden para o cultivar e o guardar.” Esse versículo, aparentemente simples, é uma das chaves hermenêuticas para a visão pós-milenista do mundo. Ele mostra que a função do homem não é apenas sobreviver ou “ter uma espiritualidade intimista”, mas ser agente ativo de cultivo e guarda da criação, isto é, de desenvolvimento, organização e preservação da ordem estabelecida por Deus.

O verbo cultivar (ʿābad) carrega o sentido de trabalhar, desenvolver, aperfeiçoar. Não se trata de manter o jardim em estado bruto, mas de conduzi-lo ao seu pleno potencial. O homem é colocado como mediador da cultura, transformando o espaço dado em algo mais belo, mais funcional e mais abundante. Por outro lado, o verbo guardar (šāmar) implica vigilância, cuidado e proteção contra aquilo que corrompe. O homem não deveria apenas expandir, mas também proteger a criação contra a desordem e contra a serpente.

Ora, isso já contém em germe o pós-milenismo: o plano de Deus nunca foi de um mundo condenado à decadência inescapável, mas de uma criação que, sob domínio humano obediente, floresceria em glória. Mesmo após a queda, esse mandato não é revogado, antes, é redimido em Cristo. O segundo Adão assume o papel de verdadeiro Guardião e Cultivador do Éden, esmagando a serpente (Gn 3.15) e restaurando a humanidade à sua vocação original.

O pré-milenismo pessimista, por sua vez, enxerga o mundo como irrecuperável, como se a queda tivesse anulado a ordem criacional e Deus tivesse desistido do seu próprio projeto histórico. Mas se o homem foi colocado no Éden para cultivar e guardar, e se Cristo é o último Adão que cumpre perfeitamente esse papel, então a lógica bíblica exige uma visão vitoriosa: a história não termina em ruína, mas em restauração, não em derrota, mas em triunfo.

O Novo Testamento ecoa isso em passagens como 1 Coríntios 15.25: “Pois é necessário que ele reine até que haja posto todos os inimigos debaixo de seus pés.” Isso é exatamente o cumprimento histórico e cósmico de Gênesis 2.15: cultivar o mundo com o evangelho e guardar o povo de Deus até que toda resistência satânica seja derrotada. O “guardar o Éden” ganha sua plenitude em Cristo guardando sua igreja e conduzindo-a a governar sobre as nações (Ap 2.26-27).

O pós-milenismo, portanto, não é uma invenção otimista de teólogos modernos, mas a leitura consequente do mandato original. A cruz não suspende a vocação humana; ela a restaura. Quando Jesus diz em Mateus 28.18-20 que toda autoridade lhe foi dada e envia a igreja a discipular as nações, ele está apenas retomando Gênesis 2.15 em escala global. O “cultivar e guardar” do jardim se transforma em “encher a terra do conhecimento da glória de Deus” (Hc 2.14).

Repare na ironia: muitos que se dizem “realistas escatológicos” acreditam que a serpente estragou de tal forma o Éden que Deus nunca mais poderia recuperá-lo dentro da história. Mas a narrativa bíblica é clara: Cristo já começou a obra da nova criação, e o Espírito já opera a restauração. A missão da igreja não é preparar-se para a derrota, mas exercer, em união com o segundo Adão, o mesmo mandato cultural dado no Éden.

Em resumo: Gênesis 2.15 não é uma nota de rodapé agrícola, mas a estrutura de toda a teologia bíblica. O homem foi posto para cultivar e guardar, Cristo restaura esse mandato, e a igreja, em união com ele, avança até que todo o mundo reflita a ordem e a glória do Criador. O pós-milenismo é apenas a conclusão inevitável: a criação será transformada, a cultura será redimida e a serpente esmagada. O resto é só “espiritualidade de bunker”, fruto de exegese derrotista.

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